A Lei das Licitações e Contratos Administrativos, em seu artigo 14, dispõe sobre um princípio licitatório capital, qual seja a definição precisa do objeto a ser licitado.
Neste sentido, reportamo-nos ao ensinamento do Tribunal de Contas da União - TCU, Súmula 177, que assere:
"A definição precisa e suficiente do objeto licitado constitui regra indispensável da competição, até mesmo como pressuposto do postulado de igualdade entre os licitantes, do qual é subsidiário o princípio da publicidade, que envolve o conhecimento, pelos concorrentes potenciais, das condições básicas da licitação, constituindo, na hipótese particular da licitação para compra, a quantidade demandada em uma das especificações mínimas e essenciais à definição do objeto do pregão".
Agora, como sabemos, a fim de bem caracterizarmos o objeto da licitação, não se pode deixar de percorrer as seguintes fases: a avaliação da necessidade (planejamento); a utilização do objeto; a definição do quanto a adquirir; as condições de guarda e armazenamento (e/ou recebimento e aceite); atendimento, quando for o caso, do princípio da padronização; a obtenção das informações técnicas, se e quando necessárias; proceder a pesquisas de mercado, objetivando definir a modalidade e tipo de licitação ou a sua dispensa/inexigibilidade; a indicação (empenho) dos recursos orçamentários.
Nesse sentido, é importante destacar que a construção de qualquer análise sobre a legalidade e legitimidade de objetos referentes à contratação de bens e serviços de Tecnologia da Informação devem ser feitas ante a existência de um Plano Diretor de Informática – PDI (ou, mais modernamente, PDTI – Plano Diretor da Tecnologia da Informação), documento gerador das linhas estratégicas mestres da gestão nessa área de atuação da Administração.
Como já tivemos oportunidade de observar, as disposições contidas no art. 6º, inc. I, do Decreto-Lei nº 200/67 e, mais recentemente, o princípio constitucional da eficiência, tornam mesma obrigatória a implantação de um PDTI.
Com efeito, importa-nos aqui abordar a questão relativa ao enquadramento da modalidade e do tipo de licitação, isto é, a questão central a ser tratada aqui está em saber a qual norma determinados objetos de informática estão subsumidos, isto é, há de se definir se determinados objetos de informática se enquadram no art. 45, § 4º da Lei nº 8.666/93 ou na Lei do Pregão.
A Lei de Licitações traz normas expressas relativas às contratações de bens e serviços de informática, que determinam, verbis:
"Art. 45. O julgamento das propostas será objetivo, devendo a Comissão de licitação ou o responsável pelo convite realizá-lo em conformidade com os tipos de licitação, os critérios previamente estabelecidos no ato convocatório e de acordo com os fatores exclusivamente nele referidos, de maneira a possibilitar sua aferição pelos licitantes e pelos órgãos de controle.
(...)
§ 4º Para contratação de bens e serviços de informática, a administração observará o disposto no art. 3º da Lei nº 8.248, de 23 de outubro de 1991, levando em conta os fatores especificados em seu parágrafo 2º e adotando obrigatoriamente o tipo de licitação "técnica e preço", permitido o emprego de outro tipo de licitação nos casos indicados em decreto do Poder Executivo. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 8.6.94)
§ 5º É vedada a utilização de outros tipos de licitação não previstos neste artigo.
(...)
Art. 46. Os tipos de licitação "melhor técnica" ou "técnica e preço" serão utilizados exclusivamente para serviços de natureza predominantemente intelectual, em especial na elaboração de projetos, cálculos, fiscalização, supervisão e gerenciamento e de engenharia consultiva em geral e, em particular, para a elaboração de estudos técnicos preliminares e projetos básicos e executivos, ressalvado o disposto no § 4º do artigo anterior. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 8.6.94)" (grifos nossos)
Com base nestes dispositivos, vê-se claramente que a contratação de bens e serviços de informática submete-se obrigatoriamente ao tipo de licitação de "técnica e preço", ressalvados: o art. 1º, §3º do Decreto nº 1.070/94 (que conduz a não obrigatoriedade do tipo de licitação "técnica e preço" nas licitações realizadas sob a modalidade Convite); contratação direta com base nos arts. 24 e 25 da Lei nº 8.666/93; e, finalmente, o campo abarcado pela modalidade Pregão, que oportunamente será contemplado nesta nossa análise.
Assim, ao regulamentar o art. 3º da Lei nº 8.248/91 (com alteração introduzida pela Lei nº 10.176/01), o Decreto nº 1.070/94 [01] dispôs, litteris:
"Art. 1° Os órgãos e as entidades da Administração Federal, direta e indireta, as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público e as demais organizações sob controle direto ou indireto da União adotarão obrigatoriamente, nas contratações de bens e serviços de informática e automação, o tipo de licitação "técnica e preço", ressalvadas as hipóteses de dispensa ou inexigibilidade previstas na legislação, devendo exigir dos proponentes que pretendam exercer o direito de preferência estabelecido no art. 5° deste decreto, conforme seu enquadramento nas condições especificadas no referido artigo, entre a documentação de habilitação à licitação, comprovantes de que:
(...)
§ 3° Nas licitações realizadas sob a modalidade de convite, prevista no art. 22, inciso III, da Lei n° 8.666/93, o licitador não é obrigado a utilizar o tipo de licitação "técnica e preço".
