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A eficácia negativa do princípio da proteção à confiança e sua aplicação como um fator limitativo ao exercício da autotutela administrativa.

Uma análise do art. 54 da Lei nº 9784/99

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6 CONCLUSÃO

Identificam-se, inicialmente, quatro princípios, cujas matrizes constitucionais os aproximam quanto aos conteúdos e finalidades: (a) o princípio do Estado de Direito, como princípio maior (ou sobreprincípio), representando, em linhas gerais, a vinculação do Estado, não apenas à legalidade em sentido estrito, mas também ao Direito como um todo; (b) o princípio da legalidade administrativa, condicionando toda a atividade estatal aos imperativos do ordenamento jurídico; (c) o princípio da segurança jurídica que, por sua vez, associa-se à necessidade de previsibilidade e estabilidade das relações jurídicas; e (d) o princípio da proteção à confiança, que representa uma das significações (feição subjetiva) do princípio da segurança jurídica.

Há, essencialmente, dois pontos de dificuldade para delimitação do conteúdo jurídico e âmbito de aplicabilidade do princípio da proteção à confiança: (i) a dificuldade semântica que permeia a noção genérica de confiança, além de não haver no ordenamento jurídico brasileiro uma definição legal de confiança; (ii) a própria idéia de segurança jurídica (donde a doutrina extrai a definição do princípio da proteção à confiança) também se apresenta de forma difusa no sistema, não podendo ser identificada em uma única norma jurídica, mas sim a partir de diversas regras e princípios espalhados pelo ordenamento jurídico.

Em vista destas considerações, verifica-se que a construção de sentido do princípio da proteção à confiança, conquanto ainda incipiente no Brasil, vem sendo aos poucos construída pela jurisprudência, doutrina e também pelo legislador positivo, representando claro exemplo disso as recentes decisões exaradas pelo Supremo Tribunal Federal e a regra inserida pelo artigo 54 da Lei nº 9.784/99.

Dentro de tal contexto, não é de qualquer confiança que se está a tratar. Há de haver uma confiança merecedora de tutela jurídica, respaldada no ordenamento jurídico, sobretudo no princípio constitucional da segurança jurídica. Com efeito, busca-se identificar aquela confiança que possa levar a uma estabilização de situações jurídicas criadas administrativamente, ainda que originadas sob o manto da ilegalidade (não invalidando ou preservando os efeitos de atos administrativos).

A construção de sentido do princípio da proteção à confiança passa, necessariamente, por duas considerações: (i) a confiança do cidadão nos atos emanados da Administração Pública, de um modo geral, não pode ensejar uma mitigação absoluta do princípio da legalidade administrativa (e, por conseguinte, da autotutela administrativa); há de estar configurada a excepcionalidade da situação, na medida em que a regra continua sendo a invalidação dos atos ilegais; (ii) a confiança tem que ser qualificada como legítima; na lição de Luís Roberto Barroso, é necessária a configuração de uma expectativa legítima (mais que uma "mera expectativa" e menos que o direito adquirido).

A pesquisa acerca do princípio da proteção à confiança comporta duas linhas de abordagem que não necessariamente se excluem. A primeira delas, diz respeito à sua eficácia positiva, impondo ao Estado um dever de ação; a segunda, relaciona-se à sua eficácia negativa, impondo ao Estado um dever de abstenção, sendo esta última a abordagem aqui explorada, uma vez que o objeto de estudo se limita à aplicação do referido princípio como limitação à autotutela administrativa.

Conquanto a pesquisa esteja limitada a investigar o princípio da proteção à confiança no âmbito dos atos emanado pelo Poder Público no exercício da função administrativa, é de se constatar que todos os três Poderes (em quaisquer de suas funções típicas ou atípicas) são destinatários do princípio da segurança jurídica e do princípio da proteção à confiança.

