1. Introdução
Tem havido controvérsia sobre a suposta obrigatoriedade de o Distrito Federal ressarcir a União de valores por ela repassados à entidade federada distrital, via Fundo Constitucional, para pagamento de servidores de saúde, segurança pública e educação, na hipótese de os agentes públicos serem cedidos para exercício funcional em outros órgãos administrativos da Administração Pública do DF ou para investidura em cargos comissionados de outros órgãos ou para o Poder Legislativo local.
A discussão gira em torno do dispositivo da Carta Magna de 1988:
Art. 21. Compete à União:
................................................................................................................
XIV - organizar e manter a polícia civil, a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, bem como prestar assistência financeira ao Distrito Federal para a execução de serviços públicos, por meio de fundo próprio; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
A tese deste artigo é de que a Controladoria-Geral da União é incompetente para proceder à fiscalização na Polícia Civil do DF, sob pena de se consubstanciar ofensa ao princípio federativo consagrado como cláusula pétrea na Carta Magna, tendo em vista que o Fundo Constitucional, previsto no art. 21, da Carta Magna, e instituído pela Lei federal nº 10.633, de 27/12/2002, não tem o condão de descaracterizar a condição de órgão distrital da Polícia Civil, de sorte que os policiais civis são servidores do Distrito Federal, e não federais.
2. Os servidores públicos da Polícia Civil do DF são agentes distritais
Malgrado a competência federal para legislar sobre as Polícias Civil e Militar do DF, a interpretação constitucional consolidada é no sentido de que os seus respectivos integrantes são servidores do Distrito Federal, e não da União, conforme expressamente preceituado no art. 42, caput [01], com a redação conferida pela Emenda Constitucional nº 18/1998, bem como pelo art. 144, § 6º [02], ambos da Constituição Federal, em face da autonomia constitucional, administrativa e organizacional do ente distrital.
O art. 21, XIV [03], da Constituição Federal, estabeleceu a instituição de fundo próprio, a fim de prestar assistência financeira ao DF, em virtude do que a Lei federal nº 10.633/2002 instituiu o Fundo Constitucional, de natureza contábil, com a finalidade de prover os recursos necessários à organização e à manutenção da Polícia Civil, da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal, bem como em vista da assistência financeira para a execução de serviços públicos de saúde e educação no âmbito distrital.
Não obstante isso, não se vislumbra que o ente federado distrital não tenha competência para operacionalizar e fiscalizar a Polícia Civil, até porque a própria Constituição Federal prevê a subordinação dos membros da Polícia Civil ao Governador do Distrito Federal, inclusive no que tange ao exercício do poder disciplinar para punir eventuais transgressões funcionais, de modo que não há que se falar em competência da Controladoria-Geral da União, órgão fiscalizador federal, para apreciar supostas irregularidades na acumulação de cargos de servidores distritais ou eventuais desvios de função, tampouco interferir no manejo de pessoal que a Administração Pública distrital julgar pertinente, inclusive por meio de cessão a outros órgãos, com vistas ao regular andamento do serviço público, no âmbito de sua estrutura administrativa.
Com efeito, basta atentar para a circunstância de que a acumulação de cargos públicos constitui transgressão disciplinar, passível de demissão (art. 132, XII, Lei 8.112/1990), após o curso regular de processo administrativo disciplinar em torno do fato, sendo que, no caso de servidor da Polícia Civil, órgão que compõe a Administração Pública do Distrito Federal, cabe ao Excelentíssimo Senhor Governador, e não ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República, julgar o feito e aplicar eventual pena administrativa, o que revela a impertinência de a União se imiscuir em torno da questão.
Acrescente-se, por pertinente, que o DF foi compensado, no texto constitucional, pelo repasse especial de recursos federais, destinados à manutenção da segurança pública no território do Distrito Federal, pela peculiaridade de Brasília ser sede dos órgãos do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário da União, inclusive Tribunais Superiores, Palácio do Planalto, Congresso Nacional, representações administrativas de todos os outros Estados e Municípios da Federação, além de estarem localizadas, aqui, as embaixadas de diversos países, o que demanda, certamente, a prestação contínua e em caráter singular dos serviços públicos de segurança, com vistas à manutenção da ordem e da própria guarda dos órgãos federais, estaduais, municipais e dos organismos internacionais instaladas nos lindes distritais, exatamente pelo fato de ser o DF a sede do Governo Federal.
