Capa da publicação Constatação prévia: dever do juiz na recuperação judicial
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A constatação prévia e o dever-poder do magistrado nos processos de recuperação judicial

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4. CONCLUSÃO

É indene de dúvidas, por conseguinte, o quão salutar é o manejo do instituto da constatação prévia, no que diz respeito à aferição das reais condições de funcionamento daquele que pleiteia a recuperação judicial, bem como da regularidade e da completude da documentação que instrui a inicial. Mesmo em casos de grandes empresas, como o citado, as finalidades da recuperação judicial, balizadas pelos contornos principiológicos da livre iniciativa e da função social da empresa e do valor da livre iniciativa, que têm supedâneo na Constituição da República, transcendem o plano pertinente às “faculdades” ou aos “poderes do juiz”, na referência ora feita à literalidade do art. 51-A da Lei nº 11.101/2005, inserido pela Lei nº 14.112/2020, e ao Capítulo I do Título IV do Livro III da Parte Geral do Código de Processo Civil de 2015.

Diante do modelo constitucional-processual que se tem, despontam o caráter público do exercício da jurisdição, que, assim sendo, deve-se prestar ao cumprimento de determinadas finalidades, as quais, irremediavelmente, refletem a Constituição. O condão de provocar a tutela do Estado, que têm os regimes de insolvência empresarial – falência e recuperação judicial –, exaspera a necessidade de análise acurada por aquele apto a dizer o Direito (jurisdição) nesses casos. É que esse caráter, por essência matizado finalisticamente, por causa dos diversos interesses presentes, enfeixa a precisão com que tem de atuar o magistrado no que tange à verossimilhança do que decidido na lide com o que se tem no mundo dos fatos, razão pela qual a constatação prévia é valioso instrumento no zelo da indenidade e da higidez da questão trazida à apreciação do Estado-Juiz. Os argumentos contrários a seu uso, expostos, não se sustentem, notadamente porque o processo é insuscetível de dilação temporal e porque o prazo da Lei de Recuperação de Empresas e Falência é de cinco dias: se uma empresa depende deste curtíssimo prazo para soerguer-se, sua quebra é questão de tempo.

Sendo assim, é incólume o perfil constitucional e funcional da constatação prévia, que conecta o plano real com o plano processual, constituindo, portanto, não “faculdade” do juiz ou a seus poderes, dado que suas vicissitudes, afeitas ao seu subjetivo, não podem guiar as finalidades socioeconômicas da dinâmica recuperacional, mas sim dever-poder: sendo dever do magistrado zelar pela higidez processual, deve, então, agir, exercendo poder consentâneo com o atingimento daquele dever que exsurge. Por isso, sobressai a constatação prévia do plano facultativo, constrito ao alvitre do investido pelo

Estado para exercer a jurisdição, desvelando-se, então, dever-poder, motivo pelo qual deve, independente da qualidade e dos predicados do requerente da recuperação judicial, ser determinada.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Notas

1 Excerto do voto do Ministro no CC n. 152.841/SP, relator Ministro Moura Ribeiro, relator para acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 8/11/2018, DJe de 4/12/2018.

2 O princípio da preservação da empresa no olhar do STJ. Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias-antigas/2018/2018-09-02_06- 03_O-principio-da-preservacao-da-empresa-no-olhar-do-STJ.aspx>.

3 Não se pode olvidar que o regime de insolvência empresarial leva em consideração as condições dos consumidores, consoante a expressa referência no art. 47. da Lei nº 11.101/2005, que, com a Constituição Federal, alça relevantíssimo papel no contexto da sociedade brasileira, maxime a partir do que se interpreta dos arts. 5º, XXXII, 24, VIII, e 170, V.

4 MOREIRA, M.; BAPTISTA, T. Dez Anos do Código Civil. [s.l: s.n.]. Disponível em: <https://www.emerj.tjrj.jus.br/serieaperfeicoamentodemagistrados/paginas/series/13/volumeII/10an oscodigocivil_volII_44.pdf>.

5 Venosa, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral / Sílvio de Salvo Venosa. – 18. ed. – São Paulo: Atlas, 2018.

6A presunção de boa-fé é princípio geral de direito universalmente aceito, sendo milenar a parêmia: a boa-fé se presume; a má-fé se prova.” (REsp n. 956.943/PR, relatora Ministra Nancy Andrighi, relator para acórdão Ministro João Otávio de Noronha, Corte Especial, julgado em 20/8/2014, DJe de 1/12/2014.)

7 “O Ministério Público nem é governo, nem oposição. O Ministério Público é constitucional; é a Constituição em ação, em nome da sociedade, do interesse público, da defesa do regime, da eficácia e salvaguarda das instituições.” (Paulo Bonavides. Os dois Ministérios Públicos do Brasil: o da Constituição e o do Governo. In MOURA JÚNIOR, Flávio Paixão et al. Ministério Público e a ordem social justa, p. 350).

