Introdução
O direito material ao ambiente ecologicamente equilibrado, consagrado no art. 225, da Constituição da República Federativa do Brasil, em razão do seu caráter supraindividual, apresenta desafios completamente novos às instituições jurídicas, sobretudo ao processo civil tradicional, ligado essencialmente aos conflitos intersubjetivos.
A efetividade dessa espécie de direito material, que transcende a esfera do público e do privado, por não pertencer ao Estado nem ao indivíduo isoladamente, mas a toda a coletividade, depende, num primeiro momento, da existência de mecanismos processuais adequados aos conflitos de massa e, num segundo momento, da interpretação e da aplicação desses instrumentos.
O presente artigo trata do primeiro aspecto, ou seja, da preocupação com a adequação de instrumentos processuais à solução dos conflitos supraindividuais ambientais, traçando-lhes um arcabouço jurídico. Procura selecionar os instrumentos adequados à salvaguarda desses interesses, sistematizando, ao mesmo tempo, as principais dificuldades processuais decorrentes da própria complexidade do bem tutelado. Tem por objetivo, assim, definir, dentre os instrumentos jurídicos existentes no ordenamento jurídico brasileiro, uma tutela processual adequada às necessidades do direito material ao ambiente equilibrado.
Nesse passo, trata, inicialmente, do reconhecimento do bem ambiental como bem jurídico autônomo e da sua caracterização. Em seguida, examina a ação civil pública como instrumento processual de inibição e de reparação de danos ambientais, com enfoque à tutela reparatória e à responsabilização civil. Analisa, assim, a complexidade do dano ao ambiente como óbice à sanção civil e ao ressarcimento do bem. Apresenta, por fim, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e a Ação Civil Pública (ACP) como instrumentos integrantes do sistema processual supraindividual, paralelo ao sistema processual civil voltado para a solução dos conflitos intersubjetivos.
1. O direito ao ambiente ecologicamente equilibrado e sua tutela processual
A proteção do meio ambiente como bem jurídico autônomo passou a ser feita com a constatação de que as degradações ambientais interferem diretamente na dinâmica social, econômica e política [01]. Se, por um lado, reconheceu-se a transindividualidade do bem, com a atribuição da sua titularidade à coletividade; por outro, verificou-se a socialização dos danos causados ao ambiente, revelando ameaças médico-sanitárias, sociais e econômicas globais, capazes de atingir todos os seres vivos indistintamente [02]. Sendo assim, sobretudo pelo caráter supraindividual do bem, pode-se afirmar que a tutela do meio ambiente lança desafios completamente novos às instituições jurídicas, sociais e políticas da sociedade mundial superindustrilizada [03].
No Brasil, o bem ambiental adquiriu status de direito fundamental constitucional com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil [04], em 1988, como reflexo do chamado esverdeamento das Constituições [05]. O art. 225 da Carta Magna [06] permite caracterizar o meio ambiente como bem de uso comum do povo, pertencente a toda a coletividade, incorpóreo, supraindividual, indisponível, indivisível, intergeracional, insuscetível de apropriação exclusiva, cujos danos são de difícil ou impossível reparação [07].
A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente define o meio ambiente como "o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas" (art. 3°, I, Lei 6.938/81).
O direito ao meio ambiente equilibrado transcende, portanto, a esfera do público e do privado, pois sua titularidade não pertence nem ao Estado, nem ao indivíduo isoladamente considerado. Referindo-se sempre à coletividade, a um grupo de pessoas. A exemplo de outros interesses transindividuais [08], o bem ambiental rompe com a noção individualista do processo civil tradicional, ligado, essencialmente, aos conflitos intersubjetivos.
Costuma-se classificar a metaindividualidade do bem ambiental em três espécies [09], conceituadas pelo Código de Defesa e Proteção do Consumidor [10].
Os interesses ou direitos difusos são aqueles transindividuais de natureza indivisível, dos quais sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. O dano causado a um interesse difuso pode incluir toda uma comunidade. Seria o caso, por exemplo, de derramamento de petróleo no mar por navio petroleiro, atingindo a costa litorânea e todo o mar.
Os interesses ou direitos coletivos stricto sensu, por seu turno, são aqueles transindividuais de natureza indivisível, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica de base. Seria, por exemplo, a hipótese de poluição sonora em fábrica com conseqüências sobre a coletividade de empregados.
Os interesses ou direitos individuais homogêneos são, na verdade, direitos individuais, que foram artificialmente inseridos no gênero metaindividual por razões de economia processual [11]. Caracterizam-se pela divisibilidade do objeto e pela origem comum, causadora da coletivização desse tipo de interesse. Um exemplo seria a contaminação de leite produzido por fazendeiros de determinada região em razão de poluição industrial no local. Vislumbra-se, nessa hipótese, a divisibilidade do objeto, pois cada fazendeiro poderia individual e independentemente pleitear em juízo a reparação do dano à sua produção de leite pela indústria poluidora. Ademais, verifica-se que os danos possuem origem comum, pois todos decorreram da poluição industrial.
