Resumo: A superexposição é um fenômeno que acompanha as transformações do espaço geográfico contemporâneo. A partir da segunda metade do século XX, com a Revolução Técnico-Científica, houve uma intensificação na incorporação de tecnologias, impulsionada pela celeridade dos meios de comunicação e pela ampla disseminação de informações por meio de redes interligadas de computadores e pessoas. Diante desse cenário, o presente trabalho propõe-se a analisar a superexposição de crianças e adolescentes em ambientes digitais marcados por elevado compartilhamento de dados, bem como os reflexos que tal prática pode ocasionar ao longo da vida desses indivíduos. Ademais, embora inexista, até o momento, uma legislação específica que regule de forma direta essa temática, será realizado um confronto interpretativo com dispositivos constitucionais e infralegais já expressamente reconhecidos pelo legislador. Por fim, busca-se verificar a viabilidade da formulação de novos elementos normativos que se mostrem mais compatíveis com o ordenamento jurídico brasileiro atual, especialmente diante do cenário de massivo armazenamento de dados e dos impactos no desenvolvimento psicossocial da criança e do adolescente.
Palavras-chave: compartilhamento de informações; direito da criança e do adolescente; desenvolvimento psicossocial.
INTRODUÇÃO
No mundo globalizado, tornaram-se frequentes a falta de atenção ao paradigma individual e a violação dos direitos pessoais desde o início da vida. Essa nova realidade propiciou um processo de perda de valores exclusivos, de modo que a noção de privacidade passou a se modificar ao longo dos anos, ou mesmo a desaparecer, diante da sobreposição dos dados pessoais.
Nesse contexto, o fenômeno da superexposição não reside necessariamente na veiculação de uma foto, mas nos efeitos gerados a partir do intenso compartilhamento no âmbito da vida privada, ocasionando impactos àquele indivíduo que foi intensamente exposto durante toda a sua infância. Por conseguinte, tais efeitos podem perdurar até mesmo no ambiente de trabalho, em razão dos materiais armazenados, uma vez que se torna possível acessá-los por meio dos provedores de busca virtual.
Diante disso, emerge a seguinte questão: até que ponto a exposição contínua promovida pelos genitores é saudável ao desenvolvimento integral do menor?
Em meio a tantas inovações neste período compreendido pela chamada Era Digital, cria-se uma falsa impressão de que a internet é um fenômeno de liberdade, haja vista que essa veiculação quase instantânea pode ocasionar distorções, sobretudo quando não há a filtragem necessária nem uma seleção criteriosa voltada à construção de um entendimento mais apurado e de uma informação válida. Nota-se que a vida célere, impulsionada pelo aumento dos meios de comunicação, trouxe reflexos irreparáveis aos usuários.
Nesse sentido, crianças e adolescentes, sujeitos deste processo de digitalização, passaram a conviver com uma nova realidade social, não experimentada pelos próprios genitores, a qual implica na inserção no ambiente virtual cada vez mais cedo, o que gera diversos riscos decorrentes dessa relação homem-máquina. Assim, observa-se a perpetuação de determinados valores, desde a coleta, utilização e processamento até a difusão de dados potencialmente lesivos à dignidade da pessoa humana, considerada um princípio fundamental do Estado Democrático de Direito.
Diante dessas considerações, é imperioso refletirmos sobre o quão condizente e acolhido esse menor será diante do intenso compartilhamento de sua imagem e dados ao longo da vida, realizado sem sua autorização, em razão de sua incapacidade civil — questão que será analisada de forma minuciosa nesta obra, sob a égide das garantias constitucionais que versam sobre os direitos adquiridos desde o nascimento, considerados essenciais à proteção do bem jurídico mais importante: a vida.
Portanto, o embate adentra um campo ainda mais profundo, uma vez que os pais são detentores do direito de imagem dos filhos, quando, na realidade, deveriam ser seus protetores. Diante da incorporação das novas tecnologias ao cotidiano dos indivíduos, é fundamental recorrer a inspirações internacionais, a fim de refletirmos acerca dos efeitos nocivos dessa divulgação de imagens, muitas vezes motivada por impulsos parentais.
