No dia 13 de dezembro de 2007, foi publicada no Diário
Oficial da União, Seção 2, página 2, segunda coluna, a Portaria nº
1.663, de 12 de dezembro de 2007, do Advogado-Geral da União, aplicando a
penalidade de DEMISSÃO ao Procurador da Fazenda Nacional Glênio Sabbad Guedes,
SIAPE 0154209, bem como outras portarias com outras penalidades inferiores
referentes ao mesmo Procurador.
2.De início, fiquei na dúvida se o ato de DEMISSÃO de
Procurador da Fazenda Nacional não necessitava de uma Portaria Conjunta, do
Ministro de Estado da Fazenda e do Advogado-Geral da União, visto que na
Nomeação e na Promoção de Procuradores da Fazenda Nacional são publicadas
Portarias Conjuntas ou Interministeriais (por exemplo, a Portaria Conjunta nº
5, de 28 de junho de 2000, que nomeou os candidatos aprovados no Concurso
Público de 1998/2000; a Portaria Conjunta nº 6, de 26 de
julho de 2000, que lotou os candidatos nomeados no referido concurso público; a
Portaria Interministerial nº 24, de 27 de junho de 2006, que
efetuou a promoção dos Procuradores da Fazenda Nacional; a Portaria
Interministerial nº 290, de 28 de novembro de 2007, que
também efetuou promoção dos Procuradores da Fazenda Nacional).
3. Depois, dia 19 de dezembro de 2007, mantive contato telefônico com o Presidente do SINPROFAZ, Dr. João Carlos Souto, e com o Corregedor-Geral da Advocacia da União, Dr. Aldemário Araujo Castro, informando-os do questionamento surgido em face do referido ato de Demissão, sendo que o DD. Corregedor-Geral ficou de analisar o assunto.
4. Consoantemente, fiz uma pesquisa na legislação vigente, para ver a regularidade do ato administrativo de Demissão, assinado pelo Advogado-Geral da União. Vejamos.
5. O art. 4º, inciso XV, da Lei
Complementar nº 73, de 1993 (Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União),
estabelece:
"Art. 4º - São atribuições do Advogado-Geral da União:
.......................................................................................
XV - proferir decisão nas sindicâncias e nos processos administrativos disciplinares promovidos pela Corregedoria-Geral e aplicar penalidades, salvo a de demissão;"
6. O Parágrafo único do art. 84, da Constituição Federal de 1988, dispõe que o Presidente da República poderá delegar as atribuições mencionadas nos incisos VI, XII e XXV, primeira parte, aos Ministros de Estado, ao Procurador-Geral da República ou ao Advogado-Geral da União, que observarão os limites traçados nas respectivas delegações. Cabe ressaltar que o inciso XXV, do art. 84, consagra a atribuição de "prover" os cargos públicos federais.
7. DE PLÁCIDO E SILVA (in "Vocabulário
Jurídico", 14ª edição, Editora Forense, p. 658)
ensina:
"PROVER. (...)
Prover. No sentido do Direito Administrativo, porém, traz o conceito de nomear, designar ou indicar alguém para ocupar cargo ou exercer ofício, por se encontrar o mesmo sem ocupante efetivo."
8. Assim, o ato de demissão não está incluído no termo "prover", não podendo tal ato ser delegado pelo Presidente da República, com base no citado parágrafo único do art. 84, da Constituição Federal de 1988.
9. O art. 26, da Lei Complementar nº 73, de 1993, assegura
aos membros da Advocacia-Geral da União os direitos previstos na Lei nº
8.112, de 1990:
"Art. 26. Os membros efetivos da Advocacia-Geral da União têm os direitos assegurados pela Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990; e nesta lei complementar."
10. O Art. 141, inciso I, da Lei nº 8.112,
de 1990 – Regime Jurídico Único do Servidor Público Federal (citado na
Portaria de Demissão) destina ao Presidente da República a atribuição de
aplicar a penalidade de DEMISSÃO do servidor:
"Art. 141. As penalidades disciplinares serão aplicadas:
I - pelo Presidente da República, pelos Presidentes das Casas do Poder Legislativo e dos Tribunais Federais e pelo Procurador-Geral da República, quando se tratar de demissão e cassação de aposentadoria ou disponibilidade de servidor vinculado ao respectivo Poder, órgão, ou entidade;"
11. O art. 143, § 3º, da Lei nº
8.112/1990, dispõe também que:
"Art. 143. A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.
...............................................................................
