1. Resumo
O presente texto pretende abordar a parte geral dos recursos nos Juizados Especiais Federais – JEF. O propósito é compilar, em texto único, as regras gerais aplicáveis aos recursos cabíveis no JEF e que sejam extravagantes em relação às constantes do Código de Processo Civil. Buscar-se-á apresentar, ao lado da disciplina legal sobre a matéria, posicionamentos sedimentados nas questões de ordem da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais – TNU, assim como nos enunciados do Forum Nacional dos Juizados Especiais Federais – FONAJEF. Após a compilação das regras gerais, pretende-se realizar análise crítica da compatibilidade do modelo recursal previsto para o JEF com os princípios que inspiraram a sua criação.
2. Introdução
De início, é preciso esclarecer que as normas do Código de Processo Civil previstas para os recursos aplicam-se, em geral, de forma subsidiária, aos Juizados Especiais, ou seja, desde que não conflitem com as regras previstas expressamente para os Juizados. E, em relação aos Juizados Especiais Federais, como a Lei nº 10.259, de 12 de julho de 2001, é bastante concisa, aplicam-se subsidiariamente a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, em primeiro lugar, e, em seguida, no que não conflitar com os princípios inspiradores dos Juizados, o CPC. Ou seja, havendo lacuna na Lei nº 10.259, aplica-se em primeiro a Lei nº 9.099/1995 e, apenas caso persista lacuna, aplica-se o CPC.
3. Recursos cabíveis
Diferentemente do modelo recursal previsto para os Juizados Especiais Estaduais, que prevê o cabimento de apenas três espécies de recursos (o recurso inominado, ou apelação, os embargos de declaração e o recurso extraordinário), nos Juizados Especiais Federais são cabíveis cinco espécies de recurso.
A primeira modalidade é o recurso contra as decisões interlocutórias de mérito proferidas em tutelas de urgência que causem gravame às partes. A previsão de seu cabimento se encontra nos arts. 4º e 5º da Lei nº 10.259/2001. Apesar de não se encontrar assim designado, a doutrina concorda que o recurso em questão é o de agravo de instrumento, a ser interposto diretamente no segundo grau e com a obediência às regras atinentes ao agravo, entre elas impondo-se a necessidade de formação do instrumento.
A segunda modalidade é o recurso contra as sentenças, previsto no art. 41 da Lei nº 9.099. Este recurso também não recebeu nomenclatura específica, sendo conhecido simplesmente como recurso inominado ou, em razão das semelhanças, como apelação.
O artigo 5º, segunda parte, da Lei nº 10.259 estatui que somente será admitido recurso de sentença definitiva, o que, à primeira vista, sugere que somente as sentenças em que há resolução de mérito (art. 269 do CPC) poderiam ser impugnadas por recurso inominado. Uma interpretação literal do dispositivo conduziria à conclusão de que não seria possível a interposição de recurso contra as sentenças terminativas, ou seja, aquelas que extinguem o processo sem resolução de mérito (art. 267 do CPC). No entanto, é consenso na doutrina que é cabível o recurso inominado contra sentença, a independer se há resolução de mérito ou não. Assim, a Turma Recursal, ao apreciar recurso inominado interposto contra sentença terminativa, pode julgar desde logo a lide se a causa versar questão exclusivamente de direito ou estiver em condições de imediato julgamento, nos termos do art. 515, parágrafo 3º, do CPC.
Em terceiro, é cabível o recurso de embargos de declaração, previsto no art. 48 da Lei nº 9.099. Em relação aos embargos, há uma incongruência legislativa quanto aos efeitos de sua interposição em relação ao curso do prazo. É que o art. 50 da Lei nº 9.099 estabelece que, quando interposto contra sentença, o efeito será suspensivo do prazo para a interposição de outro recurso. Assim, em sentido inverso, quando interposto contra acórdão de Turma Recursal, os embargos de declaração interromperão o prazo recursal. A incongruência se apresenta no tratamento diferenciado a questões idênticas. Na verdade, o tratamento diferenciado pode conduzir a dificuldades de assimilação por parte dos operadores.
