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Mandado de injunção.

Um novo olhar

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15/04/2008 às 00:00
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RESUMO: Este trabalho trata das normas constitucionais de eficácia limitada, especificamente do que pertine à demonstração da inaplicabilidade de seus preceitos, em virtude de omissões do Poder Público, o que consubstancia o fenômeno denominado síndrome da inefetividade das normas constitucionais de eficácia limitada. Em ato contínuo, analisa-se o mandado de injunção, instrumento destinado à solução do referido vício, bem como a efetividade desse mecanismo, à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

PALAVRAS CHAVES: Constituição. Omissão. Mandado de Injunção. Eficácia.


1 Introdução

Um tema que sempre ensejou discussões polêmicas foi a inefetividade das normas constitucionais de eficácia limitada. Mesmo quando era impetrado um remédio constitucional visando a solucionar a omissão normativa do Poder Público e efetivamente assegurar o exercício de um direito, liberdade ou prerrogativa constitucionalmente previstos, a interpretação judicial não colaborava para o alcance de tal fim, tornando esses remédios inócuos.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) é farta no sentido de que o efeito das decisões em sede de ação direta de inconstitucionalidade por omissão e mandado de injunção, instrumentos cabíveis para a concretização das normas constitucionais de eficácia limitada, é tão-só declarar a mora do Poder Público para que tome as providências cabíveis.

Recentemente, no entanto, esteve em pauta do plenário do STF o julgamento dos mandados de injunção 670, 708 e 712, impetrados pelo Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Estado do Espírito Santo, pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Município de João Pessoa e pelo Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do Pará, respectivamente.

Através das mencionadas ações constitucionais, os impetrantes buscaram provimento judicial para que se reconhecesse a ausência de norma regulamentadora do direito de greve dos servidores públicos esculpido no Art. 37 VII da Carta Maior, o que já era um fato notório, com o escopo de que fosse declarada a mora do Poder Público – Congresso Nacional – bem como efetivamente assegurado o exercício de tal direito.

Na sessão de julgamento, concluída em 25.10.2007, o Tribunal, por maioria, deu provimento aos mandados de injunção e propôs a solução para a omissão legislativa com a aplicação da Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989, no que couber.

A existência desses julgados é de extrema importância, posto que indica o novo posicionamento que está sendo perfilhado pela Corte Suprema do país, tendente a dar concretude aos dispositivos estabelecidos na constituição, ainda que inexista uma regulamentação exigida.

Em síntese, o que se pretende com o trabalho é analisar as normas constitucionais de eficácia limitada, especificamente no que pertine à concretização de seus preceitos por meio do mandado de injunção, fazendo-se, ao final, uma reflexão sobre o papel do Poder Judiciário na concretização dos direitos previstos nessas normas, à luz dos princípios da Separação dos Poderes, da supremacia da Constituição, e da máxima efetividade e força normativa das normas constitucionais.


2 Mandado de Injunção

Quando a Constituição subordina a plena eficácia de uma norma à elaboração de ato ulterior do Poder Público, seja ele legislativo ou administrativo, e ele mantém-se inerte, inviabilizando o exercício de direito, liberdade ou prerrogativa constitucionalmente assegurados, surge o que se denomina síndrome da inefetividade das normas constitucionais de eficácia limitada, fenômeno que acarreta o esvaziamento do conteúdo das normas constitucionais.

Atento ao fato de que a mera previsão de direitos não assegura respeito aos preceitos legais, o legislador constituinte estabeleceu garantias para prevenir ou sanar as violações a seus comandos.

Para diferenciar direitos de garantias constitucionais, Pedro Lenza afirma o seguinte: "os direitos são bens ou vantagens prescritos na norma constitucional, enquanto as garantias são os instrumentos através dos quais se assegura o exercício dos aludidos direitos (preventivamente) ou prontamente os repara, caso violados."1

Quando há omissão inconstitucional do Poder Público, que acarreta a síndrome supracitada, duas garantias constitucionais podem ser invocados para combatê-la, quais sejam, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADIn por omissão), impetrada diretamente na Corte Suprema do país, responsável pela análise do controle concentrado de constitucionalidade, e o Mandado de Injunção, via controle difuso.

Além dessas garantias, a iniciativa popular também pode ser utilizada, ao menos para sanar o problema da inércia legislativa quanto à apresentação de projeto de lei.