§ 3º A apuração de que trata o caput, por solicitação da autoridade a que se refere, poderá ser promovida por autoridade de órgão ou entidade diverso daquele em que tenha ocorrido a irregularidade, mediante competência específica para tal finalidade, delegada em caráter permanente ou temporário pelo Presidente da República, pelos presidentes das Casas do Poder Legislativo e dos Tribunais Federais e pelo Procurador-Geral da República, no âmbito do respectivo Poder, órgão ou entidade, preservadas as competências para o julgamento que se seguir à apuração." (Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
12. O art. 12, da Lei Complementar nº 73, de 1993, estatui que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional é órgão administrativamente subordinado ao Ministro da Fazenda:
"Art. 12. À Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, órgão administrativamente subordinado ao titular do Ministério da Fazenda, compete especialmente:"
13. O Decreto nº 3.035, de 27 de abril de
1999 (que também consta na mencionada Portaria de DEMISSÃO), consagra a
delegação de poderes pelo Presidente da República:
"Art. 1º Fica delegada competência aos Ministros de Estado e ao Advogado-Geral da União, vedada a subdelegação, para, no âmbito dos órgãos da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional que lhes são subordinados ou vinculados, observadas as disposições legais e regulamentares, especialmente a manifestação prévia e indispensável do órgão de assessoramento jurídico, praticar os seguintes atos:
I - julgar processos administrativos disciplinares e aplicar penalidades, nas hipóteses de demissão e cassação de aposentadoria ou disponibilidade de servidores;"
14.Como demonstrado no item 2, os atos administrativos referentes ao provimento e promoção na carreira de Procurador da Fazenda Nacional resultam de ato complexo do Ministro de Estado da Fazenda e do Advogado-Geral da União.
15. Diante desta sistemática, vem o questionamento: se para o provimento dos cargos é necessário um ato complexo, pode a demissão ser efetuada por um ato simples do Advogado-Geral da União?
16. Mais ainda, se o ato administrativo de demissão resulta
de delegação do Presidente da República, é válida tal delegação em face
da ressalva prevista no art. 4º, inciso XV, parte final, da
Lei Complementar nº 73, de 1993?
17. Ainda que se argumente que o Superior Tribunal de
Justiça julgou nulo o ato de demissão de Procurador da Fazenda Nacional
efetivado pelo Ministro da Fazenda (Mandado de Segurança nº
10.908, Relator Ministro Felix Fischer, Terceira Seção, julgado dia 10 de maio
de 2006), cabe ressaltar que o fez por entender que a competência para realizar
o processo disciplinar contra os Procuradores da Fazenda Nacional é da
Corregedoria-Geral da Advocacia da União:
"MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. PROCURADOR DA FAZENDA NACIONAL. INSTAURAÇÃO. CORREGEDORIA-GERAL DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO.
I- Nos termos do art. 2º, I, 'b' e § 5º, c/c art. 5º, VI da Lei Complementar nº 73/93 compete à Corregedoria-Geral da Advocacia-Geral da União a instauração de processo administrativo disciplinar contra os membros da Advocacia-Geral da União, dentre os quais se incluem os Procuradores da Fazenda Nacional.
II - Ilegalidade do inciso V do art. 49 do Regimento Interno da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional no ponto em que admite a instauração pelo Procurador-Geral da Fazenda Nacional de processo administrativo disciplinar contra Procuradores da Fazenda Nacional.
Segurança concedida para declarar a nulidade do processo administrativo disciplinar e determinar a reintegração do impetrante no cargo, sem prejuízo da instauração de novo processo para apuração das irregularidades que motivaram a demissão do impetrante."
(MS 10.908/DF, Rel. Ministro FELIX FISCHER, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 10.05.2006, DJ 06.11.2006 p. 300)
18.No meu entendimento, apesar da delegação prevista no
Decreto nº 3.035, de 1999, a Lei Complementar nº 73, de 1993,
restringe as atribuições do Advogado-Geral da União ao não permitir que ele
aplique a pena de DEMISSÃO aos membros da Advocacia-Geral da União (art. 4º,
inciso XV, parte final).
19. A delegação do Presidente República ao
Advogado-Geral da União, previsto no art. 1º, do Decreto nº
3.035, de 1999, se aplica aos servidores da Advocacia-Geral da União, mas
em face do art. 4º, inciso XV, parte final, não se aplica
aos membros da Advocacia-Geral da União (Advogados da União, Procurador da
Fazenda Nacional e Procuradores Federais).
