Capa da publicação Tema nº 985: incide INSS sobre terço de férias
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Comentários ao acórdão proferido no RE nº 107.248 sobre terço de férias

06/03/2025 às 20:37

Resumo:


  • O STF decidiu pela incidência da contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias gozadas.

  • Os embargos de declaração atribuíram efeitos ex nunc ao acórdão, ressalvando contribuições já pagas até a data da publicação da ata de julgamento.

  • A decisão contradiz entendimentos anteriores do STF e do STJ, comprometendo a segurança jurídica dos contribuintes.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O STF, no Tema 985, decidiu pela incidência da contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias gozadas. A decisão contradiz entendimentos anteriores do próprio STF e do STJ. Quais os impactos dessa decisão na segurança jurídica?

O STF, ao julgar o RE nº 1.072.485-PR, sob a sistemática de Repercussão Geral (Tema 985), reverteu sua pacífica jurisprudência acerca da não incidência da contribuição previdenciária sobre o pagamento do terço de férias, contrariando, igualmente, a decisão proferida em 2014 pelo STJ sob a sistemática de recursos repetitivos (REsp nº 1.230.957). Por maioria de votos, decidiu pela incidência da contribuição previdenciária sobre os valores pagos pelo empregador a título de terço constitucional de férias gozadas, conforme a ementa do julgado abaixo:

O Tribunal, por maioria, apreciando o Tema 985 da Repercussão Geral, deu parcial provimento ao recurso extraordinário interposto pela União, assentando a incidência da contribuição previdenciária sobre os valores pagos pelo empregador a título de terço constitucional de férias gozadas, nos termos do voto do Relator, vencido o Ministro Edson Fachin. Foi fixada a seguinte tese: “É legítima a incidência de contribuição social sobre o valor satisfeito a título de terço constitucional de férias.”

Plenário, Sessão Virtual de 21.8.2020 a 28.8.2020. (RE nº 1.072.485-RG/PR; DJe de 2-10-2020).

Interpostos os embargos de declaração, estes foram parcialmente providos para atribuir efeitos ex nunc ao acórdão de mérito, a contar da data de publicação da ata de julgamento (1-9-2020), ressalvadas as contribuições já pagas e não impugnadas judicialmente até essa mesma data, que não serão devolvidas pela União (julgado em 16-6-2024 e publicado no DJe de 16-10-2024).


Exame do Acórdão de mérito

O acórdão sob exame não apenas contraria o REsp nº 1.230.957, decidido sob a sistemática de recursos repetitivos, mas também diversas decisões proferidas pelo STF, como veremos adiante.

No âmbito do STJ, merecem destaque duas súmulas:

Súmula 125 – O pagamento de férias não gozadas por necessidade do serviço não está sujeito à incidência do imposto de renda.

Súmula 386 –São isentas do imposto de renda as indenizações de férias proporcionais e o respectivo adicional.

A proclamação da natureza indenizatória, por óbvio, afasta a natureza salarial das férias e do terço de férias, o que, ipso facto, exclui tais verbas da incidência da contribuição previdenciária.

No âmbito do Supremo Tribunal Federal, o assunto vem sendo discutido há longa data, sendo sua jurisprudência bastante instável.

Inicialmente, a Corte Suprema adotou o posicionamento de não conhecer das discussões dessa natureza, por entendê-las como controvérsias de ordem infraconstitucional.

De fato, a Corte tem decidido reiteradamente que a questão acerca da natureza jurídica dessas verbas, para fins de tributação pela contribuição previdenciária ou pelo imposto de renda, insere-se no plano infraconstitucional. Exemplo disso são os seguintes precedentes: RE 611.505-RG, Rel. Min. Ayres Britto, Rel. p/ Ac. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 28-10-2014; ARE 745.901-RG, Rel. Min. Teori Zavascki, DJe de 18-09-2014.

Contudo, o STF, após proclamar a soberania do STJ para julgar essa questão em diversas ocasiões, examinou o mérito da controvérsia e firmou a tese da intributabilidade do terço de férias, por entender que ele não se incorpora à remuneração do empregado. Exemplos dessa posição podem ser encontrados nos seguintes precedentes: Ag. Reg. no RE nº 587.941/SC, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 21-11-2008; Ag. Reg. no AI nº 603.537/DF, Rel. Min. Eros Grau, DJe de 30-3-2007; Ag. Reg. no AI nº 712.880/MG, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe de 11-9-2009; Ag. Reg. no AI nº 710.361/MG, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe de 8-5-2009.

Ocorre que, transcorridos doze anos, esses mesmos eminentes Ministros, sem que houvesse qualquer modificação legislativa em nível constitucional ou infraconstitucional, passaram a defender a tese oposta.

Efetivamente, na sessão plenária virtual encerrada em 28-8-2020, o STF, por maioria de votos, ao julgar o Tema 985 da Repercussão Geral, firmou a tese da constitucionalidade da incidência da contribuição previdenciária sobre o montante pago a título de terço constitucional de férias gozadas, previsto no inciso VII do artigo 7º da Constituição.

Para a maioria dos integrantes da Corte Suprema, dois são os fundamentos que justificam a tributação do terço de férias gozadas: sua natureza remuneratória e a habitualidade da verba paga.

