“Proteggere la minoranza nelle società quotate significa proteggere il mercato finanziario.” 1
(Mario Compobasso)
1. Conceito de acionista controlador 2
1. O poder de domínio nas sociedades anônimas, no regime do Decreto-Lei nº 2.627/1940, era baseado no princípio majoritário, um critério meramente quantitativo: ditava os rumos da companhia e norteava a atuação dos administradores, o acionista proprietário do maior número de ações com direito de voto, chamado “acionista majoritário”; os demais, denominados “acionistas minoritários”, subdividiam-se em “minoritários propriamente dito” e “preferencialistas sem direito de voto”.
2. Na atual Lei de Sociedades por Ações (LSA), o critério é qualitativo: governa a empresa, o acionista, “pessoa natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum” (LSA, art. 116, caput), que “é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos na assembleia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia” (LSA, art. 116, (a)), e “usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia” (LSA, art. 116, (b)), intitulado “acionista controlador”; os demais, proprietários de frações do capital social de uma sociedade empresarial fechada, em geral de poucos sócios ou acionistas,3 ou dispersos em uma companhia aberta (LSA, art. 4º), mesmo que possuidores da maioria do capital votante, são considerados “acionistas minoritários”. 4
3. A propósito, a RBACEN nº. 401/1976, revogada pela RBACEN nº 2.927/2002, dispunha: “IV - Na companhia cujo controle é exercido por pessoa, ou grupo de pessoas, que não é titular de ações que asseguram a maioria absoluta dos votos do capital social, considera-se acionista controlador, para os efeitos desta Resolução, a pessoa, ou o grupo de pessoas, vinculadas por acordo de acionistas, ou sob controle comum, que é titular de ações que lhe asseguram a maioria absoluta dos votos dos acionistas presentes nas três últimas Assembleias Gerais da companhia.”
4. A RCVM nº 85/2022 estatui: “Art. 3º Para os efeitos desta Resolução, entende-se por: I – acionista controlador: a pessoa, natural ou jurídica, fundo ou universalidade de direitos ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, direto ou indireto, que: a) seja titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e b) use efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia.”
5. O Regulamento do Novo Mercado (RNM), art. 37, §1°, esclarece: “(...) entende-se por controle e seus termos correlatos o poder efetivamente utilizado por acionista de dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia, de forma direta ou indireta, de fato ou de direito, independentemente da participação acionária detida.”
6. Com fundamento na RCVM nº 85/2022, no RNM e na doutrina de consagrados mestres, entre os quais destaco, em ordem alfabética, Alfredo Lamy Filho, Fábio Konder Comparato, J. L. Bulhões Pedreira e Modesto Carvalhosa, recuso-me a qualificar o “trio”, como os acionistas controladores da Americanas são chamados no mercado, de “acionistas de referência”,5 porque:
6.1. há décadas, eles detêm, contínua e ininterruptamente, sem oposição ou contestação, judicial ou extrajudicial, o poder de mando, o poder absoluto e incontrastável, na Companhia;
6.2. desde 1986, eles exercem o “poder supremo”,6 o “poder soberano”7, de “eleger a maioria dos administradores” e sempre, e sempre, e sempre, o usaram “para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia”.
7. Quer à luz da LSA e da RCVM nº 85/2022, que se referem ao exercício do controle de modo permanente; da RBACEN nº. 401/1976, que se contentava com maioria absoluta dos votos dos acionistas presentes nas três últimas assembleias gerais da companhia; do RNM, que classifica como controlador o acionista que dirige a empresa “independentemente da participação acionária detida”, e das lições das maiores autoridades na matéria, o “trio”, através de sociedades subsidiárias no exterior,8 detinha e exercia o controle9 minoritário conjunto ou por associação da Americanas, não apenas de direito, mas, indubitavelmente, de fato, qualquer que seja a fórmula adotada.
2. Consequências do aumento do capital da Americanas
8. Em março deste ano, no artigo Insolvência e Recuperação Judicial da Americanas, publicado em vários sites, discorri sobre a alta probabilidade de a B3 vir a ser inundada com a oferta - a preço irrisório vis-à-vis aos R$ 121,00, cotação da ação há quatro anos – de 9.369.000.523 de novas ações ordinárias de propriedade de bancos comerciais e de investimentos, alguns denominados “credores apoiadores”, os quais interferiram, com “mão de ferro” sem “luva de veludo”, na elaboração do projeto de plano de recuperação.