O COMPARTILHAMENTO ELEVADO E A VULNERABILIDADE DO SUJEITOS ENVOLVIDOS
Em uma primeira análise, no bojo de uma sociedade interligada digitalmente, o professor Filipe José Medon Affonso[1] discorre acerca da palavra sharenting, pontuando que “o neologismo vem da junção das palavras de língua inglesa share (compartilhar) e parenting (cuidar, exercer a autoridade parental), e consiste, basicamente, na prática de pais ou responsáveis que postam, de maneira exagerada, em suas redes sociais, fotos, vídeos e informações de seus filhos menores”.
Desse modo, trata-se de um fenômeno que coloca os pais em uma posição hierarquicamente superior, possibilitando-lhes dispor da vida dos filhos para a produção e o consumo de informação. Embora a exposição recaia sobre os filhos, essa visibilidade não lhes amplia as vozes, evidenciando o potencial lesivo da prática, sobretudo para pessoas anônimas, diante da dificuldade de acesso ao Judiciário.
Em um contexto de uso irrestrito das ferramentas informacionais, é necessário compreender a potencialidade do fenômeno caracterizado como oversharenting, expressão inglesa que pode ser traduzida como o compartilhamento excessivo realizado pelos genitores. Tal prática consiste na superexposição crescente, decorrente do avanço dos meios de comunicação e do parque tecnológico que conecta milhares de pessoas ao redor do mundo.
Nesse contexto, a exposição de crianças e jovens, atrelada às disposições que contribuem para alicerçar todo o sistema de comunicabilidade na pós-modernidade, é produto desse intenso compartilhamento. Ressalte-se, ainda, que as consequências dessa prática vão além da esfera psicossocial do infante, como será detalhado ao longo deste artigo.
Outrossim, partindo da lógica que impulsiona o aperfeiçoamento das mídias digitais, diversas redes de sociabilidade foram surgindo e, com elas, a exposição e o alinhamento entre as esferas pública e privada tornaram-se cada vez mais tênues, sendo necessário refletir sobre o quão frágil é a distinção entre o público e o privado nas redes sociais.
Contudo, embora, à primeira vista, pareça tratar-se de uma prática motivada por boas intenções, os desdobramentos desse desenfreado compartilhamento da vida privada de crianças e adolescentes geram consequências perceptíveis ao longo do tempo. Dessa forma, nessa promoção da imagem, é indispensável impor limites, tendo em vista que a ampla exposição pode produzir efeitos nocivos ao menor, que, por sua condição etária, não dispõe dos instrumentos adequados de defesa, encontrando-se, muitas vezes, em situação de vulnerabilidade incompatível com seu desenvolvimento.
Conforme dispõe o princípio da proteção integral, previsto no artigo 227, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Além disso, em consonância com o disposto no artigo 5º, inciso X, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no contexto da realidade virtual, é possível observar uma maior vulnerabilidade aos direitos à imagem e à vida privada. Embora o referido dispositivo trate genericamente das pessoas, sem distinção etária, admite-se uma interpretação extensiva que contemple, de forma específica, crianças e adolescentes.
Por essa razão, uma vez que ainda não possuem plena capacidade para dispor de sua própria identidade, crianças e adolescentes — em fase de formação e desenvolvimento social — encontram-se em situação de expressa vulnerabilidade psicossocial[2].
Sob essa ótica, é imperioso destacar que a superexposição pode acarretar inúmeras consequências ao bem-estar e ao desenvolvimento saudável, como, por exemplo, o aumento nos índices de transtornos psicossociais, dificuldades no processo de aprendizagem e prejuízos nas relações de convívio interpessoal, aspectos que devem ser combatidos de forma imediata, em prol da proteção integral da pessoa em desenvolvimento.
Desse modo, não se trata apenas de repensar os riscos que a visibilidade constante, ao longo das fases de crescimento, pode gerar sobre a vida futura da criança. É imprescindível analisar o impacto psíquico decorrente dessa veiculação exacerbada, uma vez que o fenômeno do compartilhamento em massa — amplamente disseminado, televisado e armazenado de forma permanente nas mídias sociais — constitui realidade relativamente recente, ainda sem parâmetros sólidos de enfrentamento pela sociedade.