O Ministro Edson Fachin discordou desse posicionamento majoritário, pois, embora o terço de férias seja pago com habitualidade, ele não possui natureza remuneratória. Como ocorre com o auxílio-alimentação, esse ganho habitual do empregado não constitui parcela que se incorpora à sua remuneração. Além disso, por não gerar reflexos na aposentadoria, torna-se evidente que o terço de férias não possui qualquer natureza salarial.

Por derradeiro, é importante destacar que o Tema 985 da Repercussão Geral possui uma abrangência maior do que a decisão proferida no julgamento finalizado em 28-8-2020, o qual se limitou à tributação do terço de férias gozadas.

Com efeito, o teor desse tema é o seguinte:

“Tema 985 - Natureza jurídica do terço constitucional de férias, indenizadas ou gozadas, para fins de incidência da contribuição previdenciária patronal.”

Como se verifica, o Tema 985 da Repercussão Geral abrange tanto as férias indenizadas quanto as férias gozadas.

Por essa razão, o Ministro Edson Fachin encaminhou à deliberação do Tribunal Pleno a seguinte tese jurídica, pertinente ao Tema 985 da sistemática da Repercussão Geral:

"É inconstitucional a incidência de contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias, considerando o seu caráter reparatório."

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Esse último posicionamento do STF, ao firmar a constitucionalidade da incidência da contribuição previdenciária sobre o terço de férias gozadas, possui reflexo imediato na tributação pelo imposto de renda.

Esperemos que o Supremo Tribunal Federal não venha a modificar seu entendimento, consolidado há muito tempo, acerca da não incidência do imposto de renda sobre verbas de natureza indenizatória (REs nºs 548.828/RS, 487.121/RS, 559.964/RS e 591.140/RS).

Infelizmente, a divergência entre a jurisprudência do STJ e do STF, aliada às frequentes alterações jurisprudenciais da Corte Suprema, sem qualquer modificação legislativa, compromete o princípio da segurança jurídica, que se funda na previsibilidade decorrente das leis em vigor, suprimindo a justa expectativa dos contribuintes.

A decisão sob comento contradiz o entendimento firmado no RE nº 593.068 (Tema 163).

Entretanto, o acórdão sob análise refuta a contradição apontada por diversos intervenientes no processo, atuando na condição de amicus curiae, ao sustentar que o Tema 163 refere-se ao regime próprio dos servidores e que, em relação ao RGPS, aplica-se o art. 28 da Lei nº 8.212/1991.

“Art. 28. Entende-se por salário de contribuição: [...]

§9º. Não integram o salário-de-contribuição para os fins desta Lei, exclusivamente: [...]

d) as importâncias recebidas a título de férias indenizadas e respectivo adicional constitucional, inclusive o valor correspondente à dobra da remuneração de férias de que trata o Art. 137. da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.

O STF, com base no texto anteriormente transcrito, entendeu que é devida a contribuição social sobre o terço de férias pago, por possuir natureza habitual e caráter remuneratório. Data maxima venia, tanto o servidor público quanto o empregado do setor privado sofrem o mesmo desgaste de energia no exercício da atividade laboral.

Outrossim, o STF, em reiteradas oportunidades, firmou a natureza indenizatória do terço de férias para afastar a incidência do Imposto de Renda.

Se esse valor possui natureza indenizatória, parece lógico que não pode compor a base de cálculo da contribuição previdenciária, pois estaria descaracterizada sua natureza remuneratória.

Um mesmo instituto não pode ter natureza indenizatória para um fim e, ao mesmo tempo, natureza salarial para outro.

A contradição da decisão analisada é evidente. Além disso, não é razoável que o acessório (terço de férias) esteja sujeito à incidência da contribuição previdenciária, enquanto o principal (férias) permaneça isento dessa tributação.

Sempre que uma decisão da Corte Superior (STF ou STJ) é tomada sob o enfoque econômico-financeiro do sujeito ativo do tributo, há risco de equívocos dessa natureza, que não se sustentam à luz do direito positivo nem da própria jurisprudência até então consolidada.

Não se sabe, exatamente, o que levou o STF a alterar sua jurisprudência, antes pacífica quanto à natureza indenizatória do terço de férias, para, repentinamente, decidir pela natureza salarial dessa verba.

Menos compreensível ainda é o fato de que o terço de férias possua natureza indenizatória no setor público, sob o argumento de recomposição da energia despendida pelo servidor público, enquanto, no setor privado, o mesmo terço de férias não seja considerado indenizatório.

Tal entendimento parece partir do pressuposto de que o empregado do setor privado não sofreria desgaste no exercício de sua atividade laboral, ao contrário do servidor público. Isso levaria à conclusão equivocada de que apenas o servidor público despendesse energia no desempenho de suas funções, enquanto o empregado do setor privado não sofreria esse mesmo desgaste.

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Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Comentários ao acórdão proferido no RE nº 107.248 sobre terço de férias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7918, 6 mar. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/112419. Acesso em: 31 mar. 2025.

Mais informações

Texto publicado no Migalhas, edição nº 6.006, de 26-12-2024.

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