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Juizados especiais criminais: breve avaliação

01/05/2000 às 00:00
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O tema permitiria, não fosse a cogência da primeira parte do título, tratar de situações genéricas e aplicáveis à qualquer juízo penal, e enfrentar temas contraditoriamente fascinantes quanto tormentosos, como a aplicação do princípio da intervenção mínima do direito penal, princípio da irrelevância ou insignificância penal, etc. Tal dispensa-me de dissertar sobre o funcionamento dos juizados Especiais, vez que entendo que seja impertinente a dinâmica processual em si e, via de conseqüência, aos objetivos do texto, mas tratar de conceitos mais estritos que, associadas às novas idéias criminais, possam suscitar indagações significativas sobre a evolução do processo penal brasileiro.

Todos sabemos que a Lei nº 9.099/95 impôs um novo padrão processual, voltado para o exame da criminalidade derivada das infrações penais conceituadas como de menor potencial ofensivo, obediente, o legislador ordinário, ao preceito constitucional contemplado no art. 98, I, da Carta de 1988, e atento às questões judiciais penais, que estavam a exigir maior presteza da resposta do Poder Judiciário em delitos desta natureza, sem prejuízo da segurança da prestação jurisdicional.

A existência dos JEC’s pressupõe a moderna conceituação de institutos da ação e do processo penais, necessária para compatibilizar-se à necessária proporcionalidade com a atividade policial, ministerial e judicial, com o bem jurídico violado e definido no direito material.

Sabidamente, o direito penal e seu processamento codificado, tendo como fenômeno criminogênico o conflito nas relações intersubjetivas, jamais trouxe aquilo que se ouve falaciosamente apregoado – inclusive por ilustres doutrinadores – a pacificação ou harmonização, enquanto que, ao contrário, e em não raras vezes, era e é fator de incremento dos ressentimentos e estimulantes de novas violações.

A desavença, o malquerer, o prejuízo, etc, persistem, ainda que sobrevenha a punição, que, por não contribuir, ademais, para a recuperação do agente, haja vista a situação dos cárceres ou a ineficácia das sanções, sempre foi de caráter meramente retritbutiva e, por isto mesmo, frustrando o ideal penalógico e os interesses das vitimas e da sociedade como um todo.

Daí a necessidade de avaliar a instituição dos Juizados Especiais, criados pela Lei 9099/95, como uma alternativa ao caótico quadro punitivo brasileiro.


Estamos há cinco anos da sua criação, e a lei que os instituiu, aparentemente, outorgou ao juiz a tarefa de recuperar a imagem que o antigo sistema processual – ainda parcialmente mantido – permitia ocorrer em relação ao Poder Judiciário, afastando o magistrado da sociedade e de seus interesses, para dar origem ao juiz moderno, conciliador, que admite e aceita o termo circunstanciado lavrado pela autoridade policial como peça idônea para inaugurar o procedimento, além de reconhecer a oral capacidade postulatória do Ministério Público e - o que é mais importante - sua integração com as partes, despojando-se do arbítrio que a jurisdição tantas vezes impunha, ao mesmo tempo em que permite que elas dirimam a causa e assumam as conseqüências de sua opção. Não tenho dúvida que a novel instituição permitirá, via reflexa, uma melhor compreensão do Poder Judiciário.

A boa acolhida que teve a lei no momento em que a fúria legislativa outorgava diplomas imprestáveis e inexeqüíveis, se não inconstitucionais (veja-se a lei da interceptação telefônica), orientada para criar juízes intervencionistas, inquisitoriais, mais afeito a modelos alienígenas adotados pelo legislador nacional, e que, por tal, provocou perplexidade na sociedade jurídica, expectante de uma reação maciça dos julgadores,pela e na proporção correspondente à aparente perda de poder, que afinal, não ocorreu.

É possível, ao contrário, perceber que o julgador, por força da jurisprudência que gerou, reorientou algumas interpretações restritivas da aplicabilidade da norma especial, para conferir-lhe maior abrangência, vencendo, inclusive, reações dos hermeneutas mais rígidos ou formalmente mais conservadores. É exemplo de tal a ementa que segue:

          "COMPETÊNCIA. JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. DIFAMAÇÃO. O art. 61 da Lei nº 9.099/95, que criou os Juizados Especiais Criminais, estabeleceu a competência para julgamento das infrações penais de menor potencial ofensivo, considerando estas como as contravenções penais e os crimes que a lei não comine pena máxima superior a um ano. A referida norma legal traz uma exceção: os casos em que a lei prevê procedimento especial. Esta exceção se refere apenas ao crime, pois todas as contravenções serão julgadas pelos Juizados Especiais Criminais. O art. 519 do CPP prevê regras especiais para o processo e julgamento dos crimes de calúnia e injúria, omitindo-se o crime de difamação. Contudo, uma exegese analógica inclui o crime de difamação, por ser, também, crime contra a honra, como sujeito a rito processual específico. Logo, os crimes contra a honra não são da competência dos Juizados Especiais Criminais". (HC 22.508-MG, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, julgado em 24/3/1999).

