6. O Ordenamento Jurídico
O Ordenamento Jurídico. Diga-se, “a Ciência do Direito constitui um conjunto ordenado e sistemático de princípios e regras que tem por tarefa, definir e sistematizar o Ordenamento Jurídico28”, que é o Direito Positivo ou o Direito Posto, vale dizer, produzido pelo Estado. No Brasil, assim como em outros Países, via de regra, o Ordenamento Jurídico estabelece as Normas necessárias para o bom convívio em Sociedade. Tais Normas ou Regras estão consignadas em Lei29, ou compiladas em um Código, tal qual, no que se originou do Código Civil Francês de 1804, no Código Civil Alemão de 1900, o Código Civil e Comercial Argentino de 201430, que entrou em vigor em 1º de agosto de 2015 e revogou o Código Civil de 1869 e também no Código Civil Brasileiro de 1916 e depois no atual Código Civil de 2002. Essas Normas ou Regras cuidam da Responsabilidade Civil e estabelecem uma garantia para a reparação de danos, por intermédio de meios amigáveis ou judiciais, a todos que se submetem as essas regras. Por essa razão, a Responsabilidade Civil é tão importante ao Sistema Jurídico de um Estado. Assim, a Responsabilidade Civil se baseia em Normas e Regras de modo a proteger pessoas prejudicadas, e por outo lado, punir as pessoas ou indivíduos, que ocasionam o prejuízo a outrem, por desobedecerem a tais regras ou normas legais.
7. A Teoria Geral da Responsabilidade Civil
A Teoria Geral da Responsabilidade Civil31 é um Sistema Lógico-jurídico que busca identificar as causas de eventos danosos e apontar os responsáveis. O objetivo é reparar o prejuízo causado à vítima de acordo com a Lei ou o Contrato. A Teoria Geral da Responsabilidade Civil se baseia em alguns princípios e pressupostos, como: Ação ou omissão culposa do agente, o dano, o nexo de causalidade entre a ação e o prejuízo. A Responsabilidade Civil tem como função compensatória restabelecer o estado anterior da vítima, repondo o bem perdido ou indenizando-a. Na Responsabilidade Civil, nas palavras do Professor Carlos Roberto Gonçalves (1938)32 “a Teoria Geral da Responsabilidade Civil integra o Direito Obrigacional, pois, a principal consequência da prática de um ato ilícito é a obrigação que acarreta para seu autor é a de reparar o dano, obrigação esta de natureza pessoal, que se resolve em perdas e danos.
A Teoria Geral da Responsabilidade Civil33 “participa da história cultural dos povos. É formada pelo espírito coletivo de determinada época, traduzindo, em superpostas contribuições, fontes que dialogam e definem dinâmicas respostas”. A Responsabilidade Civil sempre foi e será o receptáculo das disfuncionalidades de qualquer Sistema Jurídico, objetivando resgatar um equilíbrio rompido. Desde Roma, as patologias na Propriedade e nos Contratos são equacionadas. Com o passar do tempo, o mesmo se deu face às violações às situações existenciais e titularidades imateriais. Para o futuro que já se insinua, a Responsabilidade Civil se coloca como baluarte no que concerne às ameaças e lesões decorrentes de Tecnologias Digitais Emergentes. Assim, a Teoria Geral da Responsabilidade Civil encontra o ponto de confluência nos seus princípios e funções basilares, bem como em seus pressupostos.
Pela Teoria Geral da Responsabilidade Civil a Responsabilidade Civil é subjetiva quando a culpa do agente é utilizada para mensurar a responsabilidade. A culpa pode ser dolosa ou culposa, sendo que a culpa culposa é composta por imprudência, negligência ou imperícia. A Responsabilidade Civil é objetiva quando uma obrigação de reparar danos causados a terceiros é independentemente de culpa ou dolo do responsável. A base desta responsabilidade é o risco que é responsável pelo que criou ou que acontece dentro da sua esfera de ação. A Responsabilidade Civil objetiva é utilizada em diversas situações, como: acidentes de trabalho; danos causados por bens de consumo; poluição ambiental, ocorrências no transporte de mercadorias;danos causados por atos de agentes públicos.