A tutela processual dos interesses transindividuais, aí incluídos os ambientais, foi inaugurada [12], pode-se dizer, pela Ação Civil Pública, criada pela Lei 7.347, de 24 de julho de 1985.
A Ação Civil Pública deu início, portanto, à coletivização do direito processual civil, com a criação de mecanismos processuais adequados à solução de conflitos de massa e na remoção de impedimentos típicos da prestação jurisdicional voltada para os conflitos intersubjetivos, ampliando-se o acesso à justiça [13]. A Ação Civil Pública rompeu, por exemplo, com a legitimação da processualística tradicional, retirando-a da esfera do titular do direito material (lesado), e inserindo-a no âmbito da representação adequada [14].
Não se pode afirmar, por outro lado, que a Ação Civil Pública constitui instrumento à parte da estrutura básica do processo civil brasileiro [15], uma prova disso é a subsidiariedade do Código de Processo Civil (art. 19, LACP).
No plano processual transindividual, destaca-se, ainda, a promulgação do Código de Defesa e Proteção do Consumidor (Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990), que teve o condão de corrigir algumas falhas e preencher lacunas da LACP [16]. O diploma consumerista também conceituou, conforme já mencionado, as categorias [17]direito difuso, direito coletivo stricto sensu e criou a dos direitos individuais homogêneos [18].
Uma das principais contribuições do diploma consumerista foi, contudo, a formação, juntamente à LACP, da chamada "‘jurisdição civil coletiva’. A jurisdição civil coletiva constitui-se no conjunto de regras processuais que formam um esqueleto de processo civil coletivo, com técnicas processuais diferenciadas para a tutela de direitos coletivos lato sensu [19].
Inobstante o fato de a Ação Civil Pública e o Código de Defesa do Consumidor terem representado importante inovação para a tutela dos interesses transindividuais, a processualística civil coletiva ainda encontra óbices para sua efetividade. As dificuldades referem-se, principalmente, à complexidade do dano e da prova, à irreparabilidade da lesão e à multiplicidade de causadores e vítimas [20].
Nesse passo, ganha relevo a instrumentalidade do processo, nascida no último quarto do século XIX com a positivação dos direitos sociais, que preceitua a elevação do grau de discricionariedade do juiz proporcionalmente à imprecisão das normas jurídicas, à época, simbolizadas pelas normas programáticas [21].
O direito ao ambiente, contudo, não se trata de direito social. Está inserido em uma nova ordem de direitos, os direitos supraindividuais. Assim sendo, a instrumentalidade do processo desloca o enfoque dos interesses particulares e privados para o campo dos interesses coletivos e comunitários, instando, também, a participação popular. O juiz como agente da coletividade e do Estado não pode permitir que o processo permaneça na exclusiva disponibilidade dos sujeitos privados [22].
2. Ação Civil Pública Ambiental: tutela inibitória e tutela reparatória
Nesse contexto, mister destacar que a ação civil pública pode se revelar instrumento processual de inibição ou de reparação de danos ambientais, conforme atuação anterior ou posterior à ocorrência do evento danoso.
Em regra, verificada a alteração ou a possibilidade de alteração das propriedades ambientais referidas, é cabível o ajuizamento de ação civil pública.
Nesse passo, a ação civil pública, conforme dito, pode atuar preventivamente ao dano, como demonstram os artigos 3º [23], 11 [24] e 12 [25] da Lei 7.347/85, arts. 287 [26] e 461, § 4º [27], CPC e art. 84 [28], CDC, que assinalam a possibilidade de obrigação de fazer ou de não fazer, com mandado liminar, prevenindo, assim, a ocorrência do dano; ou, ainda, pode agir repressivamente, após o evento danoso, com o intuito de ressarci-lo.
Nesse sentido, é necessário fazer a distinção entre ilícito e dano, para que seja possível determinar a incidência da tutela inibitória ou da tutela ressarcitória.
O ilícito é o ato de violação da norma. Não implica necessariamente a ocorrência de dano. O dano é apenas uma das possíveis conseqüências do ilícito [29].
Por outro lado, o dano representa a idéia de prejuízo, cuja extensão será considerada para fins de reparação. "O dano nada mais é do que a objetivização de um prejuízo sofrido. Sua importância reside em servir de parâmetro para o ressarcimento, visto que a extensão do dano é exatamente a medida da perda sofrida pelos sujeitos lesados" [30]. O dano pode, inclusive, decorrer de uma atividade lícita.
Dano é o prejuízo, de natureza individual ou coletiva, econômico ou não-econômico, resultante de ato ou fato contrário ao ordenamento jurídico [31], que viole qualquer valor inerente à pessoa humana, ou atinja coisa do mundo externo que seja juridicamente tutelada [32]. Deve-se acrescentar, no entanto, que também o ato ou fato praticado em conformidade com a lei pode implicar responsabilidade civil [33].
A ocorrência ou inocorrência do dano determina a classificação das tutelas processuais ambientais [34]. Segundo esse critério, existem duas categorias de tutela processual: a inibitória lato sensu, aplicável às situações de configuração de ilícito, em