Resumo: Este estudo realiza uma análise crítica da fome e da desigualdade no Brasil, com foco nas dinâmicas históricas e econômicas que perpetuam a marginalização das populações mais vulneráveis. A pesquisa parte da premissa de que o sistema capitalista, ao priorizar a acumulação de capital, contribui diretamente para a perpetuação da pobreza e da insegurança alimentar, agravando as desigualdades sociais. O estudo explora a herança histórica das desigualdades no Brasil, analisando como os processos de colonização e as políticas econômicas adotadas ao longo do tempo têm impactado negativamente a população, especialmente as crianças, que são as mais afetadas pela privação de alimentos e direitos. A marginalização de grupos vulneráveis, como negros, indígenas e trabalhadores rurais, é abordada, destacando-se o modelo de desenvolvimento voltado para o agronegócio, que favorece grandes produtores em detrimento da agricultura familiar. A agricultura familiar é destacada como uma alternativa viável e sustentável para a segurança alimentar, sendo capaz de promover a distribuição mais equitativa dos recursos e o desenvolvimento local. A pesquisa também discute o papel do Estado e da sociedade na construção de soluções para erradicar a fome, com foco em políticas públicas que promovam a redistribuição de renda e a proteção dos mais vulneráveis. Conclui-se que, para superar os desafios impostos pela fome e desigualdade, é necessário um compromisso com mudanças estruturais profundas, que garantam a equidade e a dignidade humana para todos.
Palavras-chave: Fome, Desigualdade, Agricultura Familiar, Direitos Humanos.
INTRODUÇÃO
Em 2024, o Brasil obteve uma redução histórica de 85% na insegurança alimentar, conforme apontado pela Organização das Nações Unidas1. Este avanço, amplamente divulgado pelo Senado Federal, representa o impacto positivo de políticas públicas e ações sociais que priorizaram a segurança alimentar como um direito fundamental2, embora tal progresso deva ser celebrado, ele não elimina a face sombria da desigualdade que ainda assola o país. Um exemplo emblemático dessa contradição foi relatado pelo Jornal Nacional: crianças enviando cartas ao Papai Noel pedindo cestas básicas como presentes de Natal, um gesto que denuncia uma situação de vulnerabilidade inaceitável3.
Esse contraste entre os dados promissores e os relatos cotidianos de miséria extrema revela uma dualidade desconcertante, de um lado, o Brasil apresenta avanços notáveis no combate à insegurança alimentar, reflexo de políticas eficazes e do engajamento da sociedade civil, de outro, milhões de famílias ainda enfrentam privações severas, sem acesso a redes de proteção social efetivas, vivendo em um estado de precariedade crônica. Essa realidade não é apenas consequência de insuficiências nas políticas públicas, mas também de uma estrutura socioeconômica que perpetua a concentração de riqueza e marginaliza os mais vulneráveis.
O pedido de uma criança por uma cesta básica transcende sua necessidade material imediata, ele simboliza o fracasso de uma sociedade que, apesar de avanços tecnológicos e econômicos, ainda não consegue garantir o básico a todos os seus cidadãos. As cartas mencionadas, mais do que apelos individuais, são uma denúncia coletiva, um reflexo do abandono de milhares de famílias que permanecem invisíveis no cenário político e social, elas escancaram a falha de um modelo econômico que prioriza o lucro em detrimento da dignidade humana e do bem-estar coletivo.
Ao mesmo tempo, os dados da ONU mostram que mudanças são possíveis. Políticas voltadas à valorização da agricultura familiar, ao fortalecimento da assistência social e à redistribuição de recursos já demonstraram eficácia ao reduzir as taxas de insegurança alimentar4. No entanto, é preciso ir além de medidas paliativas, o contexto exige transformações estruturais profundas, capazes de abordar as causas enraizadas da desigualdade e garantir condições de vida dignas para todos os brasileiros.
A análise desse cenário nos obriga a refletir sobre a perpetuação da fome em um país com tamanho potencial produtivo, essa reflexão deve questionar não apenas a insuficiência de políticas públicas, mas a própria lógica do sistema capitalista, que sustenta desigualdades estruturais. Em última instância, o pedido de uma criança por comida em uma data tão simbólica quanto o Natal é mais que um apelo; é um grito por justiça social, uma convocação para que o Brasil reavalie suas prioridades e assuma o compromisso de erradicar a fome de forma definitiva.