Sem desprestigiar o princípio da legalidade administrativa (que é a base constitucional do princípio da autotutela administrativa) importa reconhecer que, em determinadas hipóteses, precisa ser relativizado; em outras palavras, mesmo representando princípio essencial para o regime jurídico-administrativo, tal reconhecimento não pode conduzir à conclusão de que deve ser aplicado irrestritamente, de forma absoluta. Com efeito, a restauração da ordem jurídica não é alcançada apenas a partir da invalidação dos atos viciados.

Da mesma forma que não incumbe à Administração Pública agir à revelia da lei, a ela também não é permitido ignorar os comandos veiculados pelos princípios, notadamente pelos princípios constitucionais, como é o caso do princípio da proteção à confiança. Desta forma, tal princípio representa um limite a ser enfrentado pela Administração Pública no que diz com o poder de invalidar seus atos administrativos.

Num caso concreto, onde esteja identificada colisão entre o princípio constitucional da legalidade administrativa (autotutela administrativa) e o princípio constitucional da proteção à confiança, deve-se lançar mão da técnica da ponderação jurídica, não podendo, para tanto, presumir a existência de uma ordem hierárquica entre os bens e valores resguardados por princípios constitucionais.

Há de se reconhecer que o princípio da autotutela administrativa não tem aplicação irrestrita, merecendo, pois, em algumas hipóteses, ser relativizado, tendo como parâmetro limitador o princípio constitucional da proteção à confiança; em outros termos, há de haver um temperamento a ser efetivado nos casos concretos, analisando-os também sob a ótica da segurança jurídica e, por assim dizer, também da proteção à confiança legítima. É dizer que, nestes casos, a autotutela administrativa estaria limitada pelo princípio da proteção à confiança.

Por vezes, a ponderação é realizada judicialmente, na análise dos casos concretos; em outras hipóteses, o regramento advém do próprio legislador, através de regras positivadas que representam uma verdadeira ponderação em abstrato, fornecendo requisitos que balizam a incidência do princípio da proteção à confiança, em detrimento da prerrogativa anulatória da Administração Pública (limitação à autotutela administrativa). É o caso do artigo 54 da Lei nº 9.74/84.

Pelos três precedentes jurisprudenciais analisados, é possível se perceber que o Supremo Tribunal Federal já vem reconhecendo normatividade ao princípio da proteção à confiança, ora identificando-o como segurança jurídica, ora como boa-fé, ora como as duas coisas, e também aludindo expressamente à proteção à confiança. Reconheceu também a necessidade de se viabilizar o contraditório antes da Administração Pública exercer a autotutela administrativa para extinguir um ato administrativo eivado de vício. A observância do contraditório e da ampla defesa representa, nestas hipóteses, uma faceta eminentemente procedimental do princípio da proteção à confiança.

Perquirindo o ordenamento jurídico, é possível se identificar alguns dispositivos infraconstitucionais que, de uma forma ou de outra, destinam-se a prestigiar a confiança do particular nos atos estatais. Dentre estes, o de maior relevância é o artigo 54 da Lei nº 9.784/99.

É possível se perceber, a partir do referido dispositivo legal, que à Administração Pública não se faculta mais ignorar os efeitos do tempo quando se queira rever e anular seus os atos administrativos; em outros termos, não há um dever atemporal de se invalidar atos administrativos.

Com efeito, o legislador infraconstitucional efetivou uma ponderação em abstrato entre o princípio da proteção à confiança e o princípio da legalidade administrativa, elegendo três requisitos a partir dos quais, se cumulativamente considerados, restaria fulminada a prerrogativa da Administração Pública no que concerne ao seu direito potestativo à invalidação de seus próprios atos administrativos, quando eivados de ilegalidade.

Tais requisitos são os seguintes: (i) o decurso do lapso temporal de cinco anos (prazo decadencial); (ii) a configuração da boa-fé do destinatário do ato administrativo reputado viciado (boa-fé reforçada a partir da "base de confiança" induzida pela presunção de legitimidade dos atos administrativos); e (iii) o ato administrativo que se pretende invalidar tem que ter produzido efeitos benéficos aos seus destinatários (atos ampliativos de direitos).