Em quarto, a Lei nº 10.259 prevê pedido de uniformização de interpretação de lei federal (art. 14 da Lei nº 10.259/2001), em três modalidades de interposição. Em razão da complexidade do novo instrumento recursal, não há espaço para a sua abordagem detalhada em estudo sobre a parte geral dos recursos.
E, por último, o recurso extraordinário, a ser interposto segundo as regras do CPC aplicáveis ao procedimento ordinário. Quanto ao recurso especial, o art. 105, III, da CF de 1988 não prevê a possibilidade de sua interposição contra decisão proferida por turma recursal, mas apenas por Tribunais Regionais Federais ou Tribunais de Justiça dos Estados ou do Distrito Federal e Territórios. Assim, não há que se falar em recurso especial no âmbito dos Juizados.
4. Inexistência de reexame necessário
O Juizado Especial Cível estadual não admite como parte pessoas jurídicas de direito público (art. 8º da Lei 9.099). No JEF, no entanto, é possível que sejam rés a União, autarquias, fundações e empresas públicas federais (art. 6º, II, Lei nº 10.259). Segundo o art. 475 do CPC, União, autarquias e fundações têm direito ao reexame necessário, ou duplo grau obrigatório. É importante indagar, então, se o reexame necessário se aplica aos processos em curso no JEF. O art. 13 da lei nº 10.259 dá a solução: "Art. 13. Nas causas de que trata esta Lei, não haverá reexame necessário".
A finalidade é que, em havendo sentença contrária a um ente público, se dê fim ao processo automaticamente após a não apresentação de recurso, sem que seja necessária nova análise pela Turma Recursal. Adquire-se, com isso, economia de tempo.
5. Inexistência de prazo em dobro para recorrer
O art. 9º da Lei nº 10.259 impede a aplicação no JEF do art. 188 do CPC, que prevê o prazo em dobro para que as pessoas jurídicas de direito público interponham recurso. A Defensoria Pública da União também não dispõe de prazo em dobro para recorrer, nos termos do Enunciado nº 53 do FONAJEF: "Não há prazo em dobro para a Defensoria Pública no âmbito dos JEF’s".
6. Representação por advogado no segundo grau
Apesar de no JEF ser possível litigar em primeiro grau sem advogado, independentemente do valor da causa, desde que dentro do valor de alçada, a interposição de recurso exige a representação por advogado, conforme dispõe o art. 41, § 2°, da Lei n° 9.099.
Por analogia, para apresentar contra-razões deverá a parte igualmente se encontrar representada por advogado.
Nos Juizados Especiais, a teor do art. 55 da Lei nº 9.099, a condenação em honorários apenas ocorre em segundo grau. No entanto, a condenação em honorários no JEF só ocorrerá quando a parte vencedora haja apresentado contra-razões ao recurso inominado.
7. Fungibilidade recursal no JEF
Apesar de ser possível em tese, acredito ser impossível, na prática, a sua aplicação no JEF. Explico. A aplicação da fungibilidade recursal exige (i) dúvida objetiva sobre qual recurso a ser interposto, (ii) inexistência de erro grosseiro e (iii) atendimento dos requisitos e do prazo para a interposição do recurso tido como o correto.
Ante as características dos recursos interpostos no âmbito do JEF e a clareza quanto à definição dos casos de sua interposição, não se revela possível a aplicação da fungibilidade.
Ou seja, não seria possível receber como recurso extraordinário um recurso inominado. Além do pré-questionamento e da matéria constitucional que se exige para o recurso extraordinário, o recurso inominado só é cabível contra decisão de juiz de primeiro grau. Também não seria factível receber como pedido de uniformização um recurso inominado, e assim por diante.
8. Preparo do recurso
O preparo dos recursos no JEF deve ser feito nas 48 horas seguintes à interposição, por aplicação analógica do art. 42, parágrafo 1º, da Lei nº 9.099/1995.
As pessoas jurídicas de direito público têm isenção quanto ao pagamento do preparo. O mesmo ocorre com aqueles que se declaram pobres para arcar com os custos do processo.
Na prática, no entanto, em algumas Seções Judiciárias Federais, entre as quais se insere a do Estado de Pernambuco, não têm exigido o preparo para a interposição de recursos.
