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Do contraditório nas suspensões de liminares, de tutelas antecipadas, de sentenças e de acórdãos de competência dos presidentes dos tribunais

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14/05/2008 às 00:00
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O deferimento do pedido suspensivo pelo presidente do tribunal sem intimação prévia da parte adversa representa violação ao princípio do contraditório?

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Das suspensões de liminares, de tutelas antecipadas, de sentenças e de acórdãos. 2.1. Breve histórico. 3. Do contraditório como garantia constitucional. 4. Do contraditório diferido. 5. Do contraditório nas suspensões de liminares, de tutelas antecipadas, de sentenças e de acórdãos. 6. Conclusão. 7. Referências bibliográficas.


1. INTRODUÇÃO

A suspensão de execução de decisão judicial é um instrumento jurídico posto à disposição da administração pública e também do ministério público para que estes possam pleitear, junto ao presidente do tribunal competente para conhecer do respectivo recurso, a concessão de uma contra-cautela destinada a sobrestar a execução de liminar, de tutela antecipada, de sentença ou de acórdão proferidos em determinadas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, visando a evitar, enquanto não definitiva a decisão, que o interesse público primário possa ser gravemente lesionado.

Os questionamentos em torno da constitucionalidade dos pedidos de suspensão de execução de decisões judiciais com fulcro nas Leis federais nºs. 4.348/64, 7.347/85, 8.038/90, 8.437/92, 9.494/97 e 9.507/97, ainda hoje, insistem em emergir nos autos de requerimentos desta natureza.

Apesar do instituto em questão ser de prática remota e cotidiana em nosso país, não são raras as vezes em que a parte agravante, insatisfeita com a decisão que suspende a eficácia de provimento judicial que lhe é favorável, sustenta a inconstitucionalidade das normas que garantem a suspensão.

Alegada inconstitucionalidade fundar-se-ia, basicamente, no fato de, muitas das vezes, o presidente do tribunal competente para conhecer do pedido suspensivo deferi-lo sem intimar previamente a parte adversa, o que representaria, para os defensores da inconstitucionalidade das suspensões, violação ao princípio do contraditório.

O presente artigo tem por objetivo justamente abordar como se vem efetivando o contraditório nas suspensões de liminares, de tutelas antecipadas, de sentenças e de acórdãos.

Para tanto, recorrer-se-á à Teoria Discursiva do Direito de Habermas e à Teoria do Processo como Procedimento em Contraditório de Fazzalari, como marcos teóricos informadores das modernas concepções de Estado Democrático de Direito e de Processo.

A escassez de obras dedicadas exclusivamente à problemática das suspensões de execução de decisões judiciais, as quais vêm merecendo, aqui e ali, algumas poucas linhas, avoluma a importância do presente trabalho.

O tema proposto, além de sedutor e complexo, é de grande utilidade prática não só para juízes, desembargadores, promotores, procuradores, assessores jurídicos e demais bacharéis que laboram no campo do Direito Público, como para os que militam na advocacia privatista que não podem descartar a possibilidade de, em feitos por eles patrocinados, ter a eficácia de uma decisão judicial que lhes seja favorável suspensa com fulcro no instituto objeto do estudo que ora se inicia.


2. DAS SUSPENSÕES DE LIMINARES, DE TUTELAS, DE SENTENÇAS E DE ACÓRDÃOS

Conforme já se explicitou, a suspensão de execução de decisão judicial objeto do presente estudo é um instrumento jurídico posto à disposição da administração pública e do ministério público para que estes possam pleitear junto ao presidente do tribunal competente para conhecer do respectivo recurso a concessão de uma contra-cautela destinada a sobrestar a execução de liminar, de tutela antecipada, de sentença ou de acórdão proferidos em determinadas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, visando, enquanto não se tem certeza de que tal decisão irá prevalecer, evitar "grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas" [01].

É importante destacar, desde logo, que a suspensão não é sucedâneo de recurso e que o provimento da mesma cinge-se a suspender os efeitos da decisão; nem reforma, nem cassa, a mesma subsiste, embora, temporariamente, tolhida na sua eficácia.

