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Do contraditório nas suspensões de liminares, de tutelas antecipadas, de sentenças e de acórdãos de competência dos presidentes dos tribunais

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14/05/2008 às 00:00
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5. DO CONTRADITÓRIO NAS SUSPENSÕES DE LIMINARES, DE TUTELAS, DE SENTENÇAS E DE ACÓRDÃOS

Consignou-se no intróito deste trabalho que, apesar do instituto em questão ser de prática remota e cotidiana na nossa Justiça, não são raras as vezes em que a parte agravante, insatisfeita com a decisão que sobresta a eficácia de decisão que lhe é favorável, sustenta a inconstitucionalidade das normas que garantem a suspensão.

Alegada inconstitucionalidade fundar-se-ia, basicamente, no fato de, muitas das vezes, o presidente do tribunal competente para conhecer do pedido suspensivo deferi-lo sem intimar previamente a parte adversa, já que referida oitiva figuraria na lei de regência [39] como faculdade conferida àquele (presidente do respectivo tribunal), o que representaria, para os defensores da inconstitucionalidade das suspensões, violação ao princípio do contraditório.

Ao rebater esse argumento, sustentam os defensores da constitucionalidade das suspensões que, assim como ocorre na concessão de liminares inaudita altera pars, o contraditório aqui é apenas adiado para um momento posterior, e tal se dá para que não haja risco de dano irreparável ou de difícil reparação ao bem jurídico tutelado; é o que se denomina de periculum in mora inverso.

Inverso porque, muitas vezes, a decisão cuja eficácia se pretende suspender, encontra-se também fundamentada no perigo da demora do provimento judicial a ser proferido na ação para a parte autora (liminares proferidas em mandado de segurança, habeas-data, ação cautelar, ação civil pública, ação popular, e tutelas antecipadas), ocorrendo, pois, no âmbito das suspensões, a inversão do periculum in mora em prol do interesse público primário.

No entanto, os estudiosos desse referido instituo advertem que, ainda que, nos termos da lei [40], a prévia oitiva da parte interessada, nos pedidos de suspensão, seja facultativa, o contraditório não fica relegado, ele é apenas diferido para um momento posterior.

Com as alterações introduzidas pela Medida Provisória nº 2.180-35/2001 na Lei nº 8.437/92, hoje, encontra-se positivado (no art. 4º, § 7º, da Lei nº 8.437/92) [41], que se o Presidente do Tribunal constatar, "em juízo prévio, a plausibilidade do direito invocado e a urgência na concessão da medida", poderá conceder de pronto o efeito suspensivo liminar, para depois determinar a oitiva da parte interessada ou demais diligências que entender necessárias.

Destacam os aliados dessa corrente que é imprescindível consignar, na decisão suspensiva, as razões pelas quais a outra parte não foi ouvida previamente.

Para os defensores da constitucionalidade do pedido suspensivo, mesmo que a parte interessada não seja intimada antes de qualquer provimento (aqui não se fala só em provimento final), esta não fica inteiramente desprovida de defesa, uma vez que sempre poderá produzir suas razões neste sentido mediante o competente recurso ante o juízo coletivo do mesmo Tribunal.

Essa, talvez, tenha sido a preocupação do legislador ao prever, inicialmente, o cabimento de recurso, apenas, da decisão que deferisse o pedido suspensivo. Ou seja, para oportunizar à parte que terá que sofrer os efeitos deste provimento, ainda que em um segundo momento e perante um Órgão colegiado do respectivo Tribunal, o direito ao contraditório e à ampla defesa.

Situação similar ocorre, por exemplo, quando o Poder Público ou qualquer pessoa de direito privado vê deferida contra si, initio littis e também inaudita altera pars, medida cautelar contra a qual, muitas vezes, só resta o pedido de reconsideração ou o agravo de instrumento com pedido de efeito suspensivo ao Tribunal ad quem.

Observe-se, ainda, que o legislador fala em agravo [42] e não em apelação, e em despacho e não sentença, justamente porque a decisão do Presidente nos autos das suspensões em questões apresenta-se como provimento interlocutório, nos exatos termos em que, como visto, admitido por Fazzalari (2006, p 236).

Pertinente lembrar, neste ponto, o caráter instrumental e provisório da suspensão, e que o presidente do tribunal, ao deferir o pedido de suspensão, nem reforma nem cassa a decisão, ela subsiste embora, temporariamente, até que se tenha certeza de que ela deverá prevalecer no mundo jurídico, fique tolhida na sua eficácia.

Devemos advertir, também, que o interesse público defendido no pedido de suspensão é o primário, que engloba o direito difuso, coletivo e social, e não o meramente Estatal, necessitando, assim como os demais direitos, de mecanismo célere e eficaz para evitar grave lesão aos relevantes bens tutelados pelas leis de regência.