É mister consignar que até Batalhão especializado da Polícia Militar, com policiais poliglotas (Batalhão Rio Branco), teve que ser criado pelo Distrito Federal para atender, no Lago Sul, onde situada a maioria das residências oficiais das representações diplomáticas estrangeiras em Brasília, as necessidades especiais de segurança pública, o que retrata o oneroso encargo do DF, motivado pelo fato de ser sede do Governo da União, e, conseqüentemente, local em que estabelecidas embaixadas de diversos países alienígenas.
Perceba-se o singelo exemplo do custo de seleção e treinamento de pessoal pela PMDF, com fluência em línguas estrangeiras, apenas como corolário da posição do Distrito Federal na Federação Brasileira e os ônus financeiros decorrentes.
Basta ver a complexidade das medidas exigidas para fins de controle de tráfego de veículos e da ordem pública, em face dos gravíssimos problemas de trânsito e segurança acarretados por marchas de protesto de entidades civis, de movimentos agrários, de sindicatos de servidores públicos federais e outros grupos sociais que chegam a paralisar a Esplanada dos Ministérios.
Some-se que há vários incidentes registrados de eventuais tentativas de invasão do Congresso Nacional, acúmulo de multidões em frente ao Palácio do Planalto, aos Ministérios, manifestações com milhares de pessoas, a reclamar uma grandiosa movimentação de forças policiais militares, civis e bombeiros distritais, na proporção de centenas de homens ou mesmo milhares de integrantes das forças de segurança pública do DF, para assegurar a ordem, afora a integridade física das autoridades dos três Poderes da União e a preservação do patrimônio federal, passível de agressão ou depredação por alguns desordeiros ou tumultuários dentre a multidão, apesar de a imensa maioria dos movimentos civis e organizações sociais e políticas respeitar a paz em suas manifestações, o que, não obstante, não dispensa a alocação de contingente elevado de policiamento, sobretudo preventivo, para essas ocasiões, dado o risco de o caos e a baderna de poucos às vezes deflagrarem reação impensada de grandes massas.
Só daí já se compreendem os motivos de o Distrito Federal receber o repasse de valores federais, por força de determinação constitucional, para o bem da segurança pública no território distrital e na sede do governo federal, onde instalados prédios e bens da União, além de local em que atuantes as autoridades do Governo federal.
Certamente que, apenas com recursos próprios, o DF não teria condições de manter numeroso contigente deslocado para cuidar da segurança não só de autoridades e servidores como das instalações de repartições da Administração Pública dos três Poderes da União, das embaixadas, dos organismos internacionais, das proximidades das residências de autoridades federais, o que justifica, pois, a compensação prevista na Carta Magna.
Além disso, os Estados e Municípios têm representações locais no DF para tratar de interesses peculiares daqueles entes federados junto aos Tribunais Superiores, ao Congresso Nacional, aos Ministérios e ao Palácio do Planalto, às autarquias, fundações públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas federais, o que, a seu turno, afora os cuidados com os bens e repartições da União, cumula o Distrito Federal com uma série de despesas com a preservação da ordem e segurança pública de tantas autoridades, prédios e patrimônio de outros integrantes da Federação Brasileira. Daí o repasse indispensável de recursos para contraprestação de tantos encargos impostos aos cofres distritais.
Isso não significa, todavia, que o Distrito Federal tenha sido despojado de sua autonomia administrativa constitucional sobre a gestão dos recursos humanos componentes de sua própria Administração Pública, tendo que se postar, genuflexo, à invariável e obrigatória autorização prévia da União para dispor sobre lotação de pessoal, de decisão acerca da necessidade de fornecimento de policiais militares e civis para também proteger prédios do Poder Legislativo do Distrito Federal, de órgãos diversos do Poder Executivo do DF.
Não foi debalde que a Carta Magna de 1988 enunciou de forma direta:
§ 6º - As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.
Ora, subordinação concerne à idéia de hierarquia, de sujeição à estrutura administrativa da Administração Pública, escalonada em níveis de autoridade, por cujo efeito os superiores exercem poder de mando, direção, ordenação, controle e punição sobre os subordinados. Dizer que um órgão se sujeita ao Chefe do Poder Executivo do Distrito Federal significa o mesmo que confirmar sua inserção na organização administrativa da pessoa federativa, sob as diretrizes determinadas pelo Governador do Distrito Federal, no caso.