De qualquer maneira, foi o juiz especial que produziu o resultado positivo da orientação em favor do consensualismo nas questões judiciais, e construiu um modelo atual que vai ao encontro dos princípios da nova criminologia, realizando, assim, a filosofia da Lei 9099/95. Buscou orientar-se pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, tentando consumar, sempre que possível, a conciliação, composição ou a transação, num primeiro momento e, num segundo, a suspensão condicional do processo, priorizando interesses como a reparação dos danos sofridos pela vítima e a aplicação de pena não-privativa de liberdade.

Localizo, aqui, o mérito do moderno e a diferença básica entre os dois momentos e os dois sistemas penais, o tradicional, mantido pelo Código, necessária e obrigatoriamente, e o da Lei 9099/95. Esta é, certamente, contributiva da pacificação social, resolvendo e solvendo a relação conflituosa entre as partes.

Importa registrar que a política criminal inspiradora da nova ideologia processual, destaca a oralidade como objetivo básico, sendo, no entanto, de advertir que, na verdade, o espírito da lei é o da imediação dos atos extrajudiciais, entre eles a singeleza na elaboração do termo circunstanciado que, todavia, deverá vir orientado técnico-juridicamente por agente capacitado; da representação que expressará a vontade do lesado como alternativa ou opção por ele eleita; do oferecimento da denúncia que não dispensa a tradução escrita de todos eles, vez que importante para o registro histórico dos atos, compositor do devido processo legal. A gravação das audiências prevista no texto legal não desmente a assertiva, vez que, sempre que necessária, será a fita magnética degravada e transcrita para os autos. O que não existe é a oralidade pura, esvaecente. A documentação do processo continua sendo obrigatória, mas confunde-se ela em pontos importantes com a própria celeridade, pois esta é dependente daquela. E reflete a virtude que sempre foi exigida da Justiça.

Sempre foi o ideal, para o juízo criminal, conseguir abreviar o lapso temporal entre o fato e a prestação jurisdicional sancionatória, que afasta a desconfortável sensação de impunidade, e que, por isto mesmo, traz conforto psicológico para as vítimas e, ainda que mais longe, para a própria sociedade.

Para combater a morosidade da atividade judiciária, conseqüente ao emaranhado e complexo sistema formal, o legislador gerou soluções inéditas, como a ampliação dos horários de funcionamento da justiça especial, a concentração de todos os atos em uma única audiência, e outras mais, evitando atos procrastinatórios e inúteis que sempre emperraram a prestação jurisdicional.

É evidente que, de tudo que hoje é praticado nos Juizados Especiais Criminais, há geração de significativa solução ante-processual da abalada relação social, distintiva das demais formulas processuais, que não conseguem resolver problemas da criminalidade, derivada com nitidez da miséria socioeconômica, que, sabidamente, é importante fator criminogênico, impondo-se a utilização racional dos instrumentos disponíveis.

A conciliação, como elemento fundamental para o sucesso do objetivo legal - a realidade processual tem demonstrado - torna os litigantes (quase litigante na maioria das vezes) responsáveis para seu alcance, que se sentem mais satisfeitos quando, ou auferem ressarcimento de seus prejuízos, desinteressando-se pela contenda ou, ainda, quando podem sentir-se magnânimo ao conceder, transigir ou acordar, sem a imposição do julgador através da sentença, que lhes dá especial sentimento de justiça.

O espírito conciliatório está sendo desenvolvido entre os juízes e seus auxiliares, animando advogados e o próprio Ministério Público. Raramente se observa a reação negativa dos magistrados mais tradicionais, alguns deles preocupados que, com o esforço conciliatório, poderia ter comprometida sua imparcialidade. Não há dúvida, pois, que a conciliação acolhida como instituto despenalizador no art. 76 da Lei n. 9.099, passa a ser uma das mais significativas conquistas da nova política criminal brasileira.