Dentro de tal contexto, decerto que é perfeitamente possível se preservar efeitos de atos administrativos reconhecidamente inválidos, sem que isso possa representar afronta ao princípio constitucional da legalidade; basta, para tanto, que a decisão se paute em critérios racionais, objetivos, nos moldes em que restou positivado pela regra do artigo 54 da Lei nº 9.784/99.

Considerando a magnitude constitucional do que se está a ponderar (princípio da legalidade e princípio da proteção à confiança), afigura-se completamente inviável, sob a ótica constitucional, se invocar atualmente a teoria do ‘fato consumado’ para se justificar a manutenção de situações criadas sob o manto da ilegalidade. Tal argumentação há muito freqüente em nossa jurisprudência, parece agora, efetivamente, ter restado abandonada.

Primeiro, porque já se é possível reconhecer e delimitar o conteúdo jurídico do princípio da proteção à confiança, elevando-o à categoria de princípio constitucional; segundo, porque a noção de ‘fato consumado’ parte de uma argumentação difusa, inconsistente, sem critérios precisos, violando, por certo, qualquer noção que se possa ter segurança jurídica; e terceiro, porque um ato ilegal não passa a ser legal única e exclusivamente pelo decurso do tempo; são necessários outros requisitos. Uma má-fé do destinatário, por exemplo, inibe qualquer efeito que se possa atribuir a um decurso de tempo.

Nestes termos, andou bem o legislador ao proceder a referida sistematização por meio do artigo 54 da Lei nº 9.784/99, na medida em que a tutela jurídica de valores constitucionais requer parâmetros precisos.


7 REFERÊNCIAS

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NOTAS

01 Pet 2.900 MC, Rel. Min Gilmar Mendes; MS 24.268, Rel. p/Acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 05.02.2004; e MS 22.357, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 27.05.2004. São estes os três precedentes do STF, apontados por Almiro do Couto e Silva, que tratam especificamente do tema, onde o princípio da proteção à confiança se prestou para a preservação de atos estatais. Tais acórdãos são considerados, por isso, paradigmáticos.

02 Quanto ao princípio da proteção à confiança e sua tutela jurídica, em específico, o necessário aprofundamento se dará nos próximos capítulos.

03 O próximo capítulo cuidará, dentre outros assuntos, da análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, onde foi possível se identificar a aplicação do princípio da proteção à confiança.

04 Conquanto não se desconheça que todo o Poder Público, consideradas todas as esferas de atuação (Legislativo, Executivo e Judiciário), seja destinatário do princípio da proteção à confiança, interessa-nos, dentro da delimitação temática ora proposta, a compreensão do referido princípio tendo por escopo a atuação Estatal no exercício de sua função administrativa.

05 A sistematização dos requisitos objetivos e subjetivos que qualificam uma expectativa como legítima para fins de aplicação da proteção à confiança será tratada em tópico específico no capítulo seguinte.

06 STF, Segunda Turma, QO Pet (MC) nº 2.900/RS MC, Rel. Min Gilmar Mendes, julgado em 27/05/2003, DJ 01/08/2003. p. 142. Na referida demanda a argumentação da requerente pautava-se, em essência, na necessidade de dar prosseguimento ao seu curso de Direito mediante transferência para a UFRGS, uma vez que, em razão de aprovação de em concurso público para assumir emprego público, seria lotada naquela cidade.

07 Esta premissa teórica parte da conceituação (já mencionada anteriormente) de segurança jurídica dada por Almiro do Couto e Silva: "A segurança jurídica é entendida como sendo um conceito ou um princípio jurídico que se ramifica em duas partes, uma de natureza objetiva e outra de natureza subjetiva. A primeira, de natureza objetiva, é aquela que envolve a questão dos limites à retroatividade dos atos do Estado até mesmo quando estes se qualifiquem como atos legislativos. Diz respeito, portanto, à proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada. [...] A outra, de natureza subjetiva, concerne à proteção à confiança das pessoas no pertinente aos atos, procedimentos e condutas do Estado, nos mais diferentes aspectos de sua atuação [...]" (SILVA, 2005, p. 03-05).