Outro ponto a ser considerado refere-se à exploração econômica da imagem de crianças e adolescentes, como evidenciado na análise das juristas Bruna Lyra Duque e Schamyr Pancieri Vermelho[3]:
“a era digital trouxe novas possibilidades de exploração econômica da internet, principalmente com o surgimento de novas profissões, como a do influenciador digital. Alguns mais famosos chegam a alcançar milhões de reais na internet com parcerias e contratos fechados com marcas e produtos para a divulgação do produto ou serviço como item integrante de sua rotina”.
Sendo assim, é bastante plausível afirmar que o compartilhamento excessivo de informações relacionadas a crianças e adolescentes corrobora a lógica da visibilidade rentável, atraindo um público que se espelha no estilo de vida de pessoas famosas. Em um ambiente de exposição pública, muitos filhos de influenciadores digitais acumulam milhões de seguidores nas redes sociais antes mesmo do nascimento, ou seja, sua imagem já se encontra perpetuada para um grande número de pessoas desde a fase intrauterina.
Ressalte-se, ainda, que, mesmo diante do contínuo espetáculo da vida privada e da presença marcante e cotidiana da criança nas mídias sociais, é comum que o menor possua um e-mail específico para contato. A partir desse canal, é provável que sejam enviadas propostas de parcerias comerciais, inclusive de publicidade, geralmente direcionadas aos administradores das contas, que, na maioria dos casos, são os próprios genitores.
Nesse cenário desprovido de ponderações, a problemática do oversharenting não reside no simples compartilhamento de uma foto em família ou de um momento comemorativo, mas sim nos impactos advindos do compartilhamento contínuo e da exposição excessiva no âmbito da vida privada.
Por conseguinte, a exposição de fatos e dados pessoais por colegas no ambiente escolar pode gerar diversos impactos à criança, revelando o poder social e midiático do chamado “influenciador mirim”. Dessa forma, com os dados amplamente visíveis, torna-se possível acessar o histórico digital de uma pessoa que foi intensamente exposta desde a infância, prolongando os efeitos dessa divulgação até a vida adulta.
Nesse contexto, em meio à celeridade da internet e aos seus reflexos, ampliou-se a capacidade de propagar informações ou imagens com teor ofensivo ou cruel, além de favorecer a ocorrência de crimes cibernéticos, muitas vezes praticados por perfis anônimos que dificultam a identificação do agressor. Tal cenário de anonimato favorece a sensação de impunidade e a continuidade de práticas nocivas ao bem-estar do menor ofendido.
Sob essa ótica, por não se saber quem está por trás desses perfis, tampouco as reais intenções desse sujeito virtual, é possível que uma criança entre em contato com adultos mal-intencionados, cujo objetivo é influenciar negativamente o comportamento de um indivíduo indefeso. Exemplo disso são os jogos virtuais nos quais jovens precisavam cumprir diversas fases, que envolviam autolesões e ameaças, sendo o suicídio o último desafio imposto.
Outrossim, destaca-se a facilidade proporcionada pelas redes para a prática de crimes, especialmente no que se refere a pedófilos que se apresentam às crianças como se fossem amigos da mesma idade, com gostos semelhantes, buscando influenciar o imaginário infantil, conquistar sua confiança e, posteriormente, solicitar fotos e vídeos que violam a privacidade do menor. Além do assédio sexual, ao sondarem informações sobre a rotina da criança, essas pessoas mal-intencionadas podem, inclusive, marcar encontros presenciais sem o conhecimento dos genitores, o que pode culminar em crimes de abuso sexual.
Diante dessa realidade, por se tratar da geração mais vigiada da história, é comum que, durante uma navegação desacompanhada, a criança acabe transmitindo dados pessoais dos pais e de outros membros da família, por não ter consciência dos riscos e das possíveis utilizações indevidas da tecnologia. Tal conduta reflete diretamente na exposição de informações e documentos, intensificando a vulnerabilidade do núcleo familiar.