9. Utilizei-me do vocábulo probabilidade, adjetivado com a palavra alta, embora quisesse dizer certeza, com base na minha experiência dos nefastos efeitos que podem advir de um processo judicial contencioso de reorganização da gestão administrativa, saneamento financeiro e reestruturação econômica e dos departamentos de vendas, operacional, publicidade, marketing, recursos humanos, suporte ao cliente, governança corporativa10 e compliance, de uma empresa comercial “às portas da bancarrota,”11 literalmente “bancarrota”, isto é, falência decorrente de burla, embuste, artimanha, desonestidade, em cujo processo os credores mandam, desmandam e inculcam no devedor a sua despótica vontade (afinal, deles depende o sucesso da recuperação!).
10. “Não deu outra”: homologado, parcialmente, em 25/07/2024, o aumento do capital e a emissão de ações, elas chegaram a ser negociadas a R$ 0,07 (sete centavos); após o agrupamento de 100 (cem) ações para 1 (uma), o preço girou em torno de R$ 7,00 (sete reais) – o que dá no mesmo -, e, frise-se, a participação dos minoritários no capital social e no capital votante caiu para 3.2%; se adotada a fórmula que sugeri, os minoritários continuariam a ter 69.9% do capital votante e passariam a ter 6.09% do capital social, o que lhes asseguraria o exercício dos direitos discriminados no número 20 infra.
3. Situações excepcionais exigem soluções excepcionais
11. A LSA limita a emissão de ações preferenciais sem direito de voto, ou com voto restrito, a 50% (cinquenta por cento) das ações em que se divide o capital da sociedade anônima, ex vi do §2º, do art. 15.12
12. Normas, como essa, podem – e devem -, excepcionalmente, ser flexibilizadas por motivos, causas, considerações, fatos, situações excepcionais em respeito ao princípio de justiça, 13 ou para atender ao interesse público e social, ou para evitar, ou reparar, graves lesões a direito alheio.
13. A surpreendente e catastrófica insolvência da lendária Americanas, que, há 95 anos, fornece, ininterruptamente, bens de primeiríssima necessidade a dezenas de milhões de consumidores em todo o país -, é uma situação excepcional, situação excepcional que exige uma solução excepcional.
14. Na falta de regra legal para dar solução a essa situação excepcional, os controladores deveriam ter usado o poder, que possuem e ninguém lhes nega, de, a um só tempo, “salvá-la” e, lealmente, preservar intactos os direitos políticos de seus milhares de acionistas minoritários (LSA, art. 116, par. único), cujas ações, repita-se à exaustão, em 07/08/2020, eram cotadas a R$ 121,00 (cento e vinte um reais), e, quatro anos depois, em agosto de 2024, a R$ 0.07 (sete centavos).
15. Em janeiro de 2023, a trágica debacle espantou, aturdiu, a todos – especialistas e leigos; especuladores e poupadores; arrojados e prudentes; “cobras criadas”14 e inocentes úteis -, porque, um ano antes, a assembleia geral ordinária de acionistas, realizada em 29/04/2022, aprovou o balanço patrimonial e as demonstrações financeiras do exercício social de 2021, deliberou a distribuição de juros sobre capital próprio no montante de mais de R$516 milhões e estabeleceu o limite anual global da remuneração dos administradores, para o exercício de 2022, corrigidos mensalmente pelo IGP-DI, em mais de R$ 65 milhões, um aumento superior a mais de 75% ao do exercício de 2021, conforme ata da AGO.