8 BUENO elucida a questão relativa ao aspecto processual societário e ao interesse na recuperação judicial: “Ademais, a importância social e econômica das empresas e, mais amplamente, das pessoas jurídicas pode acabar por exigir formas diferenciadas de resolução de conflitos, mais aderentes às complexidades das normas materiais, que decorrem de suas leis, estatutos e contratos, para impedir, a todo custo, que um conflito interno seu possa acabar por comprometer o atingimento de sua própria finalidade e, consequentemente, da geração de empregos, receita tributada e fruições que ela, empresa, viabiliza. Pertinente exemplo da afirmação está na lembrança da Lei n. 11.101/2005, a lei de recuperação judicial e de falências, que contém uma série de dispositivos de conteúdo processual.” (BUENO, 2020, p. 81).

9 Doutrinadores outros fazem referência ao termo como dever-poder ou poder-dever (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2015, p. 56).

10 Assim, por exemplo, não pode o credor quirografário pretender cobrar a dívida de seu devedor que se encontra em recuperação judicial, sem se submeter àquele regime, disciplinado pela Lei n. 11.101/2005. Não há dúvida de que ele não tem interesse de agir no sentido aqui propugnado em função da peculiaridade do estado de fato de seu devedor e do consequente regime jurídico que, desde o plano material, decorre, inclusive sobre seu crédito e sua sujeição àquele processo. Não é diverso o que se dá com credores munidos de específicas garantias, por exemplo, as reais. A forma de cobrança de valores depende fundamentalmente da devida análise das peculiaridades do direto material, para se saber, do ponto de vista processual, qual pedido de tutela jurisdicional pode ser formulado e por que razões. Nestas duas situações, o que ocorre não é eventual inadequação formal que, pela sistemática do direito processual civil, até poderia ser desconsiderada. O que merece ser colocado em relevo é a realidade do plano material e seu adequado transporte para o plano processual.” (BUENO, 2020, págs. 345).

11 Entendimentos outros no mesmo sentido: “No caso concreto, a constatação prévia ainda não estava positivada na Lei de Recuperação de Empresas e Falências, mas encontrava respaldo no art. 156. do Código de Processo Civil de 2015, que permite ao Juiz ser assistido por perito quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico.” (REsp n. 1.955.428/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 17/5/2022, DJe de 25/5/2022.)

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12 Enciclopédia Jurídica da PUCSP. Disponível em: <https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/157/edicao-1/fontes-do-direito>.

13 A constatação prévia na nova Lei de Recuperação Judicial e Falências. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2021-jan-24/cecy-constatacao-previa-lei-recuperacao-judicial>. Acesso em: 19 out. 2023.

14A recuperação judicial não almeja, como pretendia a concordata, apenas superar uma falta transitória de liquidez do empresário devedor diante de uma condição adversa do mercado. Procurou a Lei criar instituto apto à superação de crise econômica estrutural do empresário, que poderá readequar sua atividade e a organização de seus fatores de produção para continuar a regularmente empreender. [...] Nada impede, assim, que, além dos meios dispostos pelo art. 50, a recuperanda proponha meios diversos e que atendam melhor à sua necessidade, cumule vários dos meios propostos ou apresente uma combinação entre vários outros. (Sacramone, Marcelo Barbosa. Comentários à Lei de recuperação de empresas e falência / Marcelo Barbosa Sacramone. – 2. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p. 455-456)

15 Moodle USP: e-Disciplinas. Disponível em: <https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4442033/mod_resource/content/0/Comentarios%20a%20Lei%20De%20Recuperacao%20De%20Empres%20-%20Francisco%20Satiro%20de%20Souza%20Junior-2-2.pdf>.

16 VIANA, Juvêncio Vasconcelos. Notas acerca da Tutela Provisória. 1. ed. FORTALEZA: EXPRESSÃO GRÁFICA E EDITORA, 2019.

17 Íntegra da decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais disponível em: Redirecting. Disponível em: <https://static-poder360-com-br.webpkgcache.com/doc/-/s/static.poder360.com.br/2023/09/Decisao-TJMG-suspensao-recuperacao-judicial- 123Milhas.doc>. Acesso em: 22 out. 2023.


Abstract: The purpose of this article is to analyze from a constitucional approach the procedural subjects that form a triangular relationship, the institute of prior finding which is typical of judicial reorganization proceedings, according to article 51-A from Law No. 11.101/2005, included by Law No. 14.112/2020. The comparison, therefore, is guided by the doctrinal conception of the nature of the judge's duties and powers, established by article 139 of The Brazilian Process Civil Code. The main focus is on the cogent aspect of motivated free will: starting with the occurrence of a certain event in the empirical world, the outcome will be handed down is no longer at the level of the magistrate's vicissitudes. And this, in judicial reorganization proceedings, is exasperated in regard to the purposes of collective interest in these cases. Since their aim to enable the person resquesting to overcome the danger to the person requesting the reorganization, instrumentalizing the maintenance of the source of production, employment and the interests of creditors, promoting the preservation of the company, reaffirming its social function and stimulating the economy (art. 47, caput, Law 11.101/05), especially by bringing the dispute according the general principles of economic activity (arts. 1º, IV, and 170 et seq. of the Brazilian Constitution of 1988).

Key words : Previous observation; judicial recovery; duty-power of the magistrate; social function of the company; overcoming the crisis, stimulating the economy.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIBERATO, Cid Fontenele Paracampos. A constatação prévia e o dever-poder do magistrado nos processos de recuperação judicial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7866, 13 jan. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/111711. Acesso em: 14 jan. 2025.

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