08 Exemplo disso pode ser observado nas alterações das regras para concessão de aposentadoria, introduzidas pela Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, que alterou o artigo 40 da Constituição Federal, prevendo, contudo, regra transitória em seu artigo 8º.

09 Como de resto também não há separação estanque entre as atividades Estatais (todos os três Poderes detêm funções típicas e atípicas, de modo que suas atividades se interligam formando um todo, havendo apenas prevalência de determinada função afeta a determinado Poder).

10 Neste sentido, é a lição de Leandro Paulsen: "A referência conjunta à segurança e à proteção da confiança não se dá sem razão, na medida em que esta efetivamente configura um instrumento para afirmação da segurança jurídica. Ainda que se procure dar autonomia à questão da confiança, enunciando-a juridicamente como `princípio da confiança`, certo é que constitui desdobramento do princípio da segurança jurídica [...]". (PAULSEN, 2006, p.60).

11 O artigo 27 da Lei nº 9.868/99 (e também o artigo 11 da Lei nº 9.882/99, que traz redação semelhante, só que aplicada à Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental) reconheceu expressamente a possibilidade de o STF, ao julgar uma ADIN ou uma ADPF, ponderar o princípio do dogma da nulidade da lei declarada inconstitucional com algum princípio protegido pela norma constitucional violada.

12 O princípio da autotutela administrativa encontra-se previsto expressamente na Súmula 346 do STF: "A administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos"; e também na Súmula 473 do STF: "A administração pode anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revoga-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial".

13 É de se observar que o poder-dever de autotutela administrativa, além de ser corolário do princípio da legalidade administrativa e encontrar-se sumulado no STF e STJ, foi expressamente positivado no artigo 53 da Lei nº 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal: "Art.53. A Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vícios de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência e oportunidade, respeitados os direitos adquiridos".

14 Conquanto se esteja abordando a técnica da ponderação como uma "técnica judicial", há de se registrar que nem mesmo o legislador infraconstitucional poderá supervalorizar um princípio constitucional em detrimento de outro, aniquilando-lo. Há de haver alguma ponderação, ainda que abstrato, em nível legislativo, de modo a conciliar a possibilidade de aplicação dos princípios constitucionais. Esta parece ter sido a diretriz seguida pelo legislador quando da edição da Lei nº 9.784/99, mais precisamente em seu artigo 54, haja vista que, ao prever requisitos (objetivo e subjetivo) limitativos a autotutela administrativa, conciliou, em abstrato, a possibilidade de se dar efetividade ao princípio da proteção à confiança, sem, contudo, esvaziar o princípio da autotutela administrativa, ambos de índole constitucional.

15 Conquanto implícito, nem por isso, o princípio da proteção à confiança deve ter diminuída a sua normatividade. Neste sentido, leciona Carlos Ari Sundfeld: "Os princípios implícitos são tão importantes quanto os explícitos; constituem como estes, verdadeiras normas jurídicas. Por isso, desconhece-los é tão grave quanto desconsiderar quaisquer outros princípios." (SUNDFELD, 1992, p. 144).

16 Consoante o magistério de Almiro do Couto e Silva: "O princípio da proteção à confiança começou a firmar-se a partir de decisão do Superior Tribunal Administrativo de Berlim, de 14 de novembro de 1956, logo seguida por acórdão do Tribunal Administrativo Federal (BverwGE), de 15 de outubro de 1957, gerando uma corrente contínua de manifestações jurisprudenciais no mesmo sentido." (SILVA, 2005, p. 7).

17 STF, Segunda Turma, QO Pet (MC) nº 2.900/RS MC, Rel. Min Gilmar Mendes, julgado em 27/05/2003, DJ 01/08/2003. p. 142; MS 24.268, Rel. p/Acórdão Min. Gilmar Mendes, j. 05.02.2004; e MS 22.357, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 27.05.2004.