Este artigo, portanto, busca explorar as nuances dessa realidade, reconhecendo os avanços alcançados, mas também apontando os desafios que permanecem. O objetivo é lançar luz sobre as contradições de um país que, embora celebre conquistas importantes, ainda convive com desigualdades tão profundas que comprometem o futuro de suas crianças, afinal, a fome é mais do que a ausência de alimento: é a manifestação de uma sociedade que ainda precisa se reorganizar para colocar a dignidade humana no centro de suas decisões.
1. A FALHA ESTRUTURAL DO SISTEMA CAPITALISTA
“O capitalismo falhou, falha e falhará em cada uma das sociedades aonde ele colocar os seus tentáculos que se baseiam na expropriação e na exploração do homem pelo homem. É isso que nós combatemos!” A frase do professor João Carvalho5 sintetiza, de forma incisiva, as contradições inerentes ao sistema capitalista. Apesar dos avanços tecnológicos e produtivos que caracterizam a modernidade, milhões de pessoas continuam enfrentando a fome, mesmo em países com vasto potencial agrícola e industrial, como o Brasil, essa realidade evidencia um sistema que, ao invés de promover a prosperidade coletiva, consolida desigualdades estruturais e perpetua a exclusão, no capitalismo, a lógica da acumulação de capital em detrimento do bem-estar coletivo é a principal engrenagem que sustenta a perpetuação da fome. Estudos mostram que a exploração intensiva de recursos naturais e a maximização de lucros geram uma concentração de riquezas que marginaliza populações inteiras6. Nesse contexto, a fome deixa de ser uma consequência inevitável da escassez e se revela como um produto deliberado de uma economia que exclui os mais vulneráveis do acesso a recursos essenciais, como terra e alimentos.
Um relatório elaborado pela Assesoar destaca que a fome é um "produto do capitalismo", demonstrando a relação direta entre o modelo econômico vigente e a perpetuação da miséria. Essa conclusão torna-se evidente quando vastas áreas de terra são destinadas à monocultura e à exportação de commodities, enquanto milhões de pessoas lutam para acessar alimentos básicos, essa mercantilização do alimento, que deveria ser tratado como um direito universal, reflete o desequilíbrio de um sistema econômico que prioriza o mercado em detrimento das necessidades humanas7.
A análise das crises econômicas também corrobora essa perspectiva, indicando que o capitalismo opera de maneira cíclica. Momentos de crescimento são seguidos por crises que não apenas aprofundam os problemas sociais, mas também intensificam a exclusão e naturalizam a fome como uma consequência inevitável de suas dinâmicas internas. Estudos da FCA/UNESP8 evidenciam que essas crises são parte integrante do sistema capitalista, exacerbando desigualdades e minando as bases de uma sociedade mais equitativa. No Brasil, um dos maiores produtores de alimentos do mundo, o paradoxo da fome é especialmente alarmante, apesar de exportar toneladas de grãos e carnes anualmente, o país enfrenta dificuldades crônicas para garantir a segurança alimentar de sua população. Esse cenário reflete a lógica capitalista, que trata o alimento como mercadoria antes de reconhecê-lo como um direito humano fundamental. Políticas públicas e incentivos fiscais frequentemente priorizam o agronegócio exportador, enquanto milhões de brasileiros enfrentam insegurança alimentar severa9.
Dessa forma, o sistema capitalista falha não apenas em sua promessa de prosperidade coletiva, mas também em assegurar condições mínimas de dignidade para a população. Ele perpetua um modelo baseado na exploração e na expropriação, como ressalta João Carvalho. Superar essa falha estrutural exige uma profunda reavaliação dos fundamentos econômicos e sociais que priorizam o lucro sobre a vida, afinal, a fome não é um destino inevitável, mas uma escolha política e econômica deliberada. Essa reflexão é um convite à construção de um modelo que valorize a vida acima do mercado, promovendo justiça social e garantindo acesso universal aos recursos essenciais, repensar o capitalismo é, mais do que nunca, uma urgência histórica, especialmente em um momento em que a fome continua sendo uma chaga aberta em um mundo de abundância.