3. O problema do ressarcimento de valores à União
Postos esses esclarecimentos, torna-se mister salientar que não merece guarida a recomendação do órgão fiscalizador federal para adoção de providências pela Polícia Civil, visando à devolução de valores decorrentes do pagamento de remuneração dos membros da Instituição policial que foram cedidos a outros órgãos pelo DF, ao fundamento de possível desrespeito ao complexo normativo federal.
A contrario sensu das conclusões aventadas pela Auditoria de Gestão do órgão federal, no sentido de pretensa aplicabilidade da legislação federal às cessões de servidores da PCDF para órgãos do Distrito Federal, esse não é o melhor entendimento a ser extraído da exegese constitucional.
De fato, a Lei nº 8.112/90 é aplicável, sim, subsidiariamente, aos policiais civis, por expressa disposição do art. 62 [04], da Lei federal nº 4.878/65, inclusive com suas atualizações posteriores, tendo em vista que não se exige recepção expressa por lei distrital, em face da supracitada previsão legal em torno da matéria.
Não obstante, não reside aí o problema, mas, sim, na interpretação do próprio texto atualizado da Lei federal 8.112/1990, quando reza:
Art. 93. O servidor poderá ser cedido para ter exercício em outro órgão ou entidade dos Poderes da União, dos Estados, ou do Distrito Federal e dos Municípios, nas seguintes hipóteses: (Redação dada pela Lei nº 8.270, de 17.12.91) (Regulamento) (Vide Decreto nº 4.493, de 3.12.2002) (Regulamento)
I - para exercício de cargo em comissão ou função de confiança; (Redação dada pela Lei nº 8.270, de 17.12.91)
II - em casos previstos em leis específicas.(Redação dada pela Lei nº 8.270, de 17.12.91)
§ 1º Na hipótese do inciso I, sendo a cessão para órgãos ou entidades dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, o ônus da remuneração será do órgão ou entidade cessionária, mantido o ônus para o cedente nos demais casos. (Redação dada pela Lei nº 8.270, de 17.12.91)
§ 2º Na hipótese de o servidor cedido a empresa pública ou sociedade de economia mista, nos termos das respectivas normas, optar pela remuneração do cargo efetivo ou pela remuneração do cargo efetivo acrescida de percentual da retribuição do cargo em comissão, a entidade cessionária efetuará o reembolso das despesas realizadas pelo órgão ou entidade de origem. (Redação dada pela Lei nº 11.355, de 2006)
§ 3º A cessão far-se-á mediante Portaria publicada no Diário Oficial da União. (Redação dada pela Lei nº 8.270, de 17.12.91)
§ 4º Mediante autorização expressa do Presidente da República, o servidor do Poder Executivo poderá ter exercício em outro órgão da Administração Federal direta que não tenha quadro próprio de pessoal, para fim determinado e a prazo certo. (Incluído pela Lei nº 8.270, de 17.12.91)
§ 5º Aplica-se à União, em se tratando de empregado ou servidor por ela requisitado, as disposições dos §§ 1º e 2º deste artigo. (Redação dada pela Lei nº 10.470, de 25.6.2002)
§ 6º As cessões de empregados de empresa pública ou de sociedade de economia mista, que receba recursos de Tesouro Nacional para o custeio total ou parcial da sua folha de pagamento de pessoal, independem das disposições contidas nos incisos I e II e §§ 1º e 2º deste artigo, ficando o exercício do empregado cedido condicionado a autorização específica do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, exceto nos casos de ocupação de cargo em comissão ou função gratificada. (Incluído pela Lei nº 10.470, de 25.6.2002)
§ 7° O Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, com a finalidade de promover a composição da força de trabalho dos órgãos e entidades da Administração Pública Federal, poderá determinar a lotação ou o exercício de empregado ou servidor, independentemente da observância do constante no inciso I e nos §§ 1º e 2º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 10.470, de 25.6.2002) (Vide Decreto nº 5.375, de 2005)
Ora, é manifesto, mesmo por força do princípio federativo e da autonomia de cada ente para determinar sobre o manejo de seu pessoal, que a exegese da redação atualizada do § 1º do art. 93 da Lei 8.112/1990 (quando capitula que, no caso de cessão de servidor público federal a outra pessoa federativa cessionária, favorecida com a transferência da força de trabalho do funcionário da União) é de que o preceptivo legal procurou eximir os cofres federais dos ônus financeiros da remuneração do funcionário cedido a outra pessoa política.