Diferentemente de alguns doutrinadores que justificam a constitucionalidade do instituto em questão no princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, defende Michel Temer (apud LIMAe SINGUI [43]) que o pedido de suspensão tem supedâneo no próprio texto constitucional, no princípio da isonomia previsto no art. 5º da Carta Magna. Para ele,

A igualdade consiste no fato de que, assim como o legislador infraconstitucional instituiu o mandado de segurança para proteger direito individual ou coletivo líquido e certo, em face da Administração, facultou paralelamente a esta, a possibilidade de fazer uso do pedido de suspensão para retirar a eficácia de execução de decisão judicial, concedida em sede de segurança, até que ocorra o trânsito em julgado dela.

Gilberto Etchaluz Villela (1998, p. 55), ao enfrentar a questão, destaca que a suspensão não sobrepõe, mas apenas antepõe o interesse público ao particular.

Nesse diapasão, transcreve excerto do voto do Ministro Sepúlveda Pertence, ao relatar, em 03.04.97, já no STF, o AgRg em SS nº 1.149-9/PE:

Verdadeiramente inconciliável com o Estado de Direito e a garantia constitucional da jurisdição seria o impedir a concessão ou permitir a cassação da segurança concedida, com base em motivos de conveniência político administrativa, ou seja, a superposição ao direito do cidadão das "razões de Estado".

Não é o que sucede com a suspensão de segurança, que não tem por objeto a sustação do cumprimento de decisão transitada em julgado, mas apenas a execução provisória de decisão recorrível.

Assim como a liminar ou a execução provisória de decisão concessiva de mandado de segurança, quando recorrível, são modalidades, criadas por lei, de tutela cautelar do direito provável - mas ainda não definitivamente acertado do impetrante -, a suspensão dos seus efeitos, nas hipóteses excepcionais, igualmente previstas em lei, é medida de contra cautela com vistas a salvaguardar, contra o risco de grave lesão a interesses públicos privilegiados, o efeito útil do êxito provável do recurso de entidade estatal (...) (apud VILlELA,1998, p. 55)

Com autoridade, assevera o Juiz Fernando da Costa Tourinho Neto que

O pedido de suspensão é medida excepcional [44], mas não de constitucionalidade duvidosa, como afirmam alguns doutos juristas, sob o argumento de não poder ter vigência em um Estado Democrático de Direito.(TOURINHO NETO, 2001, p.8)

Portanto, em que pese a divergência doutrinária apontada, os Tribunais pátrios já consolidaram o entendimento no sentido de ser o instituto em questão perfeitamente constitucional e compatível com as modernas teorias do Estado Democrático de Direito.


6. CONCLUSÃO

Não se pode olvidar que na busca da concretude do ideário democrático, em todos os atos/provimentos emanados do Estado, sejam provenientes do judiciário, do legislativo ou do executivo, deve ser respeitado o contraditório entre os interessados, de forma que o cidadão participe do procedimento de formação do ato, principalmente, quando este venha a lhe ocasionar privações na vida, na liberdade e na propriedade.

Consagrado no art. 5º, LV, da Constituição Federal, sendo, portanto, direito e garantia fundamental, o princípio do contraditório ilumina toda a sistemática processual, diga-se, aliás, não só em âmbito judicial mas também administrativo.

Donde, segundo a melhor e mais abalizada doutrina, não haver processo sem contraditório.

O princípio do contraditório consiste, em resumo, em oportunizar às partes, em igualdade de condições e em paridade de recursos, participação na construção do provimento judicial; é também o legitimador da atividade do Estado, protegendo o cidadão contra o arbítrio da Administração Pública.

Nesse ponto, a Teoria Discursiva do Direito de Habermas e a Teoria do Processo como Procedimento em Contraditório de Fazzalari convergem, pois ambas primam pela necessidade de participação do interessado, em ambiente discursivo e isonômico, para a legitimação da atuação do Estado.

Portanto, na hodiernidade, só se pode aceitar a constitucionalidade das suspensões de segurança, de tutelas,de liminares e de acórdãos, caso seja garantido à parte adversa o contraditório.

No entanto, isso não significa que a medida suspensiva não possa ser concedida inaudita altera pars.

Demonstrou-se alhures que as suspensões em questão são medidas excepcionais destinadas, mediante requerimento da pessoa jurídica de direito público interessada, a sobrestar a execução de liminar, de tutela antecipada, de sentença ou de acórdão proferidos em determinadas ações, visando, enquanto não se tem certeza de que tal decisão irá prevalecer, evitar que o interesse público primário possa ser gravemente lesionado.

É medida de contra-cautela e, portanto, acessória e instrumental a um processo principal, dotada de provisoriedade (até que se tenha a certeza sobre o direito amparado no provimento impugnado), de urgência (periculum in mora inverso), e de cautelaridade (evitar grave lesão ao interesse público primário).

