A relação entre discriminação e preconceito nas relações de emprego é um tema central nos debates sobre direitos humanos, igualdade e justiça no ambiente de trabalho. Embora os termos "preconceito" e "discriminação" sejam frequentemente utilizados de forma intercambiável, eles possuem significados distintos e atuam de maneiras diferentes nas dinâmicas trabalhistas. Assim, faz-se necessário compreender essas diferenças para identificar e combater as desigualdades no mercado de trabalho.
A partir disso, observa-se que o preconceito refere-se a uma atitude ou julgamento pré-concebido, enquanto a discriminação envolve ações ou comportamentos que negam direitos ou privilégios a um grupo específico. Ambos os fenômenos, quando presentes nas relações de emprego, comprometem a equidade e a justiça no ambiente profissional.
De acordo com o sociólogo Gordon Allport (1954), em sua obra clássica The Nature of Prejudice, o preconceito pode ser entendido como uma atitude negativa ou hostil contra um indivíduo, baseado apenas em sua afiliação a um determinado grupo social. O preconceito, nesse sentido, é uma construção mental, que não necessariamente resulta em ações concretas, porém, quando essas atitudes preconceituosas são traduzidas em comportamentos práticos, surge a discriminação, que envolve tratamento desigual, exclusão ou até mesmo o impedimento de acesso a oportunidades de emprego.
É importante notar que, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a discriminação no emprego continua a ser um problema global, afetando milhões de trabalhadores em todo o mundo. O relatório da OIT de 2016, Global Commission on the Future of Work, aponta que as disparidades de gênero, raça e etnia continuam a ser fatores que influenciam a distribuição de empregos, salários e oportunidades de ascensão profissional. Essas desigualdades frequentemente derivam de preconceitos que estão enraizados na cultura organizacional e, em última instância, são manifestados por meio de práticas discriminatórias1.
No contexto brasileiro, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que o preconceito racial, por exemplo, impacta diretamente as relações de emprego. Em 2022, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) revelou que a taxa de desemprego entre pessoas negras e pardas era significativamente maior do que entre pessoas brancas: 13,4% contra 8,5%. Além disso, mesmo quando empregadas, as pessoas negras recebem, em média, 58% do salário de um trabalhador branco em funções equivalentes. Esses dados evidenciam como o preconceito racial se transforma em discriminação econômica e ocupacional2.
A psicóloga social Patrícia Devine destaca, em seus estudos, que o preconceito é um processo cognitivo aprendido ao longo da vida, mas pode ser desconstruído através da conscientização e da educação3, todavia, a discriminação, por ser uma manifestação prática do preconceito, requer medidas mais diretas para ser combatida. Isso inclui políticas públicas que promovam igualdade de oportunidades e legislações que garantam a não discriminação no ambiente de trabalho, como a Lei nº 9.029/1995 no Brasil, que proíbe práticas discriminatórias em processos seletivos e no acesso ao emprego.
No Brasil, a discriminação no emprego também afeta grupos específicos, como mulheres e pessoas LGBTQIA+. Tal proposição pode ser afirmada a partir de dados do IBGE que indicam que as mulheres, apesar de representarem quase 45% da força de trabalho, recebem salários que são, em média, 22% menores que os dos homens4.
Uma distinção importante entre preconceito e discriminação é que o preconceito pode existir de forma latente, sem necessariamente gerar consequências diretas, enquanto a discriminação envolve uma ação intencional ou sistêmica que afeta a vida das pessoas. A discriminação pode ser direta, como a exclusão de um candidato por sua raça ou gênero, ou indireta, quando políticas aparentemente neutras resultam em desvantagens desproporcionais para certos grupos, como a exigência de qualificações desnecessárias que excluem certos segmentos da população.
Pierre Bourdieu também destaca que a discriminação está intimamente ligada ao conceito de "capital social" e "capital cultural". Indivíduos de grupos marginalizados frequentemente não possuem o mesmo acesso a redes de contatos influentes ou às formas de conhecimento que são valorizadas no mercado de trabalho, o que contribui para a perpetuação das desigualdades. O preconceito contra esses grupos, portanto, não é apenas uma questão de atitudes individuais, mas de estruturas sociais que limitam suas oportunidades de progresso5.
Além disso, as discriminações no ambiente de trabalho são amplamente reconhecidas como práticas ilegais, previstas em leis como a Lei de Cotas (Lei nº 8.213/1991), que obriga empresas com mais de 100 empregados a destinar uma porcentagem de suas vagas a pessoas com deficiência. Contudo, o preconceito muitas vezes atua de maneira velada, dificultando a sua identificação e o seu combate. A discriminação, quando identificada, pode ser punida por meio de sanções legais, mas o preconceito exige uma mudança mais profunda de mentalidade, tanto em nível individual quanto institucional.
Finalmente, é fundamental que as organizações adotem políticas ativas de diversidade e inclusão, que promovam não apenas a contratação de grupos historicamente marginalizados, mas também sua retenção e ascensão dentro da empresa. Para combater a discriminação, é necessário estabelecer métricas e práticas que garantam a equidade nas promoções, aumentos salariais e oportunidades de desenvolvimento. Ademais, a educação corporativa sobre preconceito inconsciente e a criação de ambientes de trabalho inclusivos são estratégias centrais para promover mudanças de longo prazo.
Em conclusão, o preconceito e a discriminação nas relações de emprego, embora relacionados, são fenômenos distintos que exigem abordagens diferentes para serem combatidos. Enquanto o preconceito está ligado às atitudes e crenças pessoais, a discriminação se manifesta em ações concretas que prejudicam grupos sociais específicos. Políticas públicas, legislações e iniciativas de diversidade nas empresas são fundamentais para enfrentar esses desafios e promover um ambiente de trabalho mais equitativo e inclusivo.
REFERÊNCIAS
ABDALA, Victor. Desemprego é maior entre mulheres e negros, diz IBGE. Edição 18-05-2023, Rio de Janeiro. Disponível em:
https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2023-05/desemprego-e-maior-entre-mulheres-e-negros-diz-ibge. Acesso em: 21 out. 2024
DE OLIVEIRA, Nielmar. Pesquisa do IBGE mostra que mulher ganha menos em todas as ocupações. Edição 08-03-2019, Rio de Janeiro. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2019-03/pesquisa-do-ibge-mostra-que-mulher-ganha-menos-em-todas-ocupacoes. Acesso em: 21 out. 2024
LIMA, Marcus Eugênio Oliveira; PEREIRA, Marcos Emanoel. Esteriótipos, preconceito e discriminação: perspectivas teóricas e metodológicas. EDUFBA, 2004. Disponível em: https://repositorio.ufba.br/bitstream/ri/32112/1/Estere%C3%B3tipos%2C%20preconceitos%20e%20discrimina%C3%A7%C3%A3o%20RI.pdf. Acesso em: 21 out. 2024
NOGUEIRA, Cláudio Marques Martins; NOGUEIRA, Maria Alice. A sociologia da educação de Pierre Bourdieu: limites e contribuições. Educação & sociedade, v. 23, p. 15-35, 2002.
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). OIT: As desigualdades de gênero continuam grandes no mercado de trabalho global. Edição 07-03-2024. Disponível em: https://www.ilo.org/pt-pt/resource/news/oit-desigualdades-de-genero-continuam-grandes-no-mercado-de-trabalho-global. Acesso em: 21. out. 2024
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