É perfeitamente legítimo que a União decida sobre a cessão, ou não, dos seus servidores (na medida em que subordinados ao poder hierárquico da Administração Pública federal), o que não lhe defere, contudo, em absoluto, poder de dispor sobre as decisões administrativas atinentes à lotação de pessoal integrante da estrutura funcional de outras entidades federadas.
É lógico que, quando o § 1º do art. 93 da Lei 8.112/1990 prevê o ressarcimento aos cofres federais, o preceptivo legal se refere, exclusivamente, à cessão de servidores públicos da União.
Vale dizer, quando a União cede um servidor federal para prestar serviços em órgão dos Estados, Municípios, ou do Distrito Federal, poder-se-ia, sim, discutir em torno da incidência da regra da norma em comento, condicionando-se a transferência, sob pena de indeferimento, à assunção da despesa de remuneração pelo outro ente federado, favorecido com a força de trabalho do funcionário da União que lhe foi temporariamente transferida.
Percebe-se, nessa hipótese de correta aplicação do § 1º do art. 93 da Lei 8.112/1990, que o poder decisório em torno da cessão fica a cargo da União, a qual pode simplesmente negar (no mais legítimo exercício de sua autonomia administrativa constitucional de julgar como melhor lhe aprouver o emprego do pessoal integrante da Administração Pública federal) a cessão de servidor dela a outra entidade federada, se não houver o custeio da remuneração por parte da pessoa cessionária.
É prerrogativa exclusiva da União, portanto, dispor sobre a cessão, ou não, de servidor seu, aplicando a regra legal em apreço acerca do trespasse dos encargos remuneratórios ao ente cessionário favorecido com a mão-de-obra de funcionário federal transferido.
Em vista dessas premissas, salta aos olhos que, no caso de servidor da Polícia Civil do Distrito Federal, descabe mesmo ao Presidente da República ditar ao Governador do DF sobre a lotação mais conveniente, na estrutura administrativa local, de servidor público distrital, nem ainda se convém, ou não, que a Câmara Legislativa receba reforços de policiamento, mesmo por policiais civis, cedidos para exercer cargos comissionados.
Ora, o Distrito Federal pode julgar como lhe convier sobre a lotação de seu pessoal, evidentemente respeitado seu dever de fornecer segurança pública em seu território aos entes federais, conforme as diretrizes administrativas deliberadas pelo Governador do DF, como suprema autoridade hierárquica sobre as Polícias Civil e Militar e Corpo de Bombeiros Militar distritais, pelo Secretário de Segurança Pública, pelos Comandantes-Gerais da PMDF e da CBMDF.
A União pode impedir, caso discorde, que o Presidente da Câmara Legislativa do Distrito Federal nomeie, em cargo em comissão da estrutura técnica da Casa, não privativo de integrante da carreira, policial civil? O Excelentíssimo Senhor Presidente da República, com o devido respeito, pode obstar o Governador do DF de nomear, como seu assessor de segurança institucional de seu Gabinete, um policial civil?
É mais que patente que o provimento de cargos públicos comissionados se encerra na autonomia administrativa constitucional das entidades federadas e das autoridades da Administração Pública municipal, estadual, distrital ou federal, inteiramente alheia a qualquer ingerência de outras pessoas políticas.
Se a União não pode impedir a nomeação em cargo comissionado distrital, ou a lotação de servidor público do Distrito Federal no órgão do Poder Executivo ou Legislativo do DF que for julgado pertinente, à luz da discricionariedade administrativa exclusiva do Excelentíssimo Senhor Governador a esse respeito, é de clareza solar que, na verdade, não se trata de servidor público federal, mas de agente administrativo do Distrito Federal, sobre cujo emprego e lotação falece poder ao ente federal.