Entre as concessões recíprocas como meio de extinção de obrigações promanadas do agir aparentemente delituoso, como mais um instituto inspirado no Direito Civil, acha-se a concepção técnica da transação, adaptado para o Direito Penal, onde ela mantém requisitos básicos do antagonismo da relação processual, agora diretamente entre as partes e, não necessariamente entre o Ministério Público e o réu, e a reciprocidade no resultado, qual seja, baseados na estimulada concessão e efetiva vantagem ao ofendido.

Ao atuar no Juizado Especial, o juiz criminal obrigou-se também a preocupar-se com a composição dos prejuízos da vítima, afastando-se da antiga autonomia científica entre o Direito Civil e o Direito Penal, posto incidir sua atuação no mesmo plano de interesse, inclusive, social. O ideal da lei é considerar uma solução abrangente e socialmente pacificadora. Sendo injustificável manter a concepção tradicional da preponderância da responsabilidade penal sobre a responsabilidade civil, importando, agora, investigar se o ofensor ressarciu o ofendido e, com o êxito neste momento excludente da própria iniciativa oficial quanto à ação penal, o juiz especial-criminal estará abolindo no juízo cível demandas inúteis e contribuintes do excesso de processos.

O espaço concedido pela lei dos Juizados Especiais para tentar-se a solução material do fato incriminado, mesmo que a essa composição não se chegue, o juiz não poderá deixar de considerar a necessidade de restauração do patrimônio do ofendido, pois a reparação do dano passa a ser condição obrigatória da suspensão condicional do processo, outra nova figura revolucionária da lei em comento (Art. 89).

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A vítima passa a ser claramente identificada na legislação processual penal, porque, até então, ela estava praticamente excluída da relação pelo julgador, quanto à solução a ser conferida à lide penal, vez que esta estava vinculada ao impasse dogmático do acusado como autor, e do fato como infração. Pouco interesse trazia o ofendido.

Hoje, nos JEC’s, a vítima integra a complexidade dos atos procedimentais, mais ativa que passivamente, externando sua pretensão, reduzindo-a se for o caso, aceitando, impondo ao juízo sua vocação dentro da perturbação ou ofensa de seus interesses que, certamente, a ninguém mais importa.

Mesmo não sendo ela quem estabelece os valores ressarcitórios, o juiz, porém, deverá utilizar-se de sua capacidade de persuasão, argumentação ou convencimento das partes, experiência que adquire ao longo do exercício jurisdicional Mas não pode se substituir a elas quanto a atingir o acordo. Para este novo juiz, há exigências especiais de transigência e modicidade, pois ele despoja-se da imagem tradicional, ortodoxa, com a qual a lei rompeu, alterando o próprio conceito de relação processual, afetando, pois, sua hierarquização. A partir dos Juizados Especiais, passou a preponderar o interesse da parte na sua reparação que, pela sua importância no extrato legal, constitui, alcançada a satisfação, judicialmente homologada, e ditada apenas pelo lesado e aceito pelo ofensor, em renúncia ao direito de queixa ou representação, quando se cuide de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada.

Por oportuno, registro que se observa nos Juizados Especiais Criminais a extraordinária repercussão desta subordinação da ação penal, em crimes de lesões corporais culposas e leves, à representação do ofendido. Esteve o legislador atento ao clamor da sociedade que via, vez por outra, pessoas e entes queridos envolvidos em insensata ação penal após uma ação criminosa de menor potencial ofensivo, obrigando-os a trafegar pelos tormentosos caminhos do processo judicial.

Um exemplo claro desta insensatez estava e está localizado no perdão judicial previsto no Código Penal para determinados delitos, quando a pena resultava sem sentido ante a vítimização social e moral de pessoas da relação afetuosa do réu, se não dele próprio, quando e como maior atingido. Nunca foi bem respondido sobre a necessidade da censura penal para depois, ‘magnanimamente’, conceder o juiz o perdão judicial. Impressiona mais quando o próprio STJ, acompanhando a mens legis, interpretou como sendo causa de extinção da punibilidade e, assim, sem qualquer efeito penal superveniente. É a ação penal um non sense absurdo e cruel.

Mas, obliquamente, alcançou a lei dos Juizados Especiais, a realização de um dos princípios fundamentais do direito penal moderno, qual seja, a intervenção mínima nas relações sociais, sem que o Judiciário deixasse de prestar serviço na pacificação das relações intersubjetivas.

A necessidade de representação da vítima como condição de procedibilidade da ação penal, e a conseqüente extinção da punibilidade do ofensor pela ocorrência da decadência ou perempção, foi aplaudida por todos os operadores do direito, mormente porque alcança efeitos que ultrapassam os estreitos limites do direito penal, sem olvidar, obviamente, o fenômeno despenalizador.