Segundo Roberto Augusto Castellanos Pfeiffer:

No Brasil, durante a Assembléia Nacional Constituinte, refletindo a preocupação da doutrina e dos movimentos organizados da sociedade em evitar a perpetuação da ausência de controle sobre a inércia regulamentadora, foram estatuídos dois instrumentos jurisdicionais para o controle da omissão normativa: a ação de inconstitucionalidade por omissão (...) e o mandado de injunção (...). Foi, igualmente inserido um mecanismo político: a iniciativa popular para a apresentação de projetos de lei.2

A ação direta de inconstitucionalidade por omissão e a apresentação de projetos de lei de iniciativa popular não compõem o objeto deste trabalho, porém vale invocar o que o autor afirma sobre o mandado de injunção:

Entre os instrumentos destacados, é o mandado de injunção aquele que vem sendo mais utilizado atualmente. Entretanto, nota-se timidez do Poder Judiciário na interpretação de sua finalidade e alcance, o que faz com que muitos titulares de direitos previstos na Constituição, que poderiam ter sua possibilidade de eficácia ampliada com o instrumento processual analisado, vejam inviabilizado o exercício de tais direitos. Não obstante isso, percebem-se avanços jurisprudenciais e enorme polêmica na doutrina sobre o assunto.3

São esses os principais aspectos que se pretende desenvolver neste tópico.

Todavia, antes de focar atenção na eficácia do mandado de injunção, algumas considerações preliminares fazem-se necessárias, as quais se passam a examinar:

2.1 Dos pressupostos e do cabimento do mandado de injunção

O art. 5°, LXXI, CRFB, fundamento constitucional do mandado de injunção, estabelece que:

LXXI – conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.

É imperioso destacar, antes de qualquer outra coisa, que o dispositivo retromencionado, a despeito de algumas opiniões que pesem em contrário, é uma norma constitucional auto-aplicável. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou no sentido de que o mandado de injunção não depende de regulamentação para ser exercido, inclusive quanto ao procedimento aplicável, vez que, enquanto não editada legislação específica, será aplicado, analogicamente, o procedimento do mandado de segurança, no que for compatível4.

Outro ponto que merece menção é o que pertine aos direitos passíveis de tutela por intermédio do mandado de injunção. A doutrina não é uníssona. Alguns doutrinadores, como Roberto Augusto Castellanos Pfeiffer5, defendem que o remédio é cabível quando qualquer direito com assento constitucional é inviabilizado em virtude da inexistência de norma regulamentadora, mas outros, como Manoel Gonçalves Ferreira Filho6, asseveram que a Constituição é clara ao prever que os direitos tuteláveis pelo writ, quais sejam: direitos, liberdades e prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.

Parece assistir razão à primeira corrente, tendo em vista que o dispositivo constitucional estabelece como tuteláveis pelo mandado de injunção os direitos e liberdades constitucionais, o que abrange praticamente todas as previsões de normas constitucionais de eficácia limitada, bem como as prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania.

A interpretação dessa regra deve ser feita à luz do princípio da máxima efetividade das normas constitucionais. Portanto, a restrição contida no final do inciso transcrito supra deve alcançar tão-só as prerrogativas constitucionais, mas não os direitos e liberdades.

Essa foi a orientação adotada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do MI 107-DF7.

Quanto ao cabimento, dois são os pressupostos para a interposição do mandado de injunção:

-Ausência de norma regulamentadora de dispositivo constitucional; e

-Inviabilização do exercício de direito ou liberdade constitucional, ou prerrogativa inerente à nacionalidade, à soberania e à cidadania, em virtude da inexistência de norma regulamentadora.

Deve haver, pelo exposto, um nexo de causalidade entre a omissão do Poder Público e o prejuízo da pessoa, para que ela seja legitimada à interposição do remédio.

Ademais, é imperioso afirmar que a ausência de norma regulamentadora é verificada quando se caracteriza a mora do Poder Público. Quando a Constituição estabelece prazo para a elaboração da norma, a mora restará caracterizada quando o prazo escoa sem a elaboração do ato normativo; já quando a CRFB não estipula prazo, a mora consumar-se-á com decurso de prazo razoável (princípio da razoabilidade).

