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E o autor, vai para o beleléu?

07/12/2025 às 16:09
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A IA generativa redefine criação e desafia a teoria clássica dos Direitos Autorais. Como garantir proteção jurídica e autoria humana nesse novo cenário?

A trajetória para estabelecer os Direitos Autorais foi bastante extensa na história humana. Desde os plágios nos primórdios até a tecnologia digital do ano de 2025, foi um caminho bastante árduo. Também se pode dizer que, nos últimos 300 anos (o Estatuto da Rainha Ana é de 1710), consolidou-se uma compreensão teórica sólida e muito bem alicerçada dos Direitos Autorais. É evidente que a Revolução Francesa teve um papel fundamental na proteção deste campo jurídico, especialmente no que diz respeito à garantia da liberdade de expressão.

No entanto, se existe um elemento que é crucial na história humana, é a possibilidade de mudança, que é constante, cotidiana, inerente ao desenvolvimento social e tecnológico. Quem poderia prever, nestes tempos de progresso ainda mais extraordinário da tecnologia, particularmente no que se refere ao tema central destas fugidias linhas, a técnica digital.

Sem dúvida, a inteligência artificial é o principal tópico de discussão em todos os fóruns, em vários dos campos do saber humano, em qualquer lugar. Sempre é uma oportunidade e, em certos momentos, pode representar um amedrontamento. Em termos sistemáticos e para uma compreensão completa, é essencial afirmar que a inteligência artificial generativa, também conhecida como inteligência artificial criativa, é a maior "novidade", sem repetir isso constantemente. Então, emprega-se aqui a expressão abrangente: inteligência artificial na continuação, embora o foco principal da análise esteja na inteligência artificial generativa.

Em relação aos Direitos Autorais, não há como fugir disso. Eles também estão sujeitos ao constante balanço que a inteligência artificial tem causado nos últimos anos, especialmente a partir do início da atual década.

Estaria o autor “morrendo”, nessa era técnico-comunicacional-digital?

Dentro deste vasto cenário desta autêntica revolução tecnodigital, a inteligência artificial ganha destaque, sendo frequentemente empregada nas mais simples tarefas humanas. Na produção de obras de arte de outros naipes criativos, isso não seria exceção. A questão da inteligência artificial generativa, em mais um estágio de sua evolução, confrontada com os Direitos Autorais, tem sido um dos principais tópicos de discussão no amplo campo dos Direitos Intelectuais.

E o autor, que provavelmente nunca ocupou o centro do sistema autoral, encontra-se confuso diante de tantas oportunidades para a criação, tratamento e disseminação de obras artísticas e intelectuais em geral. A principal finalidade dos Direitos Autorais sempre foi dialogar, permitindo criações, reflexões, interações, críticas e reconstruções.

Se é imprescindível focar nos aspectos patrimoniais fundamentais em discussão na causa - especialmente para o autor, que vive de sua atividade intelectual -, não se pode deixar os direitos extrapatrimoniais nas obras de tecnologia digital esquecidos em um canto obscuro da sala. Como se não estivessem presentes.

Inicialmente, deve-se questionar se, de fato, máquinas e softwares produzem arte no sentido estrito. Isso despertou a inquietação de diversos pensadores de valor ao longo do século XX.

Portanto, não faz sentido considerar uma possível perspectiva bipartida sobre a inteligência artificial, seja ela contra ou a favor. Isso é uma realidade, uma conjuntura que, felizmente, veio para ficar. Basta observar as diversas oportunidades criadas pela inteligência artificial nas áreas da educação e medicina, apenas para citar dois exemplos.

Agora, está claro que a avaliação e a definição de padrões mínimos de civilidade relacionados à ética na inteligência artificial é essencial. Com certeza, essa será uma das principais responsabilidades de todos os envolvidos, de alguma maneira, com o tema, nos próximos tempos.

Ademais, nunca se deve negligenciar o universo do Estado e, consequentemente, o do Direito - inicialmente, na regulamentação e nas políticas públicas. Na sequência, na complexa e simultaneamente fascinante tarefa interpretativa.

A dignidade da pessoa humana é o pilar de todos os sistemas democráticos modernos, não sendo diferente aqui. Portanto, é imprescindível lembrar que qualquer interpretação do uso e da influência da inteligência artificial precisa necessariamente ser submetida a esse filtro.

Com base na dignidade da pessoa humana como valor vértice do sistema, é plausível recordar o papel fundamental do autor na cultura como um todo e especificamente nos Direitos Autorais. O sistema autoral é construído em todo o mundo com base na compreensão de que a autoria é limitada à pessoa humana, ou, usando a terminologia da Teoria do Direito, à pessoa natural. Portanto, não seria plausível, inicialmente, considerar as possibilidades de aplicação de Direitos Autorais para criações oriundas de inteligência artificial, com base nesses princípios-chave.

Todas as alternativas sugeridas neste e em outros trabalhos possuem pontos fortes e pontos fracos, sendo provavelmente a mais plausível a de estabelecer um direito conexo para regular os direitos provenientes dessas "obras". Contudo, é importante destacar dois pontos: a um, a natureza internacional dos Direitos Autorais. Inicialmente, qualquer tentativa de regulamentação deve ocorrer no âmbito global. A segunda questão é a regulação, que só pode ocorrer a partir de princípios abrangentes que, na medida do possível, incluam a realidade tecnodigital, que se desloca a uma velocidade incrível. Assim, o Direito enfrenta o perigo que sempre existiu, mas que agora se intensifica, de chegar atrasado.

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Além disso, é reiterado o domínio nessa área por grandes conglomerados de comunicação, incluindo as famosas big techs. Recentes episódios, como o Musk/X no Brasil, contribuíram para reacender um assunto que tem sido assunto de debate jurídico ao menos nos últimos 30 anos: a soberania dos Estados Nacionais.

Para aqueles que já vaguearam em busca da perdida reforma da Lei de Direitos Autorais, vale a pena também procurar pelos frutos perdidos do sistema autoral, provenientes da frondosa árvore dos direitos extrapatrimoniais de autor.

Em considerações finais, é pertinente reiterar, que "pode-se questionar o fim do Direito Autoral, não como um ponto final, mas como um objetivo". Se o desejo é fundamental, tanto psicológica quanto socialmente, é preciso torcer para que a maçã da tecnologia, que se apresenta de maneira caprichosa como uma metáfora dele, não esteja contaminada. Pelo menos, não contamine o sólido edifício dos Direitos Autorais, erguido com tanto esforço nos últimos trezentos anos.

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Sobre o autor
Luiz Gonzaga Silva Adolfo

Advogado em direitos autorais há 35 anos, Doutor em Direito, Professor dos Cursos de Direito da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), Assessor Superior na Procuradoria-Geral do Município de Sapucaia do Sul/RS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. E o autor, vai para o beleléu?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8194, 7 dez. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/111478. Acesso em: 8 dez. 2025.

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