8. O Direito Obrigacional
O Código Civil Brasileiro. A elaboração do Projeto do Novo Código Civil Brasileiro foi confiada ao jurista Miguel Reale (1910-2006), que convidou outros juristas para auxiliá-lo, tais como, José Carlos Moreira Alves (1933-2023), encarregado da Parte Geral; Agostinho de Arruda Alvim (1897-1976), encarregado do Direito das Obrigações; Sylvio Marcondes (1906-1980), encarregado do Direito de Empresa; Ebert Vianna Chamoun (1923-2019), encarregado do Direito das Coisas; Clóvis do Couto e Silva (1930-1992), encarregado do Direito de Família; Torquato Castro (1970-1995), encarregado do Direito das Sucessões. Concluído o Projeto, sofreu inúmeras críticas, pois, abdicou das circunstâncias que exigiam aspectos de modernidade. Após alterações, em 1983, o Projeto havia sido aprovado na Câmara dos Deputados, mas, em razão da redemocratização do país e da elaboração da nova Constituição Federal de 1988, os trabalhos foram interrompidos e permaneceram no esquecimento. Despertado pelos novos tempos da democracia, os debates sobre Projeto foram retomados e a seguir, foi aprovado no Senado Federal e na Câmara dos Deputados em 2001, com inúmeras emendas, que foram efetuadas com o objetivo de adequar o Projeto à nova realidade constitucional, e finalmente, foi sancionado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso (1931) em 2002, por intermédio da Lei nº 10.406, de 10/01/200234.
O Código Civil Brasileiro de 2002, com os seus 2046 artigos, na perspectiva do Código Civil de 1916, também tem uma estrutura, a qual é dividida em: Parte Geral, composta de três Livros: (I) Das Pessoas - art. 1º a 78; (II) Dos Bens - arts. 79. a 103; (III) Dos Fatos Jurídicos - arts. 104. a 232. Parte Especial, composta por cinco Livros: (I) Direito das Obrigações - arts. 233. a 965; (II) Direito de Empresa - arts. 966. a 1.195; (III) Direito das Coisas - arts. 1.196. a 1.510; (IV) Direito de Família - arts. 1.511. a 1.783; (V) Direito das Sucessões - arts. 1.784. a 2.027. Há, ainda, um Livro Complementar - Das disposições finais e transitórias - arts. 2.028. a 2.046. O Código Civil Brasileiro de 2002. Princípios norteadores, Campo de Incidência e Estrutura.
Três Princípios fundamentais vislumbram-se no Código Civil Brasileiro de 2002, a saber:
a) Princípio da Eticidade: superar o apego do antigo Código, ao rigor formal. O atual Diploma alia os valores técnicos aos valores éticos. Por isso, percebe-se, muitas vezes, a opção por normas genéricas ou cláusulas gerais, sem a preocupação de excessivo rigorismo conceitual. O mundo contemporâneo testemunha a preocupação constante dos doutrinadores jurídicos, políticos e sociais com a necessidade das relações do homem com os seus e do Estado, com os seus administrados, serem fortalecidas com a prática de condutas éticas. Afirma que a ética é delimitadora do comportamento humano, abrangendo a realidade que o cerca e influenciando a estrutura dos fatos e atos produzidos pelo cidadão. Declara que o Código Civil se apresenta em forma de Sistema vinculado a dois polos: um formado em eixo central; o outro concentrado em um Sistema aberto. Conclui-se, definindo que a eticidade o Código Civil, visa imprimir eficácia e efetividade aos Princípios Constitucionais da valorização da dignidade humana, da cidadania, da personalidade, da confiança, da probidade, da lealdade, da boa-fé, da honestidade nas relações jurídicas de Direito Privado. Vale dizer, na cosmovisão do novo Código Civil Brasileiro de 2002, o homem é um ser social, que se integra na Sociedade;