Art. 2° Para as finalidades previstas neste decreto, consideram-se bens e serviços de informática e automação, nos termos do art. 3° da Lei n° 7.232/84:
I - os bens relacionados no anexo a este decreto e os respectivos acessórios, sobressalentes e ferramentas que, em quantidade normal, acompanham tais bens;
II - os programas de computador;
III - a programação e a análise de sistemas de tratamento digital da informação;
IV - o processamento de dados [02];
V - a assistência e a manutenção técnica em informática e automação;
VI - os sistemas integrados constituídos de bens e serviços de diversas naturezas em que pelo menos cinqüenta por cento da composição de custos estimada seja constituída pelos itens especificados nos incisos anteriores.
Parágrafo único. Os bens e serviços especificados nos incisos I a V, integrantes de sistemas que não preencham os requisitos previstos no inciso VI, deverão ser licitados em conformidade com as regras estabelecidas neste decreto, salvo quando, por razões de ordem técnica ou econômica, justificadas circunstanciadamente pela maior autoridade da administração promotora da licitação, não seja julgado conveniente licitar os bens e serviços de informática e automação em separado, hipótese em que tal decisão deverá ser informada no ato convocatório." (grifos nossos)
De outro norte, há a legislação relativa ao Pregão, que, como dissemos, também alcança bens e serviços de informática.
Quanto à utilização da modalidade Pregão, sabemos que a base para o enquadramento está na consideração do que seja bens e serviços comuns, que, na lição de Jessé Torres (in Licitações de Informática, editora Renovar), se consubstancia no atendimento a "três notas distintivas básicas: a) aquisição habitual e corriqueira no dia-a-dia administrativo; b) refiram-se a objeto cujas características encontrem no mercado padrões usuais de especificação; c) os fatores e critérios de julgamento das propostas sejam rigorosamente objetivos, centrados no menor preço." (grifo nosso)
A origem sistemática do Pregão está na distinção entre "bens padronizados" (embasadores do conceito do que seja objeto comum) e "sob encomenda". O jurisconsulto Marçal Justen, nesse particular, esclarece-nos (Pregão – Comentários à legislação do pregão comum e eletrônico, editora dialética): "... há casos em que a Administração necessita de bens que estão disponíveis no mercado, configurados em termos mais ou menos invariáveis. São hipóteses em que é público o domínio das técnicas para produção do objeto. .. de tal modo que não existe dificuldade em localizar um universo de fornecedores em condições de satisfazer plenamente o interesse público. Em outros casos, o objeto deverá ser produzido sob encomenda ou adequado às configurações de um caso concreto."
Nem mesmo a previsão expressa e direta do serviço no Anexo II do Regulamento do Pregão significa, necessariamente, a caracterização como objeto comum, do que é um bom exemplo o serviço de treinamento (item 37 do Anexo II) que pode não ser comum e sim singular, na hipótese do enquadramento no art. 13, inciso VI c/c o art. 25, inc II da Lei de Licitações.
De revés, o fato de um dado bem ou serviço não vir a constar do anexo ao Regulamento do Pregão (Decreto nº 3.555/2000), não é empeço ao seu enquadramento nessa modalidade, porquanto, como é sabido, o Anexo é apenas exemplificativo.
A matéria é bastante controvertida e os entendimentos são os mais variados e, em termos de informática, a discussão sobre o conceito de "bem ou serviço comum" é ainda mais acalorada.
Marçal Justen Filho, comentando a nova versão do Anexo II do Decreto (editado pelo Decreto Federal nº 3.784/2001), assim se pronunciou:
"Essas modificações são irrelevantes e, com todo o respeito, não justificavam a edição de um novo Anexo II. Havia defeitos muito mais sérios a corrigir (tal como a questão dos bens comuns na área de informática), que permaneceram existindo."(grifo nosso)
Em verdade, há de se interpretar com cautela a disposição do art. 1º, parágrafo único, da Lei 10.520/2002 (Lei do Pregão), porquanto quando o mesmo se refere a objetos "cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital", nada acrescenta àquilo que todo e qualquer objeto licitado tem de ter como caracterizado.
Cremos, por fim, que o critério objetivo diferenciador para o conceito de "bem ou serviço comum" deve ser, verdadeiramente, a resposta do mercado, que afigura-se, desse modo, como orientação binária (sim-não) para o enquadramento da licitação de bens e serviços de informática na modalidade Pregão.
Assim, por exemplo, se durante a realização da pesquisa de mercado a Administração descobre que pouquíssimas empresas, ante várias contatadas, têm bem ou serviço com condições técnicas aderentes à especificação elaborada, isso, convenhamos, sugere um grau de necessidade que, de tão especial, sugere o não enquadramento do certame na modalidade Pregão.
De modo a espancar qualquer dúvida sobre o acerto do enquadramento, recomendamos que a área de Tecnologia da Informação do órgão público responda se a configuração produzida na especificação dos bens e serviços tem um perfil qualitativo definido e conhecido no mercado, isto é, se tais bens são encontráveis com facilidade no mercado, condição essa, a nosso juízo, sine qua non para o prosseguimento do procedimento de contratação.
Notas
01 Levando-se ainda em consideração o aspecto histórico, podemos dizer que a partir da segunda metade da década de noventa o conceito de processamento de dados foi definitivamente substituído pelo de Tecnologia da Informação (TI), período muito próximo ao da edição do pré-citado Decreto nº 1.070/94, que infelizmente não contemplou essa moderna conceituação, que abarca o espectro de bens e serviços de informática e telecomunicação, abrindo, assim, ensejo a dúvidas sobre o correto enquadramento.
02 Não são poucos os doutrinadores que interpretam a expressão processamento de dados como uma atividade de transformação da informação, ou seja,, TRATAMENTO DOS DADOS POR MEIO DE MÁQUINAS COM O FIM DE OBTER RESULTADOS DA INFORMAÇÃO REPRESENTADA PELOS DADOS, e não um serviço de mera transmissão da informação.