20. Ainda que se compreenda regular a delegação prevista no
Decreto nº 3.035, de 1999, quanto aos Procuradores da Fazenda
Nacional o ato de DEMISSÃO deve ser complexo, ou seja, deve ser uma Portaria
Conjunta ou Interministerial, como demonstrado no item 2.
21.Compreendo que para que não enseje em nenhum
questionamento administrativo ou judicial, que o ato de Demissão de
Procurador da Fazenda Nacional deve ser efetuado pelo Presidente da República,
como previsto no art. 141, inciso I, da Lei nº 8.112/1990, em
face da ressalva do art. 4º, inciso XV, parte final, da Lei
Complementar nº 73, de 1993.
22. Assim, deve ser editada nova Portaria, assinada pelo
Presidente da República, com base no art. 141, inciso I, da Lei nº
8.112, de 1990; ou, no mínimo, uma Portaria Interministerial, assinada pelo
Ministro de Estado da Fazenda e o Advogado-Geral da União, em face do art. 12,
da Lei Complementar nº 73, de 1993 e art. 1º, do Decreto nº
3.035, de 1999.
Brasília-DF, 20 de dezembro de 2007.
ANILDO FABIO DE ARAUJO
Procurador da Fazenda Nacional
OAB/DF 21.077
ADENDO:
23. A Lei Complementar Federal nº 73, de 1993 é posterior à Lei Federal nº 8.112, de 1990, fato que ensejou na vedação da parte final do art. 4º, inciso XV, da LC nº 73/1993 (LOAGU), pois os arts. 141 e 167, § 3º, da Lei nº 8.112/1990 destinam a demissão dos servidores federais civis do Poder Executivo ao Presidente da República.
24. Os arts. 12 e 13, da Lei Federal nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999 (Lei do Processo Administrativo) estabelecem:
"Art. 12. Um órgão administrativo e seu titular poderão, se não houver impedimento legal, delegar parte da sua competência a outros órgãos ou titulares, ainda que estes não lhe sejam hierarquicamente subordinados, quando for conveniente, em razão de circunstâncias de índole técnica, social, econômica, jurídica ou territorial.
Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo aplica-se à delegação de competência dos órgãos colegiados aos respectivos presidentes.
Art. 13. Não podem ser objeto de delegação:
I - a edição de atos de caráter normativo;
II - a decisão de recursos administrativos;
III - as matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade."
25. Diante da vedação da parte final do inciso XV, do art. 4º, da Lei Complementar nº 73, de 1993, a delegação prevista no Decreto Presidencial nº 3.035, de 27 de abril de 1999 (que é posterior à Lei Federal nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999), não se aplica aos Procuradores da Fazenda Nacional e demais membros da Advocacia-Geral da União (Advogados da União, Assistentes Jurídicos e cargos equivalentes, tais como Procurador Federal).
26.Cabe ressaltar que os precedentes alegados pela Advocacia-Geral da União (acórdãos do Superior Tribunal de Justiça, nos Mandados de Segurança nº 7.985, 7.024 e 7.275), para fundamentar a "regularidade" das Portarias do Advogado-Geral da União efetuando a Demissão de Procuradores da Fazenda Nacional e demais membros da Advocacia-Geral da União, são decorrentes de Portarias de demissão praticadas por outros Ministros (Ministro da Justiça e Ministro do Planejamento, Orçamento e Gestão), ou seja, os acórdãos não foram proferidos em face de Portarias do Advogado-Geral da União contra os advogados federais, que têm vedação legal, estabelecida em Lei Complementar Federal (LC nº 73/1993, art. 4º, inciso XV, parte final), sendo, portanto, inaplicáveis aos casos analisados neste estudo.
27. Por fim, o Superior Tribunal de Justiça, tribunal competente para análise dos Mandados de Segurança impetrados contra Ministro de Estado (art. 105, inciso I, letra "b", da Constituição Federal de 1988), inclusive o Advogado-Geral da União, que também possui status de Ministro de Estado, ainda não julgou o mérito do Mandado de Segurança nº 13.955 (impetrado por Procurador da Fazenda Nacional demitido por Portaria do Advogado-Geral da União), ou seja, o Superior Tribunal de Justiça ainda não analisou a situação específica dos membros da Advocacia-Geral da União, demitidos por Portarias do Advogado-Geral da União.
Brasília-DF, 02 de novembro de 2010.