O pedido de suspensão é gênero de que são espécies: as suspensões de liminar e de sentença proferidas em mandado de segurança (art. 4º da Lei nº 4.348/64); a suspensão de liminar concedida em ação civil pública (§1º do art. 12 da Lei nº 7.347/85); a suspensão de liminar concedida nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes (art. 4º da Lei nº 8.437/92); a suspensão de sentença proferida em ação cautelar inominada, ação popular e ação civil pública (§1º do art. 4º da Lei nº 8.437/92); a suspensão de tutela antecipada concedida nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes (art. 1º da Lei nº 9.494/97 c/c art. 4º da Lei nº 8.437/92); a suspensão de sentença proferida em habeas data (art. 16 da Lei nº 9.507/97); e a suspensão de acórdão que, ao julgar o agravo contra a decisão do presidente que indefere ou defere o pedido suspensivo, mantém ou restabelece a decisão cuja eficácia se pretende obstar (§ 4º do art. 4º da Lei nº 8.437/92); ou, no caso de decisão proferida em mandado de segurança, quando provido o agravo contra decisão do presidente que defere o efeito suspensivo, ou seja, de acórdão que restabelece a decisão cuja eficácia se pretende suspender (§ 1º do art. 4º da Lei nº 4.348/64); e, ainda, do acórdão que nega provimento a agravo de instrumento interposto contra a liminar concedida nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes (§ 5º do art. 4º da Lei nº 8.437/92).

Nos termos do art. 4º da Lei nº 4.348/64, possui legitimidade ativa para requerer o pedido de suspensão de liminares e de sentenças proferidas em mandados de segurança a pessoa jurídica de direito público interessada, ou seja, União, Estados, Distrito Federal, Municípios, Autarquias e Fundações Públicas.

A doutrina e a jurisprudência, interpretando extensivamente o referido dispositivo, estenderam a legitimidade ativa às empresas públicas e às sociedades de economia mista, quando no exercício de função delegada do Poder Público, tenham que suportar os efeitos da decisão.

Preleciona Hely Lopes Meirelles (1996, p.63), estritamente no que diz respeito às suspensões de limiares e de sentenças proferidas em sede de mandado de segurança, que o art. 41 da Lei n1 4.348/64 é defeituoso, pois, no seu sentir,

não só a entidade pública como, também, o órgão interessado têm legitimidade para pleitear a suspensão da liminar, como, ainda, as pessoas e órgãos de Direito Privado passíveis da segurança e que suportarem os efeitos da liminar podem pedir sua cassação. A lei há que ser interpretada racionalmente, para a consecução dos fins a que se destina.

Cita o renomado autor, neste sentido, decisão do Ministro Antônio Neder, quando à frente da Presidência do STF:

o direito de pedir a suspensão da segurança deve ser concedido não só ao Procurador-Geral da República e à pessoa jurídica de Direito Público interessada, senão também às pessoas e às entidades privadas que tenham de suportar os efeitos da medida. A todos aqueles que figurarem na ação de segurança, e que forem alcançados pela sentença concessiva do writ, deve conferir-se o direito de pedir a suspensão da medida. [02]

Embora a jurisprudência dos Tribunais pátrios tenha se sedimentado no sentido de se admitir a legitimidade ativa do Ministério Público para todas as espécies de suspensões, no campo doutrinário, esta questão é ainda fonte de controvérsias, advertindo alguns que a presença do Ministério Público, como agente provocador do pedido suspensivo, se dará somente quando autorizada em lei (hipóteses da Lei nº 8.437/92) e, mesmo assim, por inexplicável inércia da pessoa jurídica interessada e, sempre, em substituição.

Advirta-se ainda que, nos termos das normas de regência, fala-se em "requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada", portanto, mesmo que esta não seja parte na ação onde proferida a decisão cuja execução se pretende obstar, ela pode requerer o pedido de suspensão.

De acordo com as Leis nºs. 4.348/64 (art. 4º), 7.347/85 (§ 1º do art. 12) e 8.437/92 (art. 4º), compete exclusivamente ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, apreciar o pedido de suspensão.

Em um primeiro exame, definir a competência para a análise do pedido suspensivo pode parecer simples. No entanto, esta não é questão absolutamente tranqüila.