b) Princípio da Socialidade: está presente no novo Código a socialidade em detrimento do caráter individualista do antigo Diploma civilista. Daí o predomínio do social sobre o individual. Um exemplo interessante neste sentido é o da função social da propriedade. A Constituição da República deu uma fisionomia funcional social ao direito de propriedade, que, no seu art. 5º, inciso XII, ao lado de garantir o direito de propriedade, logo em seguida, no inciso XXIII. A funcionalização do direito de propriedade importa em dar-lhe uma determinada finalidade, que na propriedade rural, significa ser produtiva (art. 186) e na urbana, quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressa no plano diretor (art. 182, § 2º). Tal novidade acabou por refletir-se na elaboração do novo Código Civil, em seu art. 1228, o que se mostra coerente com a inscrição de novos princípios norteadores, especialmente o da Socialidade, que vem tentar a superação do caráter manifestamente individualista do Diploma revogado, reflexo mesmo da publicização do Direito Civil, admitindo ainda a propriedade pública dos bens cuja apreensão individual configuraria um risco para o bem comum. De lapidar redação, o § 1.º, do art. 1228, que estabelece que "O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com suas finalidades econômicas e sociais e de modo que, sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como, evitada a poluição do ar e das águas." Também digno de transcrição, o §2º: "São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem";
c) Princípio da operabilidade: diversas soluções normativas foram tomadas no sentido de possibilitar uma compreensão maior e mais simplificada para sua interpretação e aplicação pelos profissionais do Direito. Exemplo disso foram às distinções mais claras, entre prescrição e decadência e os casos em que são aplicadas; estabeleceu-se a diferença objetiva entre associação e sociedade, servindo a primeira para indicar as entidades de fins não econômicos e a última para designar as de objetivos econômicos
Assim, diga-se que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, assume uma nova dimensão de regência das relações privadas, conferindo uma nova unidade do Sistema Jurídico. A posição hierárquica da Constituição e sua ingerência nas relações econômicas e sociais possibilitam a formação de um novo centro unificador do Sistema, definindo seus verdadeiros pilares e pressupostos de fundamentação. Nesta perspectiva a constitucionalização do Direito Privado não importa em apenas conferir à Constituição, a superioridade hierárquica conformadora do Ordenamento Jurídico, mas, acima disto, quer proporcionar uma releitura dos antigos institutos e conceitos do âmbito privado, visando à concretização dos valores e preceitos constitucionais. A Constituição Federal, passa, assim, a definir os Princípios e as Regras, relacionados a temas, antes reservados exclusivamente ao Código Civil e ao império da vontade, como a função social da propriedade, organização da família e outros. Assim, foi se derrubando o paradigma individualista do Estado Liberal e do cidadão dotado de patrimônio e passou-se a adotar um novo paradigma. As Constituições começaram a trazer em seu bojo, princípios e regras, típicas de Direito Civil e a valorizar, a pessoa, colocando-a acima do patrimônio. Passou-se, então, a buscar a justiça social ou distributiva e aos poucos, a liberdade foi sendo limitada com a finalidade de se alcançar uma igualdade substancial. É importante distinguir, por fim, a Constitucionalização do Direito Civil, da publicização do Direito Privado. Muitos doutrinadores confundem essas duas situações, mas, elas são distintas. A primeira, ou seja, a Constitucionalização do Direito Civil é a análise do Direito Privado, com base nos fundamentos constitucionalmente estabelecidos. É a aplicação dos mandamentos constitucionais no Direito Privado. Já a segunda, ou seja, a publicização do Direito Privado é o processo de intervenção estatal no Direito Privado, principalmente, mediante a legislação infraconstitucional. Por fim, observe-se que a Norma Constitucional, apesar da resistência de alguns setores da doutrina, passa a ser diretamente aplicável às relações privadas. Note-se que a Constituição Federal, por ser um Sistema de Normas é dotada de coercibilidade e imperatividade e, sendo assim, é perfeitamente suscetível de ser aplicada nas relações de Direito Privado.