1.1. Brasil: O País da Contradição Alimentar
O Brasil, uma das maiores potências agrícolas do mundo, carrega consigo um paradoxo cruel e devastador: enquanto lidera a produção e exportação de alimentos, convive com uma realidade onde milhões de seus cidadãos enfrentam a fome, esse contraste entre a imensidão das riquezas naturais e a penúria social reflete as profundas desigualdades históricas e estruturais que marcam o país. Embora o Brasil seja reconhecido mundialmente por sua capacidade produtiva no setor agrícola, grande parte de sua população luta diariamente para acessar uma alimentação digna e adequada, este cenário se agrava por fatores econômicos, sociais e políticos, que convergem para a perpetuação de um sistema alimentar desigual.
Em 2022, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)10 apontou que cerca de 33 milhões de brasileiros estavam em situação de insegurança alimentar, esse número, alarmante por si só, foi ainda mais exacerbado nos últimos anos, com a crise gerada pela pandemia da Covid-19 e a política econômica implementada nos governos anteriores. Um estudo divulgado pelo G111 revelou que, ao final do governo Bolsonaro, 29 milhões de pessoas estavam em situação de fome grave, uma marca dramática de um período caracterizado por políticas que destruíram a renda de grande parte da população, agravando a pobreza e comprometendo a segurança alimentar do país. Esse fenômeno, descrito por muitos como uma "herança maldita", é o resultado de uma série de escolhas políticas que priorizaram o mercado em detrimento do bem-estar social, aprofundando as desigualdades históricas do Brasil.
O modelo econômico brasileiro, que privilegia o agronegócio voltado para a exportação, intensifica ainda mais esse paradoxo. O setor agrícola, em pleno crescimento, é responsável por recordes de produtividade e contribui significativamente para o Produto Interno Bruto (PIB) do país12, no entanto, os benefícios dessa expansão não chegam à maioria da população brasileira, em vez de contribuir para a redução da fome, o agronegócio, com sua concentração fundiária, exacerba as desigualdades e a exploração dos recursos naturais. Pequenos agricultores são expulsos de suas terras, e vastas áreas são dedicadas a monoculturas que atendem à demanda externa, enquanto os brasileiros mais vulneráveis não conseguem acesso aos alimentos básicos necessários para sua subsistência. O contraste é gritante: enquanto commodities como soja, milho e carne bovina são exportadas em grande escala, muitos brasileiros lutam para garantir alimentos como arroz, feijão e vegetais em suas mesas.
Esse desequilíbrio se acentuou com a pandemia de Covid-19, que, além de agravar a crise econômica, teve efeitos devastadores sobre a segurança alimentar do país. Milhões de pessoas foram empurradas para a miséria, e os índices de fome, já elevados, atingiram níveis alarmantes. O cenário de insegurança alimentar tornou-se ainda mais grave com a retração econômica, o desemprego em massa e a alta inflação, que tornaram os preços dos alimentos inatingíveis para muitas famílias, assim, a fome no Brasil não é uma consequência inevitável de uma escassez de recursos, mas sim um reflexo das escolhas políticas que, ao longo do tempo, priorizaram o lucro e a concentração de poder econômico em detrimento do bem-estar da população.
Porém, apesar desse cenário desolador, há esforços em curso para tentar reverter a situação. Desde o início de seu terceiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva13 tem reiterado que o combate à fome é a prioridade máxima de seu governo., a retomada de políticas públicas voltadas à segurança alimentar é uma das principais bandeiras desse novo ciclo político. O Programa Bolsa Família, um dos maiores e mais importantes instrumentos de combate à pobreza no Brasil, foi ampliado, com a inclusão de benefícios adicionais para famílias com crianças pequenas e adolescentes, garantindo uma rede de proteção social mais robusta, ademais, programas como o de Aquisição de Alimentos (PAA), que conecta a produção da agricultura familiar diretamente ao consumo interno, têm se mostrado uma estratégia eficaz para promover a segurança alimentar enquanto fortalece os pequenos produtores.