Um dos problemas encontrados na fixação da competência estaria no caso de suspensões contra decisões liminares de relatores nos tribunais inferiores (Estaduais ou Federais), que, a par de desafiarem o recurso de agravo interno, em regra, não são conhecidas pelos presidentes dos respectivos tribunais.

Ainda que no caso da ação mandamental, nos termos do art. 25 da Lei nº 8.038/90 [03], o pedido de suspensão contra decisão liminar de relator de tribunal inferior deva ser dirigido aos presidentes dos tribunais superiores - do STF ou do STJ, se a questão for, respectivamente, constitucional ou infraconstitucional -, controvertida é a questão quando se tratar das demais espécies de suspensões, pois, nos termos da lei, tratando-se de tutela antecipada ou de liminar concedida em última instância pelo relator, por exemplo, quando se concede efeito suspensivo ativo a agravo de instrumento, que desafia o agravo interno, presente no art. 557, § 1º, do CPC, para o próprio tribunal do qual o relator faz parte, deveria o presidente deste tribunal apreciar o pedido suspensivo(RODRIGUES, 2000, p. 113).

Porém, na prática, a maioria dos presidentes dos Tribunais vem se considerando incompetente para suspender "provimento jurisdicional proveniente de integrante do próprio Tribunal" [04].

Feitas estas considerações, via de regra, o julgamento do pedido de suspensão requerido contra liminar, tutela antecipada ou sentença proferida por juiz estadual (exceção quando o mesmo atua como juiz federal, como se dá no caso do art. 109, § 3º, da CF) ou federal, compete ao Presidente do TJ ou do TRF, respectivamente. Tratando-se de decisão liminar e de tutela antecipada proferida por Desembargador no TJ ou no TRF, originariamente ou em grau de recurso, bem como nos casos de suspensão de acórdão previstos nos §§ 4º e 5º do art. 4º da Lei nº 8.437/92 e no § 1º do art. 4º da Lei nº 4.348/64, compete aos Presidentes dos Tribunais Superiores: do STF, se a questão for constitucional, ou do STJ, se a questão for infraconstitucional.

Igualmente controvertido é o capítulo destinado a estudar a natureza jurídica das suspensões.

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Alguns asseveram ser o pedido de suspensão de natureza administrativa. Para os defensores dessa tese, o Presidente do Tribunal ao examinar o pedido suspensivo não adentra no mérito da ação nem no seu aspecto jurídico, exercendo apenas um juízo político e discricionário acerca da lesividade da decisão hostilizada, que vincula o juiz hierárquica e administrativamente subordinado.

As reflexões feitas por Marcelo Abelha Rodrigues (2000, p. 95-96) não deixam dúvidas de que as suspensões não são de natureza administrativa. Nos termos do que preceitua o referido autor, se essa tese fosse aceita, estar-se-ia admitindo que uma decisão administrativa teria força suficiente para se sobrepor a uma decisão judicial, retirando-lhe, inclusive, a eficácia. Isto é, estaria o ordenamento jurídico permitindo que uma decisão judicial fosse descumprida por uma decisão administrativa. E mais, se o pedido de suspensão fosse de natureza administrativa, o mesmo não poderia ser desafiado por um recurso de natureza processual, destinado a um órgão colegiado, cuja decisão tem caráter jurisdicional, seria ele impugnado via madamus e não agravo.

Colhe-se, da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, julgado onde textualmente referendado que "a suspensão de segurança possui natureza jurisdicional e não administrativa" [05].

Para outros, o pedido de suspensão teria natureza recursal. Os aliados dessa corrente defendem que:

Se o Presidente do Tribunal não chega a cassar o ato, não é menos certo que sua decisão o atinge frontalmente, pois que lhe retira a idoneidade de produzir efeitos jurídicos. Há, por conseguinte, um interesse revisional do postulante, com o que a medida passa a guardar semelhança com os recursos em geral. (CARVALHO FILHO, 1995, p. 280) [06]

Embora se encontrem julgados denominando a suspensão de recurso [07], essa tese não merece prosperar por faltar ao pedido suspensivo inúmeros aspectos próprios dos recursos, como ausência de prazo, preparo, tipicidade e devolução da decisão. Além disso - e o mais importante-, é que o recurso objetiva a reforma ou modificação da decisão hostilizada, enquanto na suspensão o que se pede, ou pelo menos o que é possível deferir, é apenas a suspensão de sua eficácia.