O Direito Obrigacional (arts. 233. a 965) do Código Civil brasileiro. Em face da evolução humana, da Sociedade Global e da atividade industrial, na atualidade o tema Responsabilidade Civil é de enorme importância, por se dirigir à restauração de um equilíbrio moral e patrimonial desfeito e a redistribuição da riqueza, de conformidade com os ditames da Justiça Social. O Instituto da Responsabilidade Civil é parte integrante do Direito Obrigacional, pois, a principal consequência da prática de um ato ilícito é a obrigação que acarreta, para seu autor, de reparar o dano, que se resolve em perdas e danos. Diga-se que a palavra responsabilidade tem sua origem na raiz latina spondeo ou respondere, pela qual, se vincula o devedor, solenemente, nos Contratos verbais do Direito Romano35. Destaca-se a noção de responsabilidade como aspecto da realidade social e pode-se afirmar que a responsabilidade exprime a ideia de restauração, equilíbrio, de contraprestação, de reparação de dano. A Responsabilidade Jurídica é considerada jurídica quando há o inexorável prejuízo e somente se revela quando ocorre a infração da norma jurídica que acarrete dano ao indivíduo ou à coletividade. “O lesionamento a elementos integrantes da esfera jurídica alheia acarreta ao agente a necessidade de reparação dos danos provocados. É a responsabilidade civil ou a obrigação de indenizar, que compele o causador a arcar com as consequências advindas da ação violadora, ressarcindo os prejuízos de ordem moral ou patrimonial, decorrente de fato ilícito próprio, ou de outrem a ele relacionado36”
9. A Obrigação
A Obrigação. Costuma-se conceituar a “obrigação” como “o vínculo jurídico que confere ao credor o direito de exigir do devedor o cumprimento da prestação”. É o patrimônio deste que responde por suas obrigações. As fontes das obrigações previstas no Código Civil Brasileiro são: a vontade humana (os contratos, as declarações unilaterais da vontade e os atos ilícitos) e a vontade do Estado (a Lei). As obrigações derivadas dos “atos ilícitos” são as que se constituem por meio de ações ou omissões culposas ou dolosas do agente, praticadas com infração a um dever de conduta e das quais resulta dano para outrem. A obrigação que em consequência surge é a de indenizar ou ressarcir o prejuízo causado. A violação do dever jurídico de não lesar outrem (Neminem Laedere), imposto a todos no art. 186, do Código Civil Brasileiro37 configura o ato ilícito civil, que gera a obrigação de indenizar”.
A obrigação é o vínculo jurídico que confere ao credor (sujeito ativo) o direito de exigir do devedor (sujeito passivo), o cumprimento de determinada prestação. Corresponde há uma relação de natureza pessoal de crédito e débito, de caráter transitório, que se extingue pelo cumprimento e cujo objeto consiste numa obrigação economicamente aferível. Ex. Pagamento de um título, realização de um serviço. Quando ocorre o inadimplemento da obrigação surge a responsabilidade que é a consequência jurídica patrimonial do descumprimento da relação obrigacional. O Código Civil Brasileiro de 200238 na Parte Geral, nos artigos 186, 187 e 188, consignaram a regra geral da Responsabilidade Civil e a algumas excludentes. Na Parte Especial, estabeleceu a regra básica da Responsabilidade Contratual no art. 389. a 393 e dedicou dois Capítulos à “obrigação de indenizar” (art. 927. a 943) e à indenização sob o título da “Responsabilidade Civil” (art. 944. a 954). Sobre a Responsabilidade Civil, de forma mais objetiva dispõe o Código Civil Brasileiro (CC)39:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
(...)
Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.
(...)
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito ( arts. 186. e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
(...)
A ideia de Responsabilidade Civil está relacionada à noção de não prejudicar o outro. A responsabilidade pode ser definida como a aplicação de medidas que obriguem alguém, a reparar o dano causado a outrem, em razão de sua ação ou omissão. Nas palavras de Rui Stoco40:
A noção da responsabilidade pode ser haurida da própria origem da palavra, que vem do latim respondere, responder a alguma coisa, ou seja, a necessidade que existe de responsabilizar alguém pelos seus atos danosos. Essa imposição estabelecida pelo meio social regrado, através dos integrantes da sociedade humana, de impor a todos o dever de responder por seus atos, traduz a própria noção de justiça existente no grupo social estratificado. Revela-se, pois, como algo inarredável da natureza humana”.
Nessa perspectiva, em grandes linhas, a responsabilidade se molda, em duas Teorias, a Teoria Subjetiva e a Teoria Objetiva. Por um lado, a Responsabilidade Civil pela Teoria Subjetiva, resulta de uma culpa, isto é, de uma ação intencional, que prejudicou alguém, e para tanto, para configurar a culpa, serão necessários conhecer os seus elementos, a saber: negligência, imprudência e imperícia. Por outro lado, a Responsabilidade Civil pela Teoria Objetiva, parte do inadimplemento contratual ou da Teoria do Risco, que prevê que a vítima deve ser indenizada, mesmo que não reste comprovado que houve culpa, bastando, assim, a existência do simples dolo e do nexo de causalidade que já são suficientes para determiná-la como sendo responsabilidade civil objetiva.