Registrou-se, aliás, que as normas que disciplinam o instituto em questão estabelecem que "o despacho" suspensivo é recorrível mediante agravo e não apelação.

Insere-se, assim, o instituto das suspensões, nas hipóteses de admissibilidade do contraditório diferido.

Podemos, aqui, destacar duas situações. Uma primeira em que a abertura prévia do contraditório poderá significar a inutilidade da suspensão pretendida, justificando-se, portanto, o deferimento da liminar inaudita altera pars, nos termos previstos no art. 4º, § 7º, da Lei nº 8.437/92, e depois o prosseguimento do feito com a oitiva da parte adversa e demais diligências que se mostrarem necessárias.

É lógico que cada situação é única e suas circunstâncias devem ser individualmente sopesadas. No entanto, imagine-se uma sentença que autoriza um particular a proceder à demolição de um prédio, sobre o qual se discute a legalidade de seu tombamento. Nada obsta que tal decisão, em se fazendo presentes os requisitos e a fim de se assegurar a própria utilidade do pedido suspensivo, seja suspensa por despacho liminar do presidente do tribunal, para depois se oportunizar o contraditório.

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Observe-se que esta hipótese, onde a urgência é óbvia, se enquadra nos exatos termos em que admitido, por Fazzalari, o provimento interlocutório.

Considere-se, ainda, uma segunda situação em que, repita-se, em face dos pressupostos para deferimento do pedido suspensivo, o presidente do tribunal pode e deve de plano, em decisão definitiva, deferir o pedido suspensivo.

Imagine-se, agora, uma liminar concedida contra um dado Município determinando a suspensão de evento que, há mais de trinta anos, faz parte do calendário da Cidade e é organizado pela municipalidade e realizado no mesmo local, porque um hotel, localizado na praça onde a festa sempre fora realizada, alega estar sendo prejudicado pelo movimento das barracas (cuja exploração fora previamente delegada a particulares, mediante competente processo licitatório), como barulho, sujeira e incômodos na hora de utilizar o estacionamento pertencente ao referido estabelecimento.

O Município foi intimado da concessão da liminar na sexta-feira e de plano protocolizou o pedido suspensivo. A festa iria iniciar naquele mesmo dia.

Ora, a intimação prévia para a manifestação da parte adversa poderia representar, na hipótese, a própria inutilidade do pedido suspensivo, donde, presentes os demais requisitos (fumus boni iuris), mostrar-se caracterizada a urgência necessária para, inaudita altera pars, se deferir a suspensão pleiteada.

Nesse caso, o prosseguimento do feito suspensivo na segunda-feira já não teria mais utilidade prática. Não se olvide, também, que nosso ordenamento jurídico repudia liminares satisfativas, principalmente na situação apresentada em que a mesma mostrar-se-ia irreversível, donde recomendável que o Presidente, de pronto, suspenda em despacho definitivo, e não liminar, a execução da referida decisão, sendo certo que questões outras, como danos, eventuais ressarcimentos e até futura mudança de local para realização do evento, deverão ser discutidas nos autos da ação principal e não nos estreitos limites da suspensão.

Anote-se que situações semelhantes a estas são comuns em sede de suspensões. Colacionam-se, para a primeira hipótese, do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, as Suspensões de Sentença nºs. 100.098-3, 103.975-9 e 132.071-2, já para a segunda, também do TJMG, o pedido de Suspensão de Liminar proferida nos autos da Ação Cautelar nº 024.00.027713-7, onde o Município de Belo Horizonte requereu a suspensão da execução de decisão que obstava a realização de evento carnavalesco programado para ocorrer naquele mesmo dia e no seguinte em que protocolizado o pedido suspensivo.

Viu-se, ainda, que a parte que terá que suportar os efeitos da suspensão poderá manejar, no prazo de cinco dias, o competente agravo para julgamento colegiado no respectivo Tribunal.

Conclui-se, portanto, que, até mesmo nas hipóteses em que o Presidente do Tribunal defere o pedido suspensivo inaudita altera pars, o contraditório não resta violado, fica apenas prorrogado para um momento posterior, em perfeita consonância, como se demonstrou, com o texto constitucional e com as mais abalizadas teorias informadoras do Estado Democrático de Direito na atualidade, ou seja, tanto à Teoria Discursiva do Direito de Habermas quanto à Teoria do Processo como Procedimento em Contraditório de Fazzalari.

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Sobre o autor
Silvana Tourinho Lima

Servidora pública efetiva do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, em exercício na assessoria jurídica da Presidência

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Silvana Tourinho. Do contraditório nas suspensões de liminares, de tutelas antecipadas, de sentenças e de acórdãos de competência dos presidentes dos tribunais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1778, 14 mai. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11262. Acesso em: 18 nov. 2024.

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