Assim como muitos brasileiros, fomos surpreendidos pela chocante notícia da morte da menina Isabella, ocorrida na noite de 29 de março último, tendo por causa provável queda do 6º andar do prédio onde seu pai e madrasta residem. Permeado por dúvidas, o caso, sob apuração policial e rigoroso acompanhamento da imprensa, ainda aguarda deslinde. Acompanhando o assunto na internet, recebemos, dentre outras informações, a de que o pai da vítima atua como consultor jurídico, uma das atribuições pertinentes à profissão de advogado. Porém, ao conferir os registros da OAB/SP, constatamos que o referido consultor na verdade possui inscrição de estagiário, e não de advogado.
A partir dos dados obtidos no site da OAB/SP questionamos: pode um estagiário, regularmente inscrito, apresentar-se como consultor jurídico? Na nossa opinião, a resposta deve ser negativa, por força do disposto no art. 1º, inciso II, art. 3º, § 2º e art. 8º, todos do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil (EAOAB), combinados com o art. 29 do Regulamento Geral do Estatuto da OAB.
No inciso II do art. 1º da Lei federal 8.906/94, que instituiu a atual versão do EAOAB, encontramos disposição que trata como privativas da advocacia as atividades de "consultoria, assessoria e direção jurídicas". Em decorrência do referido comando, apenas as pessoas regularmente inscritas como advogados, nos termos do art. 8º do EAOAB, podem se apresentar como consultores, assessores e diretores jurídicos. Este foi, inclusive, nosso comentário quando tivemos a oportunidade de analisar minuta de estatuto de uma associação de estudantes de um curso superior: na divisão de incumbências, a entidade criou o cargo de "diretor jurídico", a ser exercido por um dos alunos, com a responsabilidade de tratar de questões legais de interesse da associação. Após nossa advertência, no sentido de que tal função é exclusiva de advogado, conforme determina a legislação em vigor, o cargo foi suprimido da minuta. Porém, nada impede que qualquer empresa ou entidade estabeleça a função de diretor jurídico, desde que exercido por advogado.
Mas e o estagiário regularmente inscrito na OAB/SP? Ele não pode se apresentar como "consultor jurídico", já que exerce determinados atos privativos de advogado, conforme a permissão estabelecida pelo parágrafo 2º do artigo 3º do EAOAB? Segundo este dispositivo, o "estagiário de advocacia, regularmente inscrito, pode praticar os atos previstos no art. 1º [do EAOAB], na forma do Regulamento Geral, em conjunto com advogado e sob responsabilidade deste". O Regulamento geral do EAOAB, em seu art. 29, reitera a disposição contida no § 2º do art. 3º do Estatuto, esclarecendo quais atos podem ser praticados isoladamente (retirada e devolução de autos, obtenção de certidões e assinatura de petições de juntada de documentos), sempre sob responsabilidade do advogado. Mesmo no exercício de atos extrajudiciais (art. 29, § 2º do Regulamento Geral), o estagiário deve ostentar autorização ou substabelecimento de advogado.
Após a leitura conjunta de todos os dispositivos acima citados, podemos concluir que a possibilidade da prática de determinados atos autorizados pelo EAOAB, em conjunto ou sob responsabilidade de advogado, não transforma o estagiário em consultor jurídico, tendo em vista que tal função é privativa de advogado. Com isso, um estagiário que acompanha um advogado na elaboração de um parecer ou na conclusão de um negócio jurídico, mesmo tendo participado de um ato de assessoria ou consultoria, não pode se apresentar como assessor ou consultor jurídico, pois continua sendo estagiário. A Turma Deontológica do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP já decidiu, inclusive, neste sentido:
"EXERCÍCIO DA PROFISSÃO - ASSESSORIA E CONSULTORIA JURÍDICAS PRESTADAS POR BACHAREL EM DIREITO E ESTAGIÁRIO-IMPOSSIBILIDADE. 1 - Os cursos jurídicos não formam advogados, mas somente bacharéis em direito, que, para habilitarem-se profissionalmente, são obrigados a inscrever-se na OAB, cumprindo as exigências definidas no artigo 8º do Estatuto, para só então serem autorizados a exercer as atividades da advocacia e utilizar-se da denominação de advogado, que é privativa dos inscritos na Ordem (artigo 3º do Estatuto). Portanto, o bacharel em direito não pode sob qualquer hipótese prestar assessoria e consultoria jurídicas, que são atividades privativas da advocacia (artigo 1º, II, do Estatuto), sob pena de cometer crime de exercício ilegal da profissão (Regulamento Geral – artigo 4º). 2 - O estagiário, mesmo que devidamente inscrito, também não poderá prestar assessoria e consultoria jurídicas, a não se que o faça em conjunto com advogado e sob a responsabilidade deste (art. 3º, § 2º, do Estatuto). 3 - O advogado é o primeiro juiz de seus atos, portanto, deve decidir, com base nas normas legais e de acordo exclusivo com sua consciência e deveres para com sua profissão, quais as medidas que entende necessárias para coibir as atitudes que julgue prejudiciais ao pleno, legal e ético exercício da advocacia.Proc. E-3.011/2004 – v.u., em 19/08/2004, do parecer e ementa do Rel. Dr. GUILHERME FLORINDO FIGUEIREDO – Rev. Dr. ZANON DE PAULA BARROS – Presidente Dr. JOÃO TEIXEIRA GRANDE". (http://www2.oabsp.org.br/asp/tribunal_etica/pop_ementas.asp?tipoEmenta=1&ano=2004&id_sessao=7&sequencial=14).