18 Após, Rafael Maffini também aprofundou o estudo dos referidos acórdãos, consoante pode ser visto em sua obra (MAFINNI, 2006, p.98-106).

19 Este julgado já foi examinado também no capítulo 3 (subitem 3.1), quando foi feita a análise da eficácia positiva do princípio da proteção à confiança.

20 Decerto que não é o caso do julgado examinado, uma vez que a segurança que favoreceu à impetrante foi concedida por sentença (21 de dezembro de 2000).

21 Em sua argumentação, o Min. Gilmar Mendes deixou de aplicar o artigo 54 da Lei nº 9.7484/99, afirmando: "Não estou seguro de que se possa invocar o dispositivo no art. 54 da Lei nº 9.784, de 1999 [...] embora tenha sido um dos incentivadores do projeto que resultou na aludida lei, uma vez que, talvez de forma ortodoxa, esse prazo não deva ser computado com efeitos retroativos".

22 Explica-se a ressalva: o processo de aposentadoria revela ato complexo, de modo que apenas se justifica viabilizar o contraditório em caso de cassação de aposentadoria após a homologação; antes da homologação não se apresenta o problema do contraditório, já que não há litigantes em processo complexo de outorga e homologação da aposentadoria. Este é o exato sentido que se extrai de outro precedente que serviu de base para edição da súmula vinculante nº 03 (MS nº 24.754, rel. Min. Marco Aurélio, DJ 18.02.2005).

23 Quanto a este imenso lapso temporal, afirmou o Min. Gilmar Mendes: "Impressiona-me, ademais, o fato de a concessão da pensão ter ocorrido passados 18 anos de sua concessão – e agora já são 20 anos. [...] Mas, afigura-se-me inegável que há um "quid" relacionado com a segurança jurídica que recomenda, no mínimo, maior cautela em casos como o dos autos. Se estivéssemos a falar de direito real, certamente já seria invocável a usucapião."

24 E, justamente uma das maneiras de se limitar a autotutela administrativa e se preservar alguns efeitos de atos administrativos inválidos, é o reconhecimento e desenvolvimento do princípio da proteção à confiança.

25 "Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado".

26 Esta é a Lição de Luís Roberto Barroso, para quem: "[...] a questão da constitucionalidade das leis situa-se no plano da validade dos atos jurídicos: lei inconstitucional é nula [...] a decisão que reconhece a inconstitucionalidade [...] é declaratória [...] os efeitos da decisão [...] são ex tunc." (BARROSO, O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, 2004, p.160).

27 "Art. 178: A isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o disposto no inciso III do art.104."

28 A este respeito merece destaque a Súmula 544 do STF: "Isenções tributárias concedidas sob condição onerosa não podem ser livremente suprimidas".

29 É de se perceber que a referida atemporalidade, que por óbvio restou revogada, era, inclusive, positivada em nosso ordenamento jurídico, consoante se verifica pelo artigo 114 da lei nº 8.112/90 (Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais): "A administração deverá rever seus atos, a qualquer tempo, quando eivados de ilegalidade".

30 Cuida-se de prazo decadencial na medida em que se refere à extinção do prazo para exercício de um direito potestativo, concernente a uma prerrogativa estatal. Quanto este aspecto, para um maior aprofundamento, destacam-se os ensinamentos de Almiro do Couto e Silva (2005, p.22-25).

31 Apenas como registro, considerando que quase tudo em direito potencializa uma discussão jurídica, no mínimo doutrinária, vale mencionar que, conquanto o artigo 54 não mencione expressamente o termo "boa-fé", a sua exigência é inferida diretamente da literalidade do dispositivo legal em comento ("[...]salvo comprovada má-fé"), não sendo este ponto objeto de controvérsia pela doutrina.

