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Direito de greve no serviço público e paridade de armas como forma de efetivação do direito fundamental à greve

28/04/2008 às 00:00
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INTRODUÇÃO:

O presente estudo pretende demonstrar a importância do princípio da paridade de forças, que deve nortear a relação entre o grevista e seu empregador.

Para tanto, vislumbraremos os efeitos da paralisação nos serviços públicos e privados, apontando uma sensível distinção entre eles.


GREVE COMO DIREITO FUNDAMENTAL:

Originariamente a greve seria uma modalidade de autotutela [01], de coerção coletiva, sendo inerente a dominação de vontade de um sujeito sobre o outro.

Ocorre que os ordenamentos democráticos conferiram à greve a condição de direito fundamental, dando-lhe uma feição de maior civilidade, uma vez que o uso da coerção passa a não ser o único meio empregado [02].

Pela Magna Carta de 1988, a greve tem natureza de um direito fundamental de caráter coletivo. Não possui valor absoluto; por outro lado, tampouco pode ter seu conteúdo esvaziado [03].

Nessa esteira, o interesse público do cidadão abranda a amplitude do direito à greve quando estão em jogo os serviços essenciais, conforme previsto na Magna Carta, em seu artigo. 9º, parágrafo 1º [04].


A GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO E A DECISÃO DO STF

Desde a promulgação da Carta Magna, os Tribunais entendiam que a norma que prevê o direito de greve aos servidores públicos (art. 37, VII da CRFB [05]) não tinha aplicabilidade imediata, não obstante o reconhecimento da mora legislativa.

Veja que esse entendimento esvaziava o direito fundamental de greve no serviço público, o que vai de encontro à eficácia plena que todo direito fundamental deveria merecer.

Em recente decisão, o Supremo Tribunal Federal estendeu aos servidores públicos o direito de greve, ante a omissão legislativa, devendo, para tanto, ser aplicada a lei que versa sobre o regime contratual puramente privado, no que couber [06].

A expressão "no que couber" deixa claro que há especificidades no serviço público que impedem a plena aplicação da lei de greve que rege os contratos de trabalhos regulados exclusivamente pela CLT.


GREVE EM UM ESTADO DEMOCRÁTICO, DESCONTO DE DIAS PARADOS E ÔNUS IMEDIATO.

Nessa linha, o servidor público, quando do exercício do direito de greve, está lutando contra o Estado, ente muito mais forte que qualquer empresa, ainda que se trate de uma multinacional. Daí segue que, ante a omissão legislativa, cabe ao judiciário equalizar a questão da paridade de forças entre as parte negociantes, senão vejamos, numa breve comparação:

Ao empregado regido exclusivamente pela CLT, a greve é tida como suspensão do contrato de trabalho, com o conseqüente desconto de salários.

Veja que, se de um lado o patrão tem prejuízos com a paralisação dos seus empregados, eis que interrompida ou prejudicada fica sua produção, o mesmo ocorre com o empregado que tem o seu ponto cortado, além de sofrer alguns ônus.

Nesse caso, fica claro que o direito fundamental de greve está sendo respeitado, posto que há um certo equilíbrio de forças entre o grevista e seu empregador, o que gerará a abertura do caminho para a negociação, que é a finalidade da greve.

No que tange à greve no serviço público, a questão da paridade de forças, que deve nortear o espírito da greve, é mais complexa do que na relação puramente privada.

Com efeito, sendo o ente federativo a figura do empregador, há uma presumida disparidade de forças entre as partes discordantes, já que o Estado, devido à sua magnitude, poderá se socorrer por outros meios, para que não seja afetado a ponto de ter que negociar com o empregado grevista.

Em outras palavras, no regime privado, o ônus suportado pelo empregado é proporcional ao ônus suportado pelo empregador: aquele tem seu salário suspenso durante os dias sem trabalhar; este, o prejuízo pela paralisação de sua produção, não auferindo lucros, que é a razão única de sua existência.

Veja que os reflexos são imediatos tanto para o empregado como para o empregador.

No serviço público, os reflexos da greve podem atingir o empregador (Estado) de forma mediata, como no caso da greve dos advogados públicos, que integram os órgãos essências à justiça, pois a eventual perda de um prazo em favor da União gerará efeitos tão somente para o futuro.

Veja ainda que, caso se tratem de serviços essenciais, um mínimo de 30% do contingente deverá trabalhar na forma de rodízio, para evitar prejuízos maiores, quer ao Estado, quer à população.

Já para o empregado público, a greve terá efeitos imediatos, dentre eles a não percepção de seu salário.

Nessa linha, haverá uma grande desigualdade de forças caso o salário do empregado seja cortado durante a greve, eis que o Estado tem mecanismos de sobrevivência durante o movimento (o Estado, ao contrário de uma empresa, não quebra), podendo, inclusive, postergar uma negociação até o ponto dos empregados públicos em greve não poderem mais manter o movimento grevista, em razão da perda de seus rendimentos e, conseqüentemente, de seu sustento.

Na esteira dos princípios que regem o direito à greve, Amauri Mascaro [07] assevera que:

A doutrina alemã constituiu diversos princípios gerais relativos aos conflitos coletivos, entre os quais o princípio da Waffeeengleichheit Kampfparitat (paridade de armas) (...)