Grande segmento dos juízes brasileiros sentiu-se aliviado com a imprescindibilidade de representação nos casos em que a lei prevê, de vez que, assim, não são obrigados a trair a vontade das partes, ou a administrar processo que ao próprio Estado não mais interessava, de vez que, ao contrário dos objetivos legais, ocorria verdadeiro recrudescimento das relações pessoais. Perdia-se extraordinária oportunidade para a pacificação social no encontro dos envolvidos em audiência, remetendo o juiz para uma sentença desinteressante ao próprio Estado, e as partes para uma situação de extremo constrangimento e contrariedade.

A partir da vigência da Lei dos Juizados Especiais, que impôs como critério, e quando for necessário, a aplicação de pena não-privativa de liberdade, obriga até o mais resistente positivista a refletir sobre a nova ordem legal, sobre a moderna perspectiva normativa, que trafega em fluxo distinto das leis positivadas em nosso sistema jurídico. Vê-se diante do fenômeno ‘despenalização’, que afasta do cárcere a pessoa que jamais deveria nele ingressar.

A afanosa busca de propostas alternativas à idéia do aprisionamento do homem delinqüente, deve ser elemento de reflexão e construção constante da sociedade intelectual, jurisdicizada, e sociologicamente inspirada. O cárcere há de ser reservado para criminosos de reconhecida periculosidade, que a inaptidão ao convívio social obrigue a segregação. O sistema carcerário atual já provou sua falência e inaptidão para acompanhar a evolução do direito.

As medidas despenalizadoras foi a principal e concreta contribuição da lei para a consagração de um novo processo criminal no Brasil: a composição civil, com o resultado da extinção da punibilidade – artigo 74 e parágrafo único – a transação penal do artigo 76, a imprescindibilidade de representação para as lesões corporais culposas ou leves previstas no artigo 88 e a suspensão condicional do processo do artigo 89.

Além delas, acrescenta a professora Ada Pellegrini Grinover, existe a descarcerização presente no parágrafo único do artigo 69, da Lei 9099/95, obstaculizando a realização da prisão em flagrante ou a exigência de fiança para o autor do fato, desde que imediatamente encaminhado ao juizado ou que assuma o compromisso de a ele comparecer. Neste tanto, tenho presente a lição e o alerta de Cesar Bitencourt sobre a possibilidade de corresponder a ato prisional, pela restrição à liberdade, o referido encaminhamento tratado na norma. Mas, para nossa tranqüilidade, ainda não ocorreu resistência do ofensor que demandasse o debate e, assim, poder-se verificar da interpretação jurisprudencial a respeito do tema..

É nesse momento dramático que começamos a perceber o importante papel e a contribuição da autoridade policial. É que, na ocorrência do fato, exige-se do agente oficial conhecimento de direito ao ponto de poder discernir o que é delito de menor potencial ofensivo; de ver da conveniência ou não do flagrante, etc. de maneira que chegue, como tem chegado, a peça referida em condições de oferecer ao juízo possibilidade de realizar os objetivos da Lei. A atuação do agente oficial implica em resultados dinâmicos e, por isto mesmo, está a exigir que, nos limites da singeleza do Termo Circunstanciado, encontre-se a sua legitimidade, a sensibilidade e competência.

Por outro lado, o momento histórico brasileiro está a exigir providências reais de renovação no Direito Penal e no instrumental de sua aplicação. Tais exigências corporificaram-se na Lei n. 9.099/95. Por isto mesmo que os magistrados com atuação específica estão tentando sua aplicação concreta e estimuladamente, sempre com a uma visão lógica da norma.

A excessiva demanda de ações penais, conseqüente à crescente criminalidade e penalização maciça, podem encaminhar ao esquecimento daquelas lições. O Juiz não pode converter-se em gerador de sentença como mero consectário da fúria legisferante, vez que o vínculo positivista compromete a serenidade decisória, mormente quando defronta-se o clamor da sociedade que pede prisão perpétua e da mídia que não resiste em pregar, mesmo subliminarmente, a pena de morte. Se ciente do paradoxo de sua atuação com tal quadro, o juiz pode desestimular-se e tornar-se vocacionado ao mero logocentrismo interpretativo.

O juiz dos Juizados Especiais Criminais, enfrenta corajosamente o dilema descrito, vinculando-se apenas axiologicamente e dentro dos objetivos insculpidos na Lei n. 9.099/95, e por isto tem aplicado sensatamente os comandos da lei, de que resultou, indiscutivelmente, no descongestionamento do Poder Judiciário que, assim, podem através de seus outros juízes, dedicar-se com mais afinco e menos pressão, às demandas mais graves.