Assim, não é cabível mandado de injunção quando a norma regulamentadora já foi editada, mesmo que ela seja supostamente incompleta ou eivada de vícios. Nesse caso, podem ser invocados outros instrumentos como o mandado de segurança ou a ação direta de inconstitucionalidade, conforme o caso.

Outrossim, também não cabe mandado de injunção quando o dispositivo que carece de regulamentação é infraconstitucional, como um direito assegurado por Lei Complementar.

Ainda é incabível o writ quando a Constituição da República simplesmente faculta ao Legislativo a outorga de um direito, sem assegurá-lo, pois compete ao legislador decidir se e quando estabelecerá a regulamentação facultada.

2.2 Legitimidade

A legitimação ativa para a impetração do mandado de injunção é de qualquer pessoa que se ache impedida de exercer um direito, uma liberdade ou prerrogativa constitucional inerente à nacionalidade, à soberania e à cidadania, por falta de norma regulamentadora.

A legitimação passiva, por sua vez, é da pessoa responsável pela omissão normativa. Assim, o mandado de injunção deve dirigir-se contra o Poder, órgão, entidade ou autoridade estatal que tem a obrigação de regulamentar a norma constitucional. Portanto, somente o Poder Público pode ser legitimado passivo do mandado de injunção, já que somente a ele é imputável o dever constitucional de produção legislativa para dar efetividade aos direitos e liberdades constitucionais.

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2.3 Competência

A CRFB estabelece com precisão a competência comum para julgamento do mandado de injunção nos Tribunais Superiores, a qual pertence ao Supremo tribunal Federal (nos casos do art. 102, I, q e 102, II, a) e ao Superior Tribunal de Justiça (art. 105, I, h).

No que pertine à competência especial, cabe às justiças eleitoral, trabalhista e militar o julgamento de MI quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição, nos termos do 105, I, h, CF.

As Constituições Estaduais devem prever outros casos de competência para julgamento dos mandados de injunção, sobretudo quando a elaboração do ato normativo depender de Poder, órgão, entidade ou autoridade do estado-membro da Federação.

2.4 Eficácia do instrumento

No que pertine aos efeitos da decisão do mandado de injunção, há de se observar que apesar de seu objetivo ser a concretização de direitos e liberdades, no Brasil vigora o princípio da separação dos Poderes, não competindo ao Poder Judiciário invadir a esfera de atuação de outro Poder da República para suprir uma omissão, ainda que inconstitucional.

Pedro Lenza expõe com maestria a controvérsia doutrinária e jurisprudencial acerca do assunto, indicando as quatro correntes existentes:

Posição concretista geral: através de normatividade geral, o STF legisla no caso concreto, produzindo a decisão efeito erga omnes até que sobrevenha norma integrativa pelo Legislativo;

Posição concretista individual direta: a decisão, implementando o direito, valerá somente para o autor do mandado de injunção, diretamente;

Posição concretista individual intermediária: julgando procedente o mandado de injunção, o Judiciário fixa prazo ao Legislativo para elaborar a norma regulamentadora. Findo o prazo e permanecendo a inércia do Legislativo, o autor passa a ter assegurado o seu direito;

Posição não concretista: a decisão apenas decreta a mora do Poder omisso, reconhece-se formalmente a sua inércia.8(original grifado)

A posição dominante na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal até pouco tempo era a não concretista, como se pode observar pela leitura das decisões infratranscritas:

Mandado de injunção: ausência de regulamentação do direito ao aviso prévio proporcional previsto no art. 7º, XXI, da Constituição da República. Mora legislativa: critério objetivo de sua verificação: procedência, para declarar a mora e comunicar a decisão ao Congresso Nacional para que a supra.9

EMENTA: - Mandado de injunção. Juros reais. Paragrafo 3. do artigo 192 da Constituição. - Esta Corte, ao julgar a ADIn. n. 04, entendeu, por maioria de votos, que o disposto no paragrafo 3. do artigo 192 da Constituição Federal não era auto-aplicavel, razão por que necessitava de regulamentação. - Passados mais de cinco anos da promulgação da Constituição, sem que o Congresso Nacional haja regulamentado o referido dispositivo constitucional, e sendo certo que a simples tramitação de projetos nesse sentido não e capaz de elidir a mora legislativa, não há duvida de que esta, no caso, ocorre. Mandado de injunção deferido em parte, para que se comunique ao Poder Legislativo a mora em que se encontra, a fim de que adote as providencias necessarias para suprir a omissão.10

Alegava-se para tanto que o princípio da Separação dos Poderes de Montesquieu11 não permitia a ingerência do Poder Judiciário na esfera de competência de outro Poder Público para agir nas omissões deste.