Segundo a fundamentação de cada principio, a greve pode ser considerada como um meio de combate simétrico e paralelo entre duas partes sociais (...)

No que tange aos descontos aos servidores públicos dos dias sem trabalhar e suas desastrosas conseqüências, trazemos à colação as palavras do Ministro Marco Aurélio, quando da decisão na SS nº 2.061, verbis

Assentado o caráter de direito natural da greve, há de se impedir práticas que acabem por negá-lo. É de se concluir que, na supressão, embora temporária, da fonte do sustento do trabalhador e daqueles que dele dependem, tem-se feroz radicalização, com resultados previsíveis, porquanto, a partir da força, inviabiliza-se qualquer movimento, surgindo o paradoxo: de um lado, a Constituição republicana e democrática de 1988 assegura o direito à paralisação dos serviços como derradeiro recurso contra o arbítrio, a exploração do homem pelo homem, a exploração do homem pelo Estado; de outro, o detentor do poder o exacerba, desequilibrando, em nefasto procedimento, a frágil equação apanhada pela greve.

Por fim, cabe ressaltar que, como estamos num regime democrático, devem prevalecer a negociação, o equilíbrio de forças, e não a imposição da vontade pelo uso da força, quer física quer política, que é característica de um estado despótico, na esteira do pensamento de Bobbio, in verbis:

A diferença fundamental entre as duas formas antitéticas de regime político, entre a democracia e a ditadura, está no fato de que somente num regime democrático as relações de mera força que subsistem, e não podem deixar de subsistir onde não existe Estado ou existe um Estado despótico fundado sobre o direito do mais forte, são transformadas em relações de direito, ou seja, em relações reguladas por normas gerais, certas e constantes, e, o que mais conta, preestabelecidas, de tal forma que não podem valer nunca retroativamente. A conseqüência principal dessa transformação é que nas relações entre cidadãos e Estado, ou entre cidadãos entre si, o direito de guerra fundado sobre a autotutela e sobre a máxima ‘Tem razão quem vence’ é substituído pelo direito de paz fundado sobre a heterotutela e sobre a máxima ‘Vence quem tem razão’; e o direito público externo, que se rege pela supremacia da força, é substituído pelo direito público interno, inspirado no princípio da ‘supremacia da lei’ (rule of law). (BOBBIO, Norberto. As Ideologias e o Poder em Crise, p.p. 97-98)


CONCLUSÃO

Enquanto não há norma regulamentando de forma específica o direito de greve no serviço público, cabe ao Judiciário dirimir eventuais conflitos entre as partes discordantes, ponderando, no caso concreto, se o desconto dos dias parados irá fulminar ou não o direito fundamental à greve.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BOBBIO, Norberto. As Ideologias e o Poder em Crise.

DELGADO, Maurício Godinho, Curso de Direito do Trabalho, 4ª , LTR editora, 2005.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro, Curso de Direito do Trabalho. Saraiva, 17 ed, 2001, p. 891


Notas

01 Em apertada síntese, autotutela é fazer justiça pelas próprias mãos.

02 DELGADO, Maurício Godinho, Curso de Direito do Trabalho, 4ª Ed. LTR editora, 2005, P. 1434,

03 Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

04 § 1º - A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

A Lei nº 7.783-89, aplicada por analogia ao serviço público, em seu art.10, informa sobre o que se entende por serviço essencial.

Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais:

I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;

II - assistência médica e hospitalar;

III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;

IV - funerários;

V - transporte coletivo;

VI - captação e tratamento de esgoto e lixo;

VII - telecomunicações;

VIII - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;

IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais;

X - controle de tráfego aéreo;

XI compensação bancária.

E completa, eu seu art. 11, e parágrafo único:

Art. 11. Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

Parágrafo único. São necessidades inadiáveis, da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

(...)

VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

05 Ao concluir o julgamento do MI nº670, deliberou o Eg. STF, verbis:

"Decisão: O Tribunal, por maioria, conheceu do mandado de injunção e propôs a solução para a omissão legislativa com a aplicação da Lei nº 7.783, de 28 de junho de 1989, no que couber, vencidos, em parte, o Senhor Ministro Maurício Corrêa (Relator), que conhecia apenas para certificar a mora do Congresso Nacional, e os Senhores Ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, que limitavam a decisão à categoria representada pelo sindicato e estabeleciam condições específicas para o exercício das paralisações. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie. Lavrará o acórdão o Senhor Ministro Gilmar Mendes. Não votaram os Senhores Ministros Menezes Direito e Eros Grau por sucederem, respectivamente, aos Senhores Ministros Sepúlveda Pertence e Maurício Corrêa, que proferiram voto anteriormente. Ausente, justificadamente, a Senhora Ministra Cármen Lúcia, com voto proferido em assentada anterior. Plenário, 25.10.2007.

06 NASCIMENTO, Amauri Mascaro, Curso de Direito do Trabalho. Saraiva, 17 ed, 2001, p. 891.

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Sobre o autor
Claudio Geoffroy Granzotto

advogado da União no Rio de Janeiro (RJ), especialista em Direito Penal e Processo penal pela UERJ

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GRANZOTTO, Claudio Geoffroy. Direito de greve no serviço público e paridade de armas como forma de efetivação do direito fundamental à greve. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1762, 28 abr. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11201. Acesso em: 22 dez. 2024.

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