A corrente de melhor aceitação é a de ser a suspensão de natureza cautelar, já que presentes duas características próprias das medidas cautelares, quais sejam a instrumentalidade e a provisoriedade.

Segundo essa tese, tem a Suspensão de Execução de Decisão Judicial um caráter instrumental, porque somente é útil e necessária com referência à suspensão da medida e enquanto não for conhecida a matéria em seu sentido amplo, pelo órgão do mesmo tribunal, como também evidente é o seu caráter provisório, porque o provimento presidencial subsistirá enquanto não sobrevier a decisão do julgamento do recurso. (LIMA e SINGUI [08])

A propósito, encontram-se, tanto no STF quanto no STJ, julgados no sentido de serem as suspensões de natureza jurídica cautelar. Citem-se, por emblemáticos, os Acórdãos proferidos quando do julgamento do AgRg na SS nº 846/DF [09] e do AgRg na PET nº 1.165/PR [10].

Em que pese a afirmação, em ambos os julgados, de ser a suspensão uma contra-cautela, já que a mesma, por vezes, irá obstar a eficácia de uma cautela concedida anteriormente (como se dá com a liminar concedida em medida cautelar ou mesmo em mandado de segurança), ainda assim terá o pedido suspensivo natureza cautelar.

É importante, ainda, mencionar o posicionamento de Marcelo Abelha Rodrigues (2000, p. 97), para quem o pedido de suspensão é um típico incidente processual voluntário, pois além de requerido por pessoa jurídica de direito público, que não precisa necessariamente ser parte na ação principal, surge vinculado a um processo já em curso, destacando-se por seu caráter acessório e secundário.

2.1. BREVE HISTÓRICO

Apesar do aspecto histórico não constituir o melhor critério para interpretar uma norma, não podemos relegar, pelo menos no campo doutrinário, a importância de se conhecer a origem e a evolução de um instituto.

Por isso, para melhor compreensão do tema proposto, passa-se a um escorço histórico das suspensões.

A possibilidade da suspensão da eficácia de decisão judicial em hipóteses excepcionais e a pedido do ente público teve inspiração no Direito Romano [11], notadamente, na intercessio do período formulário [12].

Segundo Marcelo Abelha Rodrigues (2000, p.72), a intercessio "consistia no veto que um magistrado fazia à execução de um ato ordenado por outro. Assim, por esse instituto, um juiz de igual ou superior hierarquia deveria suspender a execução de um ato prolatado por outro magistrado".

No Brasil, o pedido de suspensão teve sua origem atrelada ao mandado de segurança.

Ensina Gilberto Etchaluz Villela (1998, p.29) que a Constituição Federal de 1934, em seu art. 113, introduziu o mandado de segurança em nosso ordenamento jurídico e que a Lei federal nº 191, de 16.01.36 [13], ao regular o referido instituto, apresentou, em seu bojo, artigo dispondo que:

Art. 13. Nos casos do art. 8º, §9º, e art. 10, poderá o presidente da Corte Suprema, quando se tratar de decisão da Justiça Federal, ou da Corte de Apelação, quando se tratar de decisão da justiça local, a requerimento do representante da pessoa jurídica de direito público interno interessada, para evitar lesão grave à ordem, à saúde ou à segurança pública, manter a execução do acto impugnado até o julgamento do feito, em primeira ou em segunda instâncias. [14]

A concepção inicial era a da manutenção da execução do ato impugnado no writ e não da suspensão da eficácia da decisão judicial, como hoje se tem.

É importante registrar que os aludidos dispositivos, § 9º do art. 8º [15] e art. 10 [16] da Lei nº 191/36, tratam justamente de decisões que corresponderiam, hoje, respectivamente, à liminar e à sentença de mérito a serem proferidas em sede de mandado de segurança.

A Constituição Federal de 1937, de contornos nitidamente autoritários, nada dispôs sobre o mandado de segurança.