EMENTA: DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO MODALIDADES DE COMPORTAMENTOS INCONSTITUCIONAIS DO PODER PÚBLICO. - O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em um facere (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação. - Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná- los efetivos, operantes e exeqüíveis, abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse non facere ou non praestare, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público. SALÁRIO MÍNIMO - SATISFAÇÃO DAS NECESSIDADES VITAIS BÁSICAS - GARANTIA DE PRESERVAÇÃO DE SEU PODER AQUISITIVO. - A cláusula constitucional inscrita no art. 7º, IV, da Carta Política - para além da proclamação da garantia social do salário mínimo - consubstancia verdadeira imposição legiferante, que, dirigida ao Poder Público, tem por finalidade vinculá-lo à efetivação de uma prestação positiva destinada (a) a satisfazer as necessidades essenciais do trabalhador e de sua família e (b) a preservar, mediante reajustes periódicos, o valor intrínseco dessa remuneração básica, conservando-lhe o poder aquisitivo. - O legislador constituinte brasileiro delineou, no preceito consubstanciado no art. 7º, IV, da Carta Política, um nítido programa social destinado a ser desenvolvido pelo Estado, mediante atividade legislativa vinculada. Ao dever de legislar imposto ao Poder Público - e de legislar com estrita observância dos parâmetros constitucionais de índole jurídico-social e de caráter econômico-financeiro (CF, art. 7º, IV) -, corresponde o direito público subjetivo do trabalhador a uma legislação que lhe assegure, efetivamente, as necessidades vitais básicas individuais e familiares e que lhe garanta a revisão periódica do valor salarial mínimo, em ordem a preservar, em caráter permanente, o poder aquisitivo desse piso remuneratório. SALÁRIO MÍNIMO - VALOR INSUFICIENTE - SITUAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO PARCIAL. - A insuficiência do valor correspondente ao salário mínimo, definido em importância que se revele incapaz de atender as necessidades vitais básicas do trabalhador e dos membros de sua família, configura um claro descumprimento, ainda que parcial, da Constituição da República, pois o legislador, em tal hipótese, longe de atuar como o sujeito concretizante do postulado constitucional que garante à classe trabalhadora um piso geral de remuneração (CF, art. 7º, IV), estará realizando, de modo imperfeito, o programa social assumido pelo Estado na ordem jurídica. - A omissão do Estado - que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional - qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental. - As situações configuradoras de omissão inconstitucional - ainda que se cuide de omissão parcial, derivada da insuficiente concretização, pelo Poder Público, do conteúdo material da norma impositiva fundada na Carta Política, de que é destinatário - refletem comportamento estatal que deve ser repelido, pois a inércia do Estado qualifica-se, perigosamente, como um dos processos informais de mudança da Constituição, expondo-se, por isso mesmo, à censura do Poder Judiciário. INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO - DESCABIMENTO DE MEDIDA CAUTELAR. - A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de proclamar incabível a medida liminar nos casos de ação direta de inconstitucionalidade por omissão (RTJ 133/569, Rel. Min. MARCO AURÉLIO; ADIn 267-DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO), eis que não se pode pretender que mero provimento cautelar antecipe efeitos positivos inalcançáveis pela própria decisão final emanada do STF. - A procedência da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, importando em reconhecimento judicial do estado de inércia do Poder Público, confere ao Supremo Tribunal Federal, unicamente, o poder de cientificar o legislador inadimplente, para que este adote as medidas necessárias à concretização do texto constitucional. - Não assiste ao Supremo Tribunal Federal, contudo, em face dos próprios limites fixados pela Carta Política em tema de inconstitucionalidade por omissão (CF, art. 103, § 2º), a prerrogativa de expedir provimentos normativos com o objetivo de suprir a inatividade do órgão legislativo inadimplente.12

Percebe-se, portanto, que, apesar de Poder Judiciário reconhecer a mora do Poder Público na edição de atos normativos exigidos pela Constituição, na prática, nada era feito para sanar o problema. A declaração de mora destinada ao responsável pela omissão não é hábil a sanar o vício.