Entretanto, está claro que as Seções Judiciárias não poderiam estabelecer uma isenção sem fundamento em lei, a teor do art. 176 do Código Tributário Nacional [01]. É importante ressaltar que a omissão na cobrança do preparo, além de importar em prejuízo para o Erário, pode provocar a banalização da interposição de recursos.
Questão importante a ser trazida à discussão é se, no âmbito dos Juizados, as pessoas jurídicas de direito público devem gozar de isenção quanto ao pagamento de preparo ou se tal isenção propiciaria recorribilidade irresponsável.
9. Efeitos decorrentes do recebimento do recurso
Segundo o art. 43 da Lei nº 9.099, o recurso terá apenas o efeito devolutivo, sendo viável, portanto, a execução da obrigação de fazer estabelecida na sentença ainda na pendência de apreciação de recurso pela Turma Recursal.
Na prática, em razão da celeridade dos processos do JEF, o que se nota, ao menos na Seção Judiciária do Estado de Pernambuco, é que os recursos interpostos pelas pessoas jurídicas de direito público acabam por obter informalmente o efeito suspensivo da sentença. É que, como os recursos são julgados rapidamente pela Turma Recursal, não se executa a obrigação de fazer estabelecida na sentença antes do trânsito em julgado, a não ser quando há a concessão de medida liminar ou de antecipação da tutela no curso do processo ou no corpo da sentença.
Recentemente, o Forum Nacional dos Juizados Especiais Federais – FONAJEF editou o enunciado de n° 61, com o seguinte teor, que, no meu entender, viola o art. 43 da Lei nº 9.099: "O recurso será recebido no duplo efeito, salvo em caso de antecipação de tutela ou medida cautelar de urgência".
Nesse particular, ainda deve-se dizer que apenas as obrigações de fazer podem ser cumpridas anteriormente ao trânsito em julgado da decisão judicial. As obrigações de pagar valores atrasados impostas aos entes públicos apenas podem ser cumpridas com fundamento em decisão judicial transitada em julgado, o que se dará por meio de precatório ou requisição de pequeno valor, nos termos do art. 100, § 1º, da CF/88.
10. Fundamentação do acórdão proferido pela Turma Recursal
O art. 46 da Lei nº 9.099 estabelece que a fundamentação do acórdão proferido pela Turma Recursal pode ser sucinta e, ainda, que a sentença pode ser confirmada "pelos próprios fundamentos". [02]
A prática de confirmar a sentença "pelos próprios fundamentos" é inadequada, eis que as alegações recursais precisam ser expressamente analisadas pela Turma Recursal. É que, para se garantir o devido processo legal, não basta abrir a via recursal; é necessário considerar e, conforme o caso, rechaçar ou acolher as alegações recursais.
A par disso, a prática de manter a sentença "pelos próprios fundamentos", no âmbito do JEF, pode conduzir a algumas perplexidades.
Uma delas se refere à interposição do pedido de uniformização. A interposição do pedido de uniformização exige que o acórdão recorrido haja divergido de decisão proferida por outra turma ou pelo Superior Tribunal de Justiça, veiculando expressamente tese contrária à acolhida. Ou seja, é necessário o requisito do pré-questionamento para se interpor o pedido de uniformização, conforme estabelecido na Questão de Ordem nº 10 da Turma Nacional de Uniformização [03]. A mesma consideração se aplica à interposição do RE.
Ora, se o acórdão recorrido houver mantido a sentença "pelos próprios fundamentos", será necessário que a parte invariavelmente oponha embargos de declaração para obter o pré-questionamento.
Ou seja, em vez de agilizar o processo, a prática de manter a sentença "pelos próprios fundamentos" apenas terá o efeito de retardar seu andamento.
11. Inviabilidade de interposição de recurso pelo terceiro prejudicado
Como o recurso de terceiro prejudicado é uma modalidade de intervenção de terceiro e esta modalidade de participação processual encontra-se vedada no âmbito dos Juizados Especiais, em vista do art. 10 da Lei nº 9.099/1995, conclui-se que não é possível o recurso de terceiro prejudicado no rito do JEF.