O instituto do mandado de segurança, no entanto, foi repristinado pelo Código de Processo Civil de 1939, que destinou, desta feita, dispositivo para autorizar nas hipóteses excepcionais, ali especificadas, a execução do ato impugnado, verbis:

Art. 328. A requerimento do representante da pessoa de direito público interessada e para evitar lesão grave à ordem, à saúde, ou à segurança pública, poderá o presidente do Supremo Tribunal Federal ou do Tribunal de Apelação, conforme a competência, autorizar a execução do ato impugnado.

Nessa nova acepção, diferentemente do que dispunha a Lei nº 191/36, que se limitava à manutenção da execução dos atos obstados por decisões proferidas pela Justiça Federal ou pela Corte de Apelação, abria-se, agora, a possibilidade de, em caso de deferimento do requerimento em questão, serem executados os atos administrativos que tiveram sua eficácia suspensa, não apenas por decisão de segunda, mas também, de primeira instância.

Ampliou-se, igualmente, a competência para conhecer do referido "requerimento", que passou a ser, dependendo da instância de origem da decisão que obstara a execução do ato administrativo impugnado, não só do presidente do Supremo Tribunal Federal, como dos presidentes dos Tribunais de Apelação.

Com a Carta Magna de 1946, que veio a consolidar a redemocratização do país, o mandado de segurança, como importante instrumento deste processo, voltou a ser incluído no texto constitucional, desta vez, praticamente com os mesmos contornos que é hoje conhecido.

A Lei nº 1.533, de 31.12.51, pelo que consta de sua própria ementa, teve por escopo alterar disposições do Código de Processo Civil, relativas ao mandado de segurança.

Não se pode esquecer que o Código de Processo Civil então em vigor era o de 1939, que previa, como já se analisou, em seu artigo 328, a possibilidade de a requerimento do representante da pessoa jurídica de direito público interessada e para evitar lesão grave à ordem, à saúde, ou à segurança públicas, serem executados os atos administrativos anteriormente sobrestados por decisões judiciais.

Essa observação é importante, porque a Lei nº 1.533/51 passou, no que diz respeito às suspensões, apenas, a prever a possibilidade de recurso da decisão que deferisse [17] o pedido suspensivo. A par de trazer pela primeira vez a expressão "suspensão da execução", as hipóteses que dariam suporte ao pedido e ao deferimento da suspensão seriam aquelas elencadas no art. 328 do CPC de 1939, ou seja, para evitar lesão grave à ordem, à saúde, ou à segurança públicas.

Eis, em sua literalidade, como ficou redigida aludida inovação:

Art. 13. Quando o mandado for concedido e o presidente do Supremo Tribunal Federal, do Tribunal Federal de Recursos ou do Tribunal de Justiça ordenar ao juiz a suspensão da execução da sentença, desse seu ato caberá agravo de petição para o Tribunal a que presida. [18]

Posteriormente, foi editada a Lei nº 4.348, de 26.06.1964, que, aproveitando alguns conceitos introduzidos pela legislação anterior, veio a traçar, em seu artigo 4º, as linhas mestras das suspensões de segurança [19], nos moldes em que hoje são conhecidas. Assim:

Art. 4º. Quando, a requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada e para evitar lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, o Presidente do Tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso (VETADO) suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar, e da sentença, dessa decisão caberá agravo, sem efeito suspensivo, no prazo de dez (10)[cinco] [20] dias, contados da publicação do ato.

Como se vê, a Lei nº 4.348/64 apresentou expressivas novidades. Acrescentou aos bens tutelados (ordem, saúde e segurança) a economia pública e passou, de forma genérica, a determinar que a autoridade judiciária competente para apreciar o pedido de suspensão será o presidente do tribunal "ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso".

A seguir, veio a dispor a Lei nº 7.347, de 24.07.1985, disciplinadora da Ação Civil Pública, em seu art. 12, que

§ 1º - A requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, poderá o Presidente do Tribunal a que competir o conhecimento do respectivo recurso suspender a execução da liminar, em decisão fundamentada, da qual caberá agravo para uma das turmas julgadoras, no prazo de 5 (cinco) dias a partir da publicação do ato.