A doutrina criticava muito essa orientação. A título de exemplo, transcreve-se um trecho do livro "Omissões Normativas" cujo autor, Ricardo Silveira Ribeiro, focou seus estudos na análise dessa posição da Corte Suprema:

Como se pode explicar, a partir da análise de discurso, as opções doutrinárias da Suprema Corte? Estamos tentando discutir, pela primeira vez no Brasil, uma teoria explicativa do porquê de o mandado de injunção ser sacrificado pela visão majoritária do STF. De resto, nos pareceu que a decisão do STF não conseguiu se guiar por pautas normativas constitucionalmente bem fundamentadas, o que nos coloca frente ao desafio de escorar essa assertiva com fundamentos teóricos bem-escudados.13

Felizmente, essa posição parece estar invertendo-se e o Supremo tem caminhado no sentido de dar concretude aos direitos constitucionalmente previstos.

No dia 25/10/2007 a Corte Maior concluiu o julgamento de três mandados de injunção (MI 670, MI 708 e MI 712), no qual adotou a posição concretista geral para garantir o exercício de direito de greve por servidores públicos.

Segue a decisão apenas no mandado de injunção Nº 670 por ser igual às dos demais writs:

O Tribunal, por maioria, conheceu do mandado de injunção e propôs a solução para a omissão legislativa com a aplicação da Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989, no que couber, vencidos, em parte, o Senhor Ministro Maurício Corrêa (Relator), que conhecia apenas para certificar a mora do Congresso Nacional, e os Senhores Ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, que limitavam a decisão à categoria representada pelo sindicato e estabeleciam condições específicas para o exercício das paralisações. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie. Lavrará o acórdão o Senhor Ministro Gilmar Mendes. Não votaram os Senhores Ministros Menezes Direito e Eros Grau por sucederem, respectivamente, aos Senhores Ministros Sepúlveda Pertence e Maurício Corrêa, que proferiram voto anteriomente. Ausente, justificadamente, a Senhora Ministra Cármen Lúcia, com voto proferido em assentada anterior.14

A posição adotada pelo STF foi a concretista geral, o que corrobora para o fim da síndrome da inefetividade das normas constitucionais de eficácia limitada.

Pela propriedade e clareza com as quais desenvolve o tema, transcrevem-se excertos do voto do Ministro Celso de Mello:

Decorridos quase

19 (dezenove) anos da promulgação da vigente Carta Política, ainda não se registrou - no que concerne à norma inscrita no art. 37, VII, da Constituição - a necessária intervenção concretizadora do Congresso Nacional, que se absteve de editar, até o presente momento, o ato legislativo essencial ao desenvolvimento da plena eficácia jurídica do preceito constitucional em questão, não obstante esta Suprema Corte, em 19/05/1994 (há quase 13 anos, portanto), ao julgar o MI 20/DF, de que fui Relator, houvesse reconhecido o estado de mora (inconstitucional) do Poder Legislativo da União, que ainda subsiste, porque não editada, até agora, a lei disciplinadora do exercício do direito de greve no serviço público.

Registra-se, portanto, quase decorrido o período de uma geração, clara situação positivadora de omissão abusiva no adimplemento da prestação legislativa imposta, pela Constituição da República, ao Congresso Nacional.

Na realidade, o retardamento abusivo na regulamentação legislativa do texto constitucional qualifica-se - presente o contexto temporal em causa - como requisito autorizador do ajuizamento da ação de mandado de injunção, pois, sem que se configurasse esse estado de mora legislativa – caracterizado pela superação excessiva de prazo razoável -, não haveria como reconhecer-se ocorrente, na espécie, o próprio interesse de agir em sede injuncional, como esta Suprema Corte tem advertido (RTJ 158/375, Rel. p/ o acórdão Min. SEPÚLVEDA PERTENCE) em sucessivas decisões:

"MANDADO DE INJUNÇÃO. (...). PRESSUPOSTOS CONSTITUCIONAIS DO MANDADO DE INJUNÇÃO (RTJ 131/963 – RTJ 186/20-21). DIREITO SUBJETIVO À LEGISLAÇÃO/DEVER ESTATAL DE LEGISLAR (RTJ 183/818-819). NECESSIDADE DE OCORRÊNCIA DE MORA LEGISLATIVA (RTJ 180/442). CRITÉRIO DE CONFIGURAÇÃO DO ESTADO DE INÉRCIA LEGIFERANTE: SUPERAÇÃO EXCESSIVA DE PRAZO RAZOÁVEL (RTJ 158/375). (...)."