A IMPRECISÃO ENTRE INCAPACIDADE CIVIL E CAPACIDADE PLENA SOB A ÓTICA DA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS (LGPD)
No tocante à proteção legal dos dados de crianças e adolescentes, a Lei nº 13.709/2018 — denominada Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) — com vigência desde setembro de 2020, estabelece normas específicas sobre o tratamento dessas informações. As disposições relativas ao tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes estão previstas na Seção III da LGPD, especialmente no artigo 14, composto por seis parágrafos, e têm gerado amplos debates interpretativos, tanto na esfera pública quanto na privada:
Art. 14. O tratamento de dados pessoais de crianças e de adolescentes deverá ser realizado em seu melhor interesse, nos termos deste artigo e da legislação pertinente (grifo nosso)
§ 1º O tratamento de dados pessoais de crianças deverá ser realizado com o consentimento específico e em destaque dado por pelo menos um dos pais ou pelo responsável legal.
§ 2º No tratamento de dados de que trata o § 1º deste artigo, os controladores deverão manter pública a informação sobre os tipos de dados coletados, a forma de sua utilização e os procedimentos para o exercício dos direitos a que se refere o art. 18. desta Lei.
§ 3º Poderão ser coletados dados pessoais de crianças sem o consentimento a que se refere o § 1º deste artigo quando a coleta for necessária para contatar os pais ou o responsável legal, utilizados uma única vez e sem armazenamento, ou para sua proteção, e em nenhum caso poderão ser repassados a terceiro sem o consentimento de que trata o § 1º deste artigo.
§ 4º Os controladores não deverão condicionar a participação dos titulares de que trata o § 1º deste artigo em jogos, aplicações de internet ou outras atividades ao fornecimento de informações pessoais além das estritamente necessárias à atividade.
§ 5º O controlador deve realizar todos os esforços razoáveis para verificar que o consentimento a que se refere o § 1º deste artigo foi dado pelo responsável pela criança, consideradas as tecnologias disponíveis.
§ 6º As informações sobre o tratamento de dados referidas neste artigo deverão ser fornecidas de maneira simples, clara e acessível, consideradas as características físico-motoras, perceptivas, sensoriais, intelectuais e mentais do usuário, com uso de recursos audiovisuais quando adequado, de forma a proporcionar a informação necessária aos pais ou ao responsável legal e adequada ao entendimento da criança. (grifo nosso)
Conforme observado acima, no caput do artigo 14, é possível verificar que o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente deve prevalecer e reger a matéria. Seguindo essa linha de raciocínio, o §1º do mesmo artigo dispõe que: “o tratamento de dados pessoais de crianças deverá ser realizado com o consentimento específico e em destaque dado por pelo menos um dos pais ou pelo responsável legal”. Dessa maneira, apenas as crianças — isto é, pessoas que possuem até 12 anos incompletos[4] — seriam diretamente protegidas pela lei, necessitando do consentimento dos pais para que seus dados possam ser tratados.
Nesse contexto, abriu-se margem à dúvida: teria o legislador declarado que adolescentes podem consentir sobre seus próprios dados digitais ou teria apenas optado por não abordar a questão, uma vez que já existe legislação sobre a capacidade civil no Código Civil?
Essa lacuna legal é extremamente prejudicial, uma vez que atores públicos e privados não sabem se esses menores podem ter seus dados coletados ou não e, portanto, agem conforme sua conveniência. Assim, pais e responsáveis desconhecem se os dados de seus filhos estão sendo coletados, tampouco sabem o que está sendo feito com tais informações.
A maior parte da doutrina entende que a LGPD permite que os adolescentes consintam quanto ao tratamento de seus dados digitais. Nessa hipótese, o artigo da LGPD entra em possível conflito com o Código Civil [5]. Isso ocorre porque, conforme previsto no ECA [6], são consideradas crianças as pessoas com menos de 12 anos, e adolescentes aquelas entre 12 e 18 anos incompletos. Entretanto, de acordo com o Código Civil, são absolutamente incapazes os menores de 16 anos [7], e relativamente incapazes os que têm entre 16 e 18 anos incompletos [8].