Cabe à União estabelecer o quantitativo máximo de policiais militares nas Regiões Administrativas do DF, determinando regras de policiamento ostensivo em território distrital, mandando suprimir ou criar, por exemplo, batalhões ou companhias independentes da PMDF? Compete ao Poder Público federal determinar onde devem ser construídas, ou não, delegacias no Distrito Federal? Cabe ao Presidente da República decidir sobre a lotação de policiais concursados e recém-empossados na Polícia Civil do DF? É do Palácio do Planalto a atribuição de dizer quantos policiais civis ou militares devem ser incumbidos de operações e forças-tarefas distritais esporádicas, como de combate à exploração da prostituição em certas zonas urbanas do DF? É dado ao Presidente da República aferir sobre o excesso, ou não, de policiais militares no policiamento em feiras livres ou escolas distritais e, em caso de divergência, requerer a devolução de parte dos valores repassados ao Fundo Constitucional?
Tudo quanto exposto revela que a regra do § 1º do art. 93 da Lei 8.112/1990 se circunscreve à cessão de servidores públicos da União a outros entes federados, hipóteses em que, se não houver o acordo de assunção prévia das despesas pela pessoa cessionária, a Administração Pública federal simplesmente indefere a transferência da mão-de-obra do funcionário da União.
A evidência de que a União não pode impedir a lotação de servidores da Polícia Civil do DF em cargos comissionados (visto que nem mesmo o Presidente da República ostenta poder disciplinar capaz de expedir ordens proibitivas nesse sentido aos integrantes da Corporação policial, ou de menos ainda punir os desobedientes, não bastasse a expressa previsão constitucional - art. 144, § 6º, Carta Magna de 1988) é a prova inequívoca de que se cuidam de funcionários públicos do Distrito Federal, de maneira que não caberia concluir que a União teria cedido os agentes administrativos à Câmara Legislativa, ou aos órgãos públicos distritais do Poder Executivo nos quais lotados os policiais civis do DF, o que, a seu turno, afasta a incidência do capitulado no § 1º do art. 93 da Lei 8.112/1990, o qual se aplica, sim, quando houver cessão de servidores federais para outros entes federados.
Mas a lotação de pessoal do próprio Distrito Federal nos órgãos dos seus Poderes Executivo e Legislativo, concessa venia, não desafia a incidência do aludido preceito legal, porquanto não se cuida, por óbvio, de hipótese de cessão de servidores federais a outros entes da Federação, mas de exercício da autonomia administrativa constitucional distrital, sobre a qual não poderia haver intromissão do Poder Central federado brasileiro.
Não é porque o Estatuto da Polícia Civil previu, em caráter subsidiário, a incidência das regras do Estatuto dos Servidores Públicos da União, que todos os dispositivos terão incidência, se contra a exegese, no caso concreto, milita a interpretação lógica do direito brasileiro, o qual não poderia ter conferido autonomia administrativa ao DF, mas, por outro lado, paradoxalmente, sujeitar a lotação de servidores distritais pelo Governador ou autoridades da Administração Pública do Distrito Federal à prévia autorização ou anuência do Presidente da Republica ou de Ministros de Estado, tese que desaguaria na mais completa desconformidade com o próprio texto constitucional quando, expressamente, firma que as Polícias Civil e Militar do DF estão subordinadas ao Chefe do Poder Executivo da pessoa política distrital (art. 144, § 6º, Constituição Federal de 1988).
Nesse diapasão, não se pode abonar, logo, o entendimento firmado pela Controladoria-Geral ao oficiar à Polícia Civil para restituição dos valores repassados ao órgão policial distrital, por meio do Fundo Constitucional, ao fundamento de que o ônus pela cessão de policiais civis é do órgão cessionário, e não da União, com arrimo no § 1º do art. 93 [05] da Lei nº 8.112/90, porquanto o preceito normativo somente incide nos casos de cessão de servidores federais, o que não é o caso, já que se trata de servidores do Distrito Federal, os quais não foram cedidos pela União ao DF.
O fato de haver previsão de repasse de valores da União para compensar o DF por despesas efetuadas com a segurança pública em Brasília, sede da Administração dos três Poderes da União, não subtrai ao Distrito Federal o poder de alocar seu quadro de policiais de acordo com as necessidades administrativas próprias da entidade política distrital, a qual tem autonomia para decidir sobre a lotação de pessoal e mesmo o provimento de cargos comissionados no âmbito de seus quadros funcionais, seara em cujo contorno descabe ingerência federal, sob pena de ofensa ao princípio federativo.