12. Controle de admissibilidade dos recursos
Em relação ao recurso inominado, o juiz de primeiro grau realizará o controle de admissibilidade (tempestividade, preparo, legitimidade, interesse recursal) do recurso após a interposição, inclusive verificando o pagamento do preparo. Nada obstante, a Turma Recursal também realizará o mesmo controle de admissibilidade ao receber o recurso.
O recurso contra as decisões interlocutórias deve ser interposto diretamente perante a Turma Recursal, que controlará a sua admissibilidade com exclusividade.
O pedido de uniformização interposto, como se verá melhor no tópico específico, tem sua admissibilidade analisada pelo Presidente da Turma Recursal ou pelo Coordenador da Turma Nacional de Uniformização, a depender perante qual órgão tenha sido interposto. Sem embargo, uma vez admitido o recurso e enviado para o órgão julgador (TNU ou STJ), será feita nova análise de admissibilidade.
O recurso extraordinário é interposto perante a Turma Recursal e tem sua admissibilidade analisada pelo respectivo Presidente. Recebendo o recurso extraordinário, o STF faz novo juízo de admissibilidade. Caso o Presidente da Turma Recursal não admita o recurso extraordinário, é possível a interposição de agravo de instrumento para o Supremo Tribunal Federal. Segundo o Enunciado do FONAJEF de nº 31, "o recurso de agravo interposto contra decisão que nega seguimento a recurso extraordinário pode ser processado nos próprios autos principais, dispensando-se a formação de instrumento no âmbito das Turmas Recursais".
13. Análise crítica
A análise dos recursos cabíveis no âmbito do JEF atesta que não existe diferença substancial em relação às regras aplicáveis aos recursos no procedimento ordinário.
Deve-se atentar que, no procedimento ordinário, após o acórdão do Tribunal, são cabíveis, em regra, recurso especial e recurso extraordinário, que possuem um trâmite bastante demorado em razão da sobrecarga imposta ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal, respectivamente.
No âmbito do JEF, são cabíveis o pedido de uniformização (que possui três modalidades: PU Regional, PU Nacional e PU para o STJ), este equivalente ao recurso especial pela divergência jurisprudencial, e o recurso extraordinário, este último tal qual como interposto no procedimento ordinário. Ou seja, após a decisão proferida pela Turma Recursal, a demora que o processo sofrerá no julgamento do PU e do RE será basicamente a mesma daquela enfrentada no procedimento ordinário.
Ou seja, em vez de se elaborar modelo recursal adaptado às necessidades do JEF, tentou-se importar o modelo recursal do procedimento ordinário, com pequenas alterações, e, assim, com todas as suas vicissitudes.
A impressão que se tem, então, em relação ao tempo do processo no JEF, é a seguinte: o processo poderá ter um trâmite rápido no primeiro e segundo graus, mas a partir da interposição dos recursos excepcionais (PU e RE), ter-se-á um trâmite – e decurso temporal, principalmente – praticamente igual ao que se tem no procedimento ordinário.
Assim, uma conclusão que se pode extrair em relação ao sistema recursal é o seu completo descompasso em relação aos princípios inspiradores do JEF.
Bibliografia
DIDIER JÚNIOR, Fredie, CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. Salvador: Edições Podium, 2007.
FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Manual dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais e Federais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006.
NOBRE JÚNIOR, Edílson Pereira. Solução alternativa de conflito e os juizados especiais. In: R. CEJ, Brasília, n. 17, p. 00-00, abr./jun. 2002. Disponível em: http://daleth.cjf.jus.br/revista/numero17/painel45.pdf. Acesso em 22.04.2008.
SOUSA, Álvaro Couri Antunes. Juizados Especiais Federais Cíveis: aspectos relevantes e o sistema recursal da Lei nº 10.259. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
Notas
01 "Art. 176. A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração".
02 "Art. 46. O julgamento em segunda instância constará apenas da ata, com a indicação suficiente do processo, fundamentação sucinta e parte dispositiva. Se a sentença for confirmada pelos próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de acórdão".
03 "Não cabe o incidente de uniformização quando a parte que o deduz apresenta tese jurídica inovadora, não ventilada nas fases anteriores do processo e sobre a qual não se pronunciou expressamente a Turma Recursal no acórdão recorrido".