A própria sentença homologatória da transação adquiriu especial prestígio, tornando-se irrevogável, e, por isto mesmo, afastando de sua execução, se for o caso, e salvo a óbvias exceções – marcadas estas pelo interesse exclusivamente privado – um eventual confronto entre as partes, o que fica reservado ao Ministério Público ou à Fazenda Pública, tal como se manifesta na seguintes ementas:

SENTENÇA. HOMOLOGAÇÃO PENAL. NATUREZA JURÍDICA. A sentença homologatória da transação penal gera eficácia de coisa julgada material, impedindo a instauração da ação penal no caso de descumprimento da pena alternativa aceita pelo autor do fato. Assim, tendo a sentença homologatória da transação penal natureza condenatória, o descumprimento da pena de multa aplicada pelo Juizado Especial Criminal deve receber o mesmo tratamento pelo Juizado Criminal Comum, aplicando-se o art. 51 do CP com a redação dada pela Lei nº 9.268/96. Após a vigência da referida Lei, a pena de multa passou a ser considerada tão-somente dívida de valor, sendo revogadas as hipóteses de conversão em pena privativa de liberdade ou restrição de direitos. Logo, a pena de multa não cumprida no prazo legal deve ser inscrita na dívida ativa da Fazenda Pública. REsp 194.637-SP, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, julgado em 20/4/1999.

          JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. TRANSAÇÃO. PENA DE MULTA. DESCUMPRIMENTO. OFERECIMENTO DA DENÚNCIA. IMPOSSIBILIDADE.A Turma não conheceu do recurso do Ministério Público, por entender que a transação penal, prevista no art. 76 da Lei n.º 9.099/95, distingue-se da suspensão do processo (art. 89), porquanto, na primeira hipótese, faz-se mister a efetiva concordância quanto à pena alternativa a ser fixada e, na segunda, há apenas uma proposta do Parquet no sentido de o acusado submeter-se, não a uma pena, mas ao cumprimento de algumas condições. Deste modo, a sentença homologatória da transação tem, também, caráter condenatório impróprio (não gera reincidência, nem pesa como maus antecedentes, no caso de outra superveniente infração), abrindo ensejo a um processo autônomo de execução. Não há que se falar em renovação de todo o procedimento, com oferecimento de denúncia, mas, tão-somente, na execução ao julgado (sentença homologatória). O acusado, ao transacionar, renuncia a alguns direitos perfeitamente disponíveis, pois, de forma livre e consciente, aceitou a proposta e, ipso facto, a culpa. REsp 172.981-SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 22/6/1999.


Ações criminosas mais complexas, de estrépito ampliado na sociedade por sua repercussão nos direitos e interesses de muitas pessoas, como os crimes societários, bancários, funcionais, de colarinho branco, estão sendo enfrentados com mais celeridade e prudência pela Justiça Criminal, aos quais dará respostas adequadas através da utilização dos instrumentos penais à sua disposição.

O sucesso da proposta legislativa já pode ser sentido, depois da experiência desses poucos anos de existência dos JECs, e evoluirá para uma produção desenvolvida e estimulada por consciências sensíveis.

Existe uma clara opção de pressurizar a macrocriminalidade e despressurizar nas câmaras herméticas do pensamento jurídico a que era exercida sobre a criminalidade de menor potencial ofensivo, que certamente vai resultar em aprovação moral e intelectual da sociedade neste novo milênio.

Os princípios inspiradores da Lei n. 9.099/95 refletem a sua ideologia direcionada a efetivar o acesso à Justiça, e importou em verdadeira revolução do Direito Criminal brasileiro, ainda incipiente, mas com vigor suficiente para inspirar o legislador prosseguir em trilha distinta da vocação punitiva e repressora que, conforme constatável diariamente, tem desmentida sua utilidade para reduzir a criminalidade.

Todos os segmentos que constroem a justiça - polícia, ministério público, advogados e juízes – devem continuar alertas no sentido de não interromper o processo revolucionário que se coloca em lado oposto à equivocada sedução penalizadora, e para que seja mantida nossa consciência e sensibilidade ao alcance da vontade individual e social, para a concretude da verdadeira justiça.

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Sobre o autor
Aramis Nassif

desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NASSIF, Aramis. Juizados especiais criminais: breve avaliação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 41, 1 mai. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1115. Acesso em: 19 abr. 2024.

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