(MI 715/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, "in" Informativo/STF nº 378, de 2005)

O caso em exame, como precedentemente acentuado, revela considerada a superação irrazoável do lapso temporal decorrido – um retardamento abusivo do dever estatal de legislar sobre a espécie ora em análise.

Essa omissão inconstitucional do Poder Legislativo, derivada do inaceitável inadimplemento do seu dever de emanar regramentos normativos - encargo jurídico que foi imposto ao Congresso Nacional pela própria Constituição da República - encontra, neste "writ" injuncional, um poderoso fator de neutralização da inércia legiferante e da abstenção normatizadora do Estado.

O mandado de injunção, desse modo, deve traduzir significativa reação jurisdicional, fundada e autorizada pelo texto da Carta Política que, nesse "writ" processual, forjou o instrumento destinado a impedir o desprestígio da própria Constituição, consideradas as graves conseqüências que decorrem do desrespeito ao texto da Lei Fundamental, seja por ação do Estado, seja, como no caso, por omissão - e prolongada inércia - do Poder Público.

Não obstante atribuísse, ao mandado de injunção, desde o meu ingresso neste Supremo Tribunal, a relevantíssima função instrumental de superar, concretamente, os efeitos lesivos decorrentes da inércia estatal - posição que expressamente assumi, nesta Suprema Corte, no MI 164/SP, de que fui Relator (DJU de 24/10/89) -, devo reconhecer que a jurisprudência firmada na matéria pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal orientou-se, de modo claramente restritivo, em sentido diverso.

A jurisprudência que se formou no Supremo Tribunal Federal, a partir do julgamento do MI 107/DF, Rel. Min. MOREIRA ALVES (RTJ 133/11), fixou-se no sentido de proclamar que a finalidade, a ser alcançada pela via do mandado de injunção, resume-se à mera declaração, pelo Poder Judiciário, da ocorrência de omissão inconstitucional, a ser meramente comunicada ao órgão estatal inadimplente, para que este promova a integração normativa do dispositivo constitucional invocado como fundamento do direito titularizado pelo impetrante do "writ".

Esse entendimento restritivo não mais pode prevalecer, sob pena de se esterilizar a importantíssima função político-jurídica para a qual foi concebido, pelo constituinte, o mandado de injunção,que deve ser visto e qualificado como instrumento de concretização das cláusulas constitucionais frustradas, em sua eficácia, pela inaceitável omissão do Congresso Nacional, impedindo-se, desse modo, que se degrade a Constituição à inadmissível condição subalterna de um estatuto subordinado à vontade ordinária do legislador comum.

(...)

Por tais razões, Senhora Presidente, peço vênia para acompanhar os doutos votos dos eminentes Ministros EROS GRAU (MI 712/PA) e GILMAR MENDES (MI 670/ES), em ordem a viabilizar, desde logo, nos termos e com as ressalvas e temperamentos preconizados por Suas Excelências, o exercício, pelos servidores públicos civis, do direito de greve, até que seja colmatada, pelo Congresso Nacional, a lacuna normativa decorrente da inconstitucional falta de edição da lei especial a que se refere o inciso VII do art. 37 da Constituição da República.15

Neste contexto, acredita-se satisfeita a obrigação de apresentar o tema, porém se faz necessário tecer alguns comentários sobre outro problema surgido: a suposta violação ao princípio da separação do Poderes, baseado no argumento de que o Poder Judiciário agiu como legislador positivo devido à omissão do Poder Público. Esse será o objeto da conclusão.

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Sobre o autor
José Carvalho Filho

Doutorando em Direito Público no Institut d'Études Politiques d'Aix-en-Provence (Sciences-PO Aix) / Aix-Marseille Université (França). Mestre em Direito Constitucional. Especialista em Direito Público e em Direito Constitucional. Professor das disciplinas Direito Constitucional e Direito Processual Civil. Servidor Público do Supremo Tribunal Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO FILHO, José. Mandado de injunção.: Um novo olhar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1749, 15 abr. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11153. Acesso em: 22 nov. 2024.

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