Foi a primeira vez, no ordenamento pátrio, que se estendeu a possibilidade de suspensão de decisão judicial, nos termos em questão, a uma ação que não a mandamental.

Com a criação do STJ pela Constituição Federal de 1988 e o novo desenho do Poder Judiciário nacional (o STF como guardião da Constituição e o STJ como protetor da legislação federal), houve a necessidade de se instituir normas procedimentais para os processos de competência desses Tribunais. Para tanto, foi editada a Lei n 8.038, de 28.05.90 - conhecida como Lei dos Recursos (LR) - prevendo o pedido de suspensão de segurança no âmbito dessas Cortes de Justiça, em artigo vazado nos seguintes termos:

Art. 25. Salvo quando a causa tiver por fundamento matéria constitucional, compete ao Presidente do Superior Tribunal de Justiça, a requerimento do Procurador-Geral da República ou da pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública, suspender, em despacho fundamentado, a execução de liminar ou de decisão concessiva de mandado de segurança, proferida, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados e do Distrito Federal.

§ 1º O Presidente pode ouvir o impetrante, em cinco dias, e o Procurador-Geral quando não for o requerente, em igual prazo.

§ 2º Do despacho que conceder a suspensão caberá agravo regimental.

§ 3º A suspensão de segurança vigorará enquanto pender o recurso, ficando sem efeito, se a decisão concessiva for mantida pelo Superior Tribunal de Justiça ou transitar em julgado.

Além de atribuir ao juízo competente para conhecer da suspensão a faculdade de, antes de apreciar o mérito do pedido, intimar a parte adversa para, querendo, contraditar, dizer e se defender, ela também fixou no tempo a eficácia da decisão suspensiva.

Em 30.06.1992, foi editada a Lei nº 8.437 [21], que estendeu o instituto de que ora se cuida à liminar [22] e à sentença proferidas em ação cautelar, bem como à sentença proferida na ação popular e na ação civil pública, por coincidência ou não, em artigo de mesmo número da Lei nº 4.348/64, que restou, em sua redação original, assim positivado:

Art. 4º Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.

§ 1º Aplica-se o disposto neste artigo à sentença proferida em processo de ação cautelar inominada, no processo de ação popular e na ação civil pública, enquanto não transitada em julgado.

§ 2º O presidente do tribunal poderá ouvir o autor e o Ministério Público, em cinco dias.

§ 3º Do despacho que conceder ou negar a suspensão, caberá agravo, no prazo de cinco dias.

A par das inovações já apontadas, a nova Lei ampliou os fundamentos que dariam suporte ao pedido e ao deferimento da suspensão, ou seja, não mais, apenas, para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, mas também e concomitantemente em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade.

Ao se prever, agora positivamente, o deferimento do pedido com fundamento em flagrante ilegitimidade, acenou o legislador, ao contrário de todas as hipóteses anteriores, com a possibilidade do presidente do tribunal entrar na discussão da juridicidade da decisão.

Acrescente-se que, nas hipóteses da nova Lei, tanto a decisão que deferisse quanto a que indeferisse o pedido suspensivo seriam agraváveis [23].

A Reforma do CPC de 1994 trouxe o instituto da antecipação de tutela (art. 273 e 461), a qual, se concedida nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, também pode ser suspensa com fundamento no art. 4º da Lei n 8.437/92, por expressa previsão contida no art. 1º da Lei n 9.494, de 10.09.97 [24].

Da mesma forma anômala que constou da lei que regulou o mandado de segurança (art. 13 da Lei nº 1.533/51), o pedido de suspensão restou também previsto na lei que regulamentou o Habeas Data (Lei nº 9.507, de 12.11.1997). Na hipótese deste writ, no entanto, a suspensão é admitida apenas contra sentença e, assim como constou da Lei nº 1.533/51, não se especificou os pressupostos que devem fundamentar o pedido e o deferimento do efeito suspensivo. Veja-se:

Art. 16. Quando o habeas data for concedido e o Presidente do Tribunal ao qual competir o conhecimento do recurso ordenar ao juiz a suspensão da execução da sentença, desse seu ato caberá agravo para o Tribunal a que presida.