A agricultura familiar, que responde por cerca de 70% dos alimentos consumidos pelos brasileiros, tem se destacado como uma alternativa viável ao modelo concentrador do agronegócio, políticas voltadas para essa forma de produção não só asseguram o abastecimento alimentar para grande parte da população, mas também geram empregos e promovem a sustentabilidade. O Ministério do Desenvolvimento Social14 aponta que as ações voltadas para a agricultura familiar têm um impacto significativo na redução das desigualdades e no fortalecimento da economia local, além de garantir que alimentos saudáveis e acessíveis cheguem às mesas dos brasileiros.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) também tem desempenhado um papel crucial nesse processo, suas iniciativas de reforma agrária e produção agroecológica buscam propor um modelo alternativo ao agronegócio. Ao promover a justiça social no campo, o MST mostra que é possível aliar produção eficiente com a sustentabilidade e a inclusão social, suas ações, que incluem a ocupação de terras improdutivas e a implementação de sistemas de cultivo agroecológico, são fundamentais para a promoção da soberania alimentar no Brasil e oferecem uma resposta concreta à concentração de terra e riqueza que caracteriza o agronegócio.
No entanto, o Brasil continua sendo um retrato das contradições alimentares globais em sua forma mais extrema. É inconcebível que, em um país com tamanho potencial agrícola, a fome persista como um problema estrutural, a fome no Brasil não é apenas uma questão de falta de alimentos, mas sim um reflexo de um sistema econômico e político que perpetua a desigualdade social, promove a exploração dos recursos naturais e favorece a concentração de riqueza nas mãos de poucos. A crise alimentar é, portanto, uma consequência direta de um modelo de desenvolvimento que coloca o lucro acima da vida humana.
Superar esse quadro exige mais do que ações paliativas, é necessário um repensar profundo do modelo de desenvolvimento econômico, que priorize a justiça social e a distribuição equitativa dos recursos. O Brasil precisa, urgentemente, de uma transformação estrutural que envolva todas as esferas da sociedade, desde o governo até o setor privado, passando pelos movimentos sociais e cidadãos, a luta contra a fome deve ser encarada como um compromisso ético e moral, uma causa comum que exige a ação coletiva de todos os setores.
Se o Brasil é realmente o “celeiro do mundo”, é hora de garantir que todos os seus habitantes tenham acesso a uma alimentação digna. A soberania alimentar, entendida como a capacidade do país de garantir que todos os seus cidadãos tenham acesso a alimentos adequados e em quantidade suficiente, deve ser um objetivo prioritário. A transformação do modelo agrícola brasileiro é imprescindível para que o país possa se livrar da chaga da fome e se tornar um exemplo de como é possível produzir abundantemente para todos, sem exclusões nem desigualdades.
2. INFÂNCIA E DESIGUALDADE: O IMPACTO DEVASTADOR DA FOME
A fome infantil é uma das manifestações mais cruéis das desigualdades socioeconômicas que marcam o Brasil e o mundo. Apesar de avanços pontuais no combate à insegurança alimentar, milhões de crianças continuam vivendo em condições de extrema pobreza, enfrentando a escassez de alimentos e o abandono de políticas públicas eficazes. Essa realidade expõe as falhas de um sistema que perpetua desigualdades estruturais e compromete o desenvolvimento humano desde a primeira infância, criando um ciclo intergeracional de pobreza e exclusão.
No Brasil, o problema da fome na infância está diretamente ligado às desigualdades socioeconômicas que moldam o acesso a direitos básicos, conforme estudo do Núcleo Ciência Pela Infância (NCPI), essas desigualdades afetam as famílias mais vulneráveis, privando-as do acesso a alimentação adequada, habitação digna e serviços de saúde de qualidade. Esse cenário agrava-se especialmente durante a primeira infância, uma fase crucial para o desenvolvimento físico e cognitivo das crianças, a falta de acesso a alimentos ricos em nutrientes essenciais, como proteínas e vitaminas, compromete de maneira irreversível o desenvolvimento neurológico, imunológico e motor das crianças, deixando marcas que podem perdurar ao longo de toda a vida15.
A pobreza infantil no Brasil é alarmante, de acordo com a Agência Brasil16, cerca de 4,8 milhões de crianças vivem em extrema pobreza no país, uma condição que as expõe a insegurança alimentar, doenças e exclusão sócia, essa situação é reflexo de políticas públicas insuficientes, agravadas por crises econômicas e cortes em programas sociais. Dados recentes da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) revelam que a pobreza na primeira infância não apenas afeta a saúde e a nutrição, mas também compromete o desempenho acadêmico e as oportunidades de mobilidade social, perpetuando o ciclo de desigualdade por gerações17.