16. Em 11/01/2023, através de Fato Relevante, a Companhia informou haver encontrado inconsistências contábeis de valor superior a R$ 20 bilhões, e, em 13/06/2023, comunicou ao mercado que foram identificados atos delituosos continuados, descobertas reiteradas fraudes contábeis, e não meras e involuntárias inconsistências contábeis, elevando os prejuízos a mais de R$ 40 bilhões.15
17. No cumprimento do dever de proteger os direitos e garantir os interesses dos minoritários, os controladores – diante dessa calamitosa situação, da recuperação judicial e da obrigatoriedade de a Empresa elaborar um plano de reorganização - deveriam determinar aos administradores da Companhia que pleiteassem, à CVM, autorização para que o aumento do capital ultrapassasse o limite estabelecido na LSA para a emissão de ações preferenciais:16 a uma, por se tratar de situação excepcional, capitalizá-la era imprescindível para viabilizar o seu reerguimento, preservar mais de cem mil empregos diretos e indiretos,17 continuar a atender a mais de 45 milhões de clientes, manter o faturamento de cerca de R$ 35 bilhões anuais, recolher impostos aos cofres públicos; a duas, porque, anote-se, a manutenção do direito de voto dos minoritários na proporção de 69.9% iria restabelecer a credibilidade do mercado de valores mobiliários do país, aqui e no exterior, e mitigar os efeitos das omissões do BACEN (Lei nº 4.728/1965, arts. 2º, III, e 3º, VII), da BM&FBOVESPA (Reg. do Novo Mercado), da CVM (Lei nº 6.385/1976, art. 4º, caput, (b)) e dos auditores independentes, conforme detalhei no citado artigo, pags. 09/13.
4. Consequências para os minoritários se o aumento do capital social tivesse sido realizado através da emissão de ações preferenciais sem direito de voto
18. Se o aumento do capital tivesse sido realizado como propus em março de 2024, os acionistas minoritários18 estariam, hoje, – com certeza –, sob o aspecto financeiro, em melhor situação do que a péssima situação em que se encontram, e, - com absoluta certeza –, sob o aspecto do direito de voto, em muitíssimo melhor situação agora e no futuro.
19. Sob o aspecto financeiro, não teriam sido drasticamente diluídos como ordinaristas e as suas ações não teriam “virado pó”.
20. Sob o ponto de vista do poder de influência e fiscalização na Companhia,19 por manterem a posse de 69,9% das ações votantes, não obstante apenas 6.09% do capital social, ser-lhes-ia assegurado:
(a) o direito de requerer, aos administradores, a convocação de assembleia especial com a finalidade de determinar o valor da Companhia na hipótese referida no § 4º, do art. 4º, da LSA (LSA, art. 4º-A);20
-
(b) o direito de requerer, judicialmente, a exibição por inteiro dos livros da Companhia (LSA, art. 105, cc RCVM 70/2022, art. 2º);
(c) o direito de convocar a assembleia geral de acionistas (LSA, art. 123, par. único, (b) e (c), cc RCVM 70/2022, art. 2º);
(d) o direito de solicitar relação de endereço dos acionistas (LSA, art. 126, § 3º, cc RCVM 70/2022, art. 2º);
(e) o direito de exigir a adoção do processo do voto múltiplo na eleição do conselho de administração (LSA, art. 141, caput, cc RCVM nº 70/2022, art. 3º);
(f) o direito de eleger e destituir um membro e seu suplente do conselho de administração, em votação em separado (LSA, art. 141, § 4º, I, e decisão no Processo CVM nº 2005/5.664);
(g) o direito de exigir que os administradores da Companhia revelem à assembleia geral ordinária os atos e fatos discriminados na LSA, art. 157, §1º, (a) a (e), com destaque para a alínea (e): (que os administradores revelem) “quaisquer atos ou fatos relevantes nas atividades da companhia”;
(h) o direito de propor ação de responsabilidade civil contra administradores da Companhia, pelos prejuízos causados ao seu patrimônio (LSA, art. 159, § 4º, cc RCVM 70/2022, art. 2º);
(i) o direito de exigir a instalação do conselho fiscal (LSA, art. 161, § 2º, cc RCVM nº 70/2022, art. 4º);
(j) o direito de eleger um membro e respectivo suplente do conselho fiscal, em votação em separado (LSA, art. 161, § 4º, (a));
(k) o direito de exigir que o conselho fiscal forneça informações sobre matérias de sua competência (LSA, art. 163, § 6º, cc RCVM 70/2022, art. 2º);
(l) o direito de propor contra os controladores ação de reparação de danos causados à Companhia por atos praticados com infração ao disposto nos arts. 116. e 117 da LSA (LSA, art. 246, § 1º, (a), cc RCVM 70/2022, art. 2º).