Nos idos de 1999, sem qualquer preocupação científica e através de mera medida provisória [25], relevantes alterações foram introduzidas no instituto em questão, com a nítida finalidade de evitar que decisões judiciais pudessem retardar as privatizações, ocorridas em massa, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso.

Para tanto, o Executivo Federal buscou formas não só para acelerar o procedimento dos pedidos suspensivos como também para, em caso de indeferimento, possibilitar a chegada dos mesmos aos Tribunais Superiores, sabidamente, mais suscetíveis às pressões políticas.

Dentre as principais modificações introduzidas no art. 4º da Lei n° 8.437/92 pela Medida Provisória nº 2.180-35, de 24.08.2001, que restou congelada pela Emenda Constitucional nº 32, destacamos: a) redução do prazo para oitiva do Ministério Público e do autor, antes de cinco dias, para setenta e duas horas (§ 2º); b) determinação de que o pedido de agravo contra a decisão do presidente fosse levado a julgamento na sessão seguinte à sua interposição (§ 3º); c) instituiu a possibilidade do presidente do tribunal conceder uma liminar para, em juízo prévio e provisório, conferir ao pedido o efeito suspensivo pretendido (§ 7º) [26]; d) e permissão para o presidente, mediante simples aditamento do pedido original, estender os efeitos da suspensão a liminares supervenientes (§ 8º).

Outra novidade introduzida pela referida Media Provisória refere-se à suspensão de acórdão que, ao julgar o agravo contra a decisão do presidente que indefere ou defere o pedido suspensivo, mantém ou restabelece a decisão cuja eficácia se pretendeu obstar (§ 4º do art. 4º da Lei nº 8.437/92).

Observe-se que a Lei nº 4.348/64 também foi modificada pela Medida Provisória nº 2.180-35/2001 [27], visando, da mesma forma, que o pedido suspensivo de decisão proferida em mandmaus chegasse mais rapidamente aos Tribunais Superiores, ao prever novo pedido suspensivo, não só em caso de indeferimento do primeiro, quanto do acórdão que concede provimento ao agravo interposto contra decisão do presidente deferitória do efeito suspensivo (§ 1º do art. 4º da Lei nº 4.348/64).

Registre-se que a maioria dos Tribunais do país apresentam, em seus respectivos regimentos internos, disposições sobre as suspensões em comento.

No atual Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, Resolução nº 420 [28], de 01.08.2003, com redação dada pela Resolução nº 530 [29], de 05.03.2007, a matéria encontra-se disciplinada nos artigos 12, III, "b"; 18, X; 257; 258; 330; 331 e 332.

Em outubro de 2006, foram editadas, no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, as Súmulas nº 3 [30] e 12 [31], enunciando, respectivamente, que, em sede de suspensão de segurança, somente a decisão do presidente que defere o pedido suspensivo será recorrível - mediante agravo, a ser interposto no prazo de dez dias [32] - para aquele tribunal, e que interposto o agravo contra a decisão do presidente que concede ou nega a suspensão da execução da liminar ou da sentença, em ação cautelar inominada, em ação popular e em ação civil pública, será o mesmo levado a julgamento na sessão seguinte à sua interposição.

No entanto, com as alterações introduzidas pela já citada Resolução nº 530, de 05.03.2007, ao atual Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, conferiu-se nova redação ao art. 330 deste, que – ao contrário do enunciado da Sumula nº 3 daquela Casa - passou a dispor:

Art. 330. Caberá agravo contra decisão do Presidente que deferir ou indeferir pedidos de suspensão de execução de liminar ou de sentenças proferidas em mandado de segurança, ação civil pública, ação popular e ação cautelar movidas contra o Poder Público e seus agentes, bem como da decisão proferida em pedidos de suspensão de execução de tutela antecipada deferidas nas demais ações movidas contra o Poder Público e seus agentes. [33]

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Sobre o autor
Silvana Tourinho Lima

Servidora pública efetiva do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, em exercício na assessoria jurídica da Presidência

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Silvana Tourinho. Do contraditório nas suspensões de liminares, de tutelas antecipadas, de sentenças e de acórdãos de competência dos presidentes dos tribunais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1778, 14 mai. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11262. Acesso em: 18 nov. 2024.

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