Nesse sentido, nota-se que há uma faixa etária entre 12 e 15 anos composta por adolescentes absolutamente incapazes que, questionavelmente, de acordo com a LGPD, poderiam consentir sobre o tratamento de seus dados digitais. Diante desse cenário, surgem diversos questionamentos acerca da razoabilidade de tais jovens — considerados absolutamente incapazes no âmbito civil e, ao mesmo tempo, presumidamente capazes no ambiente digital — estarem autorizados a consentir, de forma autônoma, quanto ao uso de seus dados pessoais.
Desse modo, observa-se uma nítida confusão entre incapacidade civil e capacidade plena no meio digital, o que tem motivado intensos debates. Entre os doutrinadores, muitos compreendem ser indispensável o consentimento parental para o tratamento de dados de adolescentes.
De acordo com o professor Filipe José Medon Affonso, a LGPD inova ao trazer um caso de “capacidade especial”[9], pois permite que adolescentes consintam com o tratamento de seus dados digitais, ainda que, sob a ótica do Direito Civil, sejam considerados absolutamente incapazes os menores de 16 anos e relativamente incapazes os maiores de 16 e menores de 18.
Não obstante, os pais, mesmo quando seus filhos são adolescentes, devem monitorar sua vida online, conforme disposto no artigo 229 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que assim estabelece: “os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.
Além disso, aduz o referido professor que os dados digitais e pessoais de crianças e adolescentes tanto podem ser classificados como dados pessoais comuns — regidos pelo artigo 7º — quanto como dados sensíveis — regidos pelo artigo 11 —, ambos da LGPD, sempre em consonância com o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, previsto no caput do já mencionado artigo 14 da LGPD.
Nesse sentido, apesar de haver legislação dispondo sobre a matéria da proteção de dados de crianças e adolescentes no Brasil, na prática pouco do que é disposto na lei de fato é aplicado. No tocante à matéria, a LGPD é omissa, e não é clara em diversos pontos, resultando em debates com a própria doutrina.
Assim, caso nenhuma medida seja adotada para alterar essa realidade, aumentam-se os riscos que a vida online, desacompanhada de monitoramento, pode oferecer às crianças e aos adolescentes brasileiros, como a possibilidade de invasão por hackers [10], exposição ao cyberbullying[11], pedofilia, entre outros.
No que tange ao direito comparado, conforme observado ao longo do presente estudo, diversos países europeus demonstram maior preocupação com a proteção dos direitos relacionados à personalidade humana. Nesse viés, a proteção de dados de crianças e adolescentes no ordenamento jurídico europeu ocorre por meio da General Data Protection Regulation (GDPR)[12], o chamado Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados da União Europeia, em vigor desde maio de 2018. Trata-se de um regulamento comunitário aplicável aos países membros da União Europeia, ainda que possuam tradições e sistemas jurídicos distintos.
A GDPR, por ser anterior, exerceu forte influência sobre a LGPD. No entanto, o regulamento europeu tratou a matéria de forma mais abrangente, dispondo de 99 artigos que abordam os diversos aspectos do tratamento de dados, enquanto a lei brasileira conta com apenas 65 artigos.
Quando comparada à proteção de dados de crianças e adolescentes prevista no ordenamento jurídico norte-americano, é perceptível a diferença de enfoque. O viés libertário dos Estados Unidos se evidencia no fato de a legislação estadunidense dedicar-se exclusivamente à proteção dos dados de menores, ao passo que a GDPR se aplica aos dados de todos os cidadãos europeus — incluindo crianças e adolescentes — o que evidencia uma maior abrangência protetiva.
Percebe-se, portanto, que os países da União Europeia vêm demonstrando uma preocupação mais acentuada com a proteção de dados de crianças e adolescentes, refletindo, em seus ordenamentos jurídicos, as mudanças decorrentes da crescente informatização da sociedade na chamada Era Digital.
Portanto, diante do crescente parque tecnológico presente no mundo contemporâneo, que passa por inovações constantes e atrai, cada vez mais, adeptos do público jovem, incumbe aos pais — pilares na formação dos filhos — o papel de monitorar suas navegações cotidianas, a fim de afastá-los de riscos desconhecidos e verificar eventuais violações aos direitos inerentes à personalidade.