2. Reitero que o minoritário da Americanas é, em sua maioria, um acionista rendeiro;21 faz, com moderação, investimentos defensivos para não perder dinheiro; adota estratégicas de longo prazo por almejar lucros medianos, porém constantes; não compra ações tipo “Grupo X”, nem adquire criptomoedas; não acredita em multimercados, venture capital, private equity, day trade, “operações estruturadas”, no dizer de Gordon Gekko, personagem interpretado por Michael Douglas no filme Wall Street: poder e cobiça, uma complexa “sopa de letrinhas”; não se interessa por open finance, open capital market e plataformas de equity crowdfunding, enfim, é um poupador que confia em companhias tradicionais, sinônimo de seguras, prósperas e resilientes a períodos de inflação, estagflação, recessão, maxidesvalorizações da moeda; à volatilidade dos mercados de ações e de câmbio e à redução de linhas de crédito pelo sistema bancário nacional e internacional; às consequências de planos econômicos, v.g., Bresser, Cruzado, Verão, Collor I e II, epidemias, golpes de estado, renúncias e impeachments de presidentes.22
22. Sabe-se, agora, que centenas de fundos de pensão, milhares de pessoas jurídicas e quase cento e cinquenta mil pessoas físicas foram prejudicados por uma constante e desmesurada fraude; pela prática sorrateira e criminosa de adulterar a escrituração contábil e manipular os resultados operacionais da Empresa, os quais, refletidos no balanço patrimonial e nas demonstrações financeiras, transformaram lucros bilionários em bilionários prejuízos, propiciaram a distribuição de lucros inexistentes e permitiram um aumento da remuneração dos administradores em mais de 75% para uso e gozo no exercício de 2022.
5. Os controladores têm o dever ético, moral23 e fiduciário de lealmente respeitar e atender aos direitos e interesses dos minoritários (LSA, art. 116, par. único)
23. Consciente de que a aprovação da proposta de plano, impingida pelos “credores apoiadores” ao conselho de administração e à diretoria da Companhia, seria um desastre para os minoritários, vítimas inocentes de um artifício análogo a um “esquema de pirâmide”, afirmei - e agora enfatizo - que os acionistas de comando tinham o dever moral de não a deixar “ir à garra”.
24. Além do dever moral 24 , tinham o dever fiduciário 25 de incluírem, no projeto de plano de recuperação, cláusulas prevendo aumentar o capital através de ações preferenciais e a conversão de créditos em debentures, e aprovarem, em assembleia geral extraordinária de acionistas, a emissão de ações preferenciais, para serem por eles subscritas, e da conversão de créditos em debêntures.
25. Tinham o dever moral e o dever fiduciário por culpa in elegendo, eis que selecionaram, elegeram e reelegeram, anos após ano, AGO após AGO, constante e incansavelmente, administradores não confiáveis,26 que deveriam agir em prol do melhor equilíbrio entre os interesses dos acionistas, empregados, fornecedores, financiadores, consumidores e da comunidade.27
26. Para honrar o dever moral e o dever fiduciário, próprios de sua notória condição de controladores, a subscrição das novas ações deveria ter sido realizada da forma seguinte: emissão particular de ações preferenciais sem direito de voto (LSA, art. 17, § 2º) não conversíveis em ordinárias (LSA, art. 19) com prioridade no recebimento de dividendo, fixo ou mínimo, compatível com a precaríssima situação da Companhia, não cumulativo (LSA, art. 17, I); prioridade no reembolso do capital sem prêmio (LSA, art. 17, II); garantia de as ações preferenciais serem incluídas em oferta pública de alienação de controle, direta ou indiretamente, por meio de uma única operação ou de operações sucessivas, de modo a lhes assegurar preço igual a 80% do valor pago por ação ordinária (LSA, art. 17, § 1º, III); a aquisição do direito de voto por falta de pagamento (LSA, art. 111, § 1º) passaria a vigorar somente após 5 (cinco) anos do término da recuperação judicial, renovável por mais 5 (cinco) anos, se necessário (LSA, art. 111, § 3º, aplicável por extensão analógica).