No cenário global, as crianças também são as maiores vítimas das condições de extrema pobreza. Como relatado pela Rádio USP18, a fome e a pobreza infantil atingem proporções devastadoras, especialmente em países em desenvolvimento, essas crianças não apenas sofrem com a privação de alimentos, mas também enfrentam limitações no acesso à educação e serviços básicos de saúde, o que agrava sua vulnerabilidade.
Para mitigar os impactos da fome e da desnutrição infantil, é essencial a implementação de políticas públicas eficazes e o fortalecimento de ações comunitárias que promovam segurança alimentar e inclusão social. Entre as medidas apontadas, destacam-se programas de transferência de renda, iniciativas de fortalecimento da agricultura familiar e ações de educação nutricional, segundo o Brasil Escola, educar as famílias sobre a importância de uma dieta equilibrada é uma estratégia fundamental para combater a desnutrição infantil e promover o desenvolvimento pleno das crianças19.
A desnutrição infantil, frequentemente invisibilizada nos debates públicos, é um reflexo direto das desigualdades estruturais que persistem no Brasil e em outros países. Ao garantir condições adequadas para o desenvolvimento das crianças, o país poderá não apenas romper o ciclo da pobreza, mas também construir uma sociedade mais justa e equitativa, que valorize o potencial de suas futuras gerações.
2.1. O Simbolismo das Cartas ao Papai Noel e Onde Erramos Como Sociedade
O ato de uma criança escrever uma carta ao Papai Noel pedindo comida transcende a simplicidade de um gesto infantil. É um poderoso símbolo das profundas desigualdades e das falhas estruturais de nossa sociedade, em um mundo que celebra o consumo como medida de sucesso e felicidade, o pedido de uma criança por algo tão básico quanto alimento revela uma dura realidade: estamos falhando em garantir os direitos mais fundamentais àqueles que deveriam ser mais protegidos.
Esse cenário é reflexo de um sistema que privilegia o individualismo e a acumulação de riqueza em detrimento do bem-estar coletivo. O capitalismo, como apontado por análises críticas, está intrinsecamente ligado ao fortalecimento do individualismo, a crença no mérito individual e na autorresponsabilidade, pilares do sistema, desvia o foco da necessidade de ações coletivas e estruturais para solucionar problemas sociais, como enfatizado por artigo do Sindicato dos Metalúrgicos de Sorocaba20, o capitalismo é "irmão gêmeo do individualismo," uma ideologia que justifica desigualdades e perpetua a exclusão social.
A promoção do autocuidado, frequentemente utilizada como estratégia de marketing capitalista, também contribui para a normalização dessa perspectiva individualista, a ideia de que os indivíduos são totalmente responsáveis por seu bem-estar, ignorando as condições estruturais que moldam suas vidas, é uma das farsas que perpetuam o sistema. Conforme discutido por artigo publicado no portal A Verdade, essa lógica transforma o autocuidado em um instrumento de alienação, ao responsabilizar os indivíduos por problemas que, na verdade, são coletivos e exigem soluções integradas21.
Por outro lado, a cena de uma criança pedindo comida como presente de Natal evoca uma profunda necessidade de reconectar a sociedade com valores de solidariedade e bem comum, soluções para essa crise passam, inevitavelmente, pela construção de uma cultura que priorize o coletivo sobre o individual. Como apontado por Carta Capital, aqueles que defendem o bem comum – sejam eles inspirados por ideais comunistas ou religiosos – têm em comum o compromisso com a justiça social e a dignidade humana22. Essa visão não apenas denuncia as falhas do sistema atual, mas também propõe alternativas que resgatam a centralidade do ser humano em suas múltiplas dimensões.
O gesto da criança, ainda que simbólico, nos confronta com uma pergunta essencial: onde erramos como sociedade? A resposta reside no modelo econômico do capitalismo, que privilegia poucos e marginaliza muitos. É preciso, como sociedade, construir uma nova narrativa que reforce a solidariedade, a redistribuição de riquezas e o cuidado coletivo, somente assim será possível impedir que uma criança, em pleno século XXI, veja como seu maior sonho de Natal algo tão básico quanto um prato de comida.