32 Decerto que não exsurge a má-fé do candidato se o ato da posse for posteriormente invalidado em razão de alguma questão atribuível apenas à Administração Pública, como, por exemplo, um erro (sem posterior questionamento ou retificação) na publicação de algum ato concernente ao concurso, ou algum erro formal praticado "interna corporis" por algum servidor menos atento. Evidente que tais hipóteses encontram-se fora da esfera de conhecimento do candidato. Reitere-se que, para configuração da boa-fé, não há de se exigir "excesso" de diligência por parte do beneficiário do ato em perscrutar todos os meandros da Administração Pública para tome ciência de todas "potenciais" ilegalidades; mas apenas que, dentro do que ordinariamente acontece, seja possível, de plano, presumir que não teve conhecimento do vício.

33 Apenas a título de esclarecimento, é de se registrar que a boa-fé, para fins de possibilitar a aplicação do princípio da confiança, há de ser analisada, tanto quanto possível, de forma individual; isto é, reclama tratamento jurídico diferenciado. Um exemplo explorado por Rafael Maffini (2006, p.151) é aquele em que, em um concurso público, apenas um candidato frauda o certame (sem reflexo nas condutas dos demais candidatos); nesta hipótese o tratamento jurídico a ser dado deveria ser cindido, considerando a má-fé apenas daquele candidato "fraudador".

34 Exemplos de atos mistos: autorização para explorar determinada atividade concedida mediante pagamento de taxa, pedido parcialmente atendido pela Administração Pública, como a licença para construir que só atende parcialmente o pedido do interessado (construir só em parte de um terreno). (SILVA, 2005, p.36-37); ato negocial que possibilite o desempenho de certa atividade comercial, ao mesmo tempo em que imponha restrição de horários de funcionamento (MAFFINI, 2006, p.146).

35 Basta imaginar um pedido de licença para construir parcialmente deferido: o requerente pretende construir um edifício de 10 andares, mas só consegue autorização para construir um de, no máximo, 6 andares, ou ainda uma casa. Por certo que tal ato não lhe é exclusivamente benéfico; se assim mesmo tal administrado constrói a casa ou um pequeno prédio, seria um despautério se imaginar que, após 5 anos, mesmo de boa fá, não pudesse ter sua situação jurídica estabilizada, ficando alijado da aplicação do princípio da proteção à confiança em seu favor pelo simples fato de que o ato, lá na origem, não lhe foi 100% favorável. Evidente não ser esta a finalidade da lei.

36 Este parece ser o entendimento de Almiro do Couto e Silva, apesar de não ter se aprofundado muito quanto a este ponto em específico, apenas consignando que: "Para fins, porém, de revogação ou de anulação de ato administrativo a autoridade competente levará em conta apenas o aspecto positivo do ato administrativo, mesmo que ele não puder ser separado do aspecto negativo". (SILVA, 2005, p.36-37).

37 Não só a jurisprudência, mas também a doutrina e o legislador positivo.

38 Apenas para exemplificar, colhe-se na jurisprudência exemplo de argumentação com base no fato consumado: "Ato administrativo. Seu tardio desfazimento, já criada situação de fato e de direito que o tempo consolidou. Circunstância excepcional a aconselhar a inalterabilidade da situação decorente do deferimento da liminar, daí a participação no concurso público, com aprovação, posse e exercício". (RE 85.179, Rel. Min. Bilac Pinto, j. 04.11.1977).

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Sobre o autor
Flávio Romero de Oliveira Castro Lessa

Analista Judiciário na Justiça Federal em Vitória (ES). Graduado em Direito e em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal do Espírito Santo. Especialista em Direito Público pelas Faculdades Integradas de Vitória (FDV).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LESSA, Flávio Romero Oliveira Castro. A eficácia negativa do princípio da proteção à confiança e sua aplicação como um fator limitativo ao exercício da autotutela administrativa.: Uma análise do art. 54 da Lei nº 9784/99. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1739, 5 abr. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11135. Acesso em: 24 dez. 2024.

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