Dois veículos se aproximam de um cruzamento, um rumando ao encontro do outro. Devido ao tráfego conturbado daquele trecho, a Administração Pública faz uso de um dispositivo de comunicação óptica apropriado à situação – o semáforo. Entretanto, por defeito do equipamento, a luz verde está acesa para ambos. O sinistro, salvo por um milagre, é inevitável. Acidentados, os motoristas se entreolham e questionam: quem pagará a conta?
Corroborando a afirmação do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul sobre a hipótese, o ministro Franciulli Netto, do STJ, em seu voto [01], transcreve:
"Evidente a responsabilidade do Município pelo dever de conservar a sinaleira em regular estado de funcionamento. (...) deveria ter providenciado alguma indicação do defeito que tornou inoperante o semáforo, porquanto há notícia de que dois outros acidentes ocorreram no mesmo local".
Essa reflexão, porém, é recente. Para o TJSP [02], "ocorrendo desarranjo em semáforo, o defeito é facilmente notado pelos motoristas, que devem agir com redobrada cautela nos cruzamentos". Não tive acesso à decisão na integra, contudo, acredito que, no caso em tela, o semáforo estava sinalizando a cor vermelha para ambos os motoristas, ou estava desligado. Não discordo do relator. Sem dúvida, em situações extraordinárias, o motorista deve aumentar o zelo, contudo, não considero a existência de culpa da vítima a ponto de desonerar o Estado de sua responsabilidade. Exceto em eventualidades específicas (por ex., excesso de velocidade), não consigo vislumbrar a irresponsabilidade estatal pela falha. No máximo, caracterizar-se-ia a culpa concorrente.
É importante frisar que o nexo de causalidade entre o equipamento defeituoso e o acidente deve ser comprovado, não bastando a mera presunção. As peculiaridades do infortúnio, por si só, podem provar o vinculo de forma irrefutável. Como exemplo claro, cito a hipótese da sinaleira verde para ambos os motoristas. No entendimento do 1 ° TACivSP, "Está demonstrado que, no cruzamento, dois veículos vieram a colidir porque o semáforo existente no local assinalava a mesma cor verde para ambas as vias públicas confluentes. Nessas condições, não se pode atribuir aos motoristas a responsabilidade pelo acidente, pois jamais poderiam suspeitar que a sinalização então permitisse, irregularmente, o ingresso simultâneo dos veículos procedentes de ambas as ruas que se cruzam no local. Seria diversa a situação, e, nesses casos, sim haveriam de entrar no cruzamento com redobrada cautela, se o semáforo se encontrasse desligado ou indicasse somente a cor vermelha. No caso em questão, porém, cada motorista tinha à sua frente o sinal verde, o que, obviamente, dispensava cuidados especiais de quem fosse ingressar no cruzamento" [03].
A situação diversa citada na decisão acima trata da hipótese do semáforo que sinaliza a cor vermelha ou em que o dispositivo está desligado. Exceto em ocorrências específicas, como descumprimento à legislação de trânsito, entendo que haja culpa concorrente do Estado: "há concorrência de culpas: a do motorista por atravessar o cruzamento simplesmente ignorando a ausência da sinalização que ali deveria existir, a da Municipalidade em decorrência de omissão que permitiu e contribuiu para um tal proceder" [04]. "Se o autor e réu admitem que o semáforo estava com defeito, tal fato se torna incontroverso. Assim, a ação é procedente em relação à Prefeitura, responsável pela colocação, manutenção e funcionamento dos semáforos na cidade. Na hipótese presente, a culpa é concorrente, porque o autor, em virtude da falha de sinalização, poderia ter sido mais cauteloso" [05].
Por fim, questiona-se a responsabilidade estatal em cruzamentos que deveriam, supostamente, possuir semáforo. Inexistindo o equipamento, fica a cargo do motorista a devida atenção ao trânsito, não havendo nexo algum entre o desastre e o dever de sinalizar. "Inexiste para o Poder Público Municipal o dever de sinalizar todos os cruzamentos da zona urbana, pois a necessidade ou conveniência de sinalização fica a critério da Administração" [06].
Notas
01 Resp n. 716.250/RS (2005/0004734-7) – Rel. ministro Franciulli Netto – j. 12.09.2005.
02 TJSP, 1ª Câmara, 07.12.1971, RT 436/115. Extraído da obra Responsabilidade Civil do Estado, de Yussef Said Cahali. RT: São Paulo, 2007, p. 235.
03 1° TACivSP, 6 ª Câmara Especial, j. 07.07.1992, Julgados 139/170. Extraído da obra Responsabilidade Civil do Estado, de Yussef Said Cahali. RT: São Paulo, 2007, p. 237.
04 Resp n. 716.250/RS (2005/0004734-7) – Rel. ministro Franciulli Netto – j. 12.09.2005
05 1° TACivSP, 3 ª Câmara Especial, Ap. 527.112, j. 02.07.1993.
06 1° TACivSP, rel. Elliot Akel, j. 19.07.1999, RT 771/253.