ANILDO FABIO DE ARAUJO
Procurador da Fazenda Nacional – Categoria Especial
OAB/DF 21.077
ADENDO 2:
28. O Ministro Mauro Campbell Marques, do Superior Tribunal de Justiça, deferiu liminar no Mandado de Segurança nº 15.828, impetrado por Procurador da Fazenda Nacional demitido por Portaria do Advogado-Geral da União (Portaria nº 1.394, publicada no DOU, Seção 2, dia 17.09.2010, p. 2), determinando a suspensão dos efeitos da decisão (demissão) exarada pelo Advogado-Geral da União, com a conseqüente reintegração do impetrante ao cargo.
29. No Mandado de Segurança foi alegada a preliminar "de impossibilidade de demissão de Procurador da Fazenda por ato do Advogado-Geral da União por expressa previsão contida na LC 73/93, a qual não poderia ser derrogada pelo Decreto nº 3.035/1999".
30. Em sua decisão, o Ministro Mauro Campbell consignou que "também merece melhor análise a questão relacionada à efetiva competência do Advogado-Geral da União para impor pena de demissão do cargo de Procurador da Fazenda Nacional, em razão da expressa previsão contida na LC 73/93".
31. No dia 09 de dezembro de 2010, foi publicada no DOU, Seção 2, p. 2, a Portaria nº 1.751, do Advogado-Geral da União, suspendendo os efeitos da Portaria nº 1.394, de 16 de setembro de 2010, promovendo a reintegração, sub judice, do Procurador da Fazenda Nacional, em face de decisão judicial liminarmente proferida nos autos do Mandado de Segurança nº 15.828-DF, do Superior Tribunal de Justiça.
32. Com relação a hierarquia das normas, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que a Lei Complementar prevalece sobre o Decreto (REsp 926.011/DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, Rel. p/ Acórdão Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 11/11/2008, DJe 09/12/2008):
"RECURSO ESPECIAL. PROMOÇÃO DE MEMBRO DO MP FEDERAL CÔNJUGE DE OUTRO INTEGRANTE DO MESMO PARQUET, COM MUDANÇA DE SEDE FUNCIONAL. AJUDA DE CUSTO. ART. 227, I, "A" DA LC 95/73 DIVERGENTE COM O ART. 8o. DO DECRETO 1445/95. HIERARQUIA NORMATIVA. PRIMAZIA APLICATIVA DA NORMA COMPLEMENTAR SOBRE O DISPOSITIVO DE HIERARQUIA ADMINISTRATIVA. RECURSO PROVIDO, POR MAIORIA.
1. Com base no dogma da hierarquia normativa, cujas raízes lógicas e axiológicas remontam aos célebres trabalhos do notável jurista austríaco HANS KELSEN (1881-1973), os Juristas afirmam, sem discrepâncias de tomo, que a produção normatizadora da vida jurídica e social do País se faz por meio de autêntica escala de instrumentos reguladores, em sentido decrescente, a partir da Constituição: as emendas constitucionais, as leis complementares, as leis ordinárias, as medidas provisórias e dos decretos legislativos (art. 59 da CF).
2. Os Decretos Executivos, cuja categorização como autônomos não é aceita no sistema jurídico brasileiro, sequer integram o quadro dos instrumentos normativos previstos no processo legislativo da Constituição, sem embargo da sua inegável importância para a vida administrativa estatal, mas isto não envolve, nem de longe, a admissão de sua potestade de alterar qualquer dispositivo legalmente positivado.
3. Manifesta e incontornável divergência normativa entre os dispositivos da LC 95/73 e do Decreto 1.445/95, no que tange ao direito à percepção da ajuda de custo, deve ter primazia aplicativa a norma contida no art. 227, I, "a" da LC 95/73, que está a salvo de modificação pela força do art. 8º do Decreto 1.445/95, sem qualquer crítica aos seus demais dispositivos.
4. Esse dispositivo regulamentar de hierarquia administrativa, por maior que seja o seu propósito financeiro e econômico de resguardo a valores prezáveis da ordem jurídica, afronta o disposto em norma legal de nível complementar e somente por essa razão não pode ter aplicabilidade; a norma legal complementar somente pode ser modificada por outra de igual hierarquia.
5. Recurso provido para reconhecer o direito subjetivo da recorrente de perceber o valor da ajuda de custo pretendida, independentemente do anterior recebimento pelo cônjuge."
33. Assim, é preciso que o Advogado-Geral da União, com base no princípio da legalidade (art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988) e nos julgados citados, reveja seus atos e que os casos de demissão já efetuados por Portaria do Advogado-Geral da União sejam remetidos ao Presidente da República, para publicação das respectivas Portarias, sob pena de retorno à advocacia pública da União de servidores já demitidos, além dos valores a serem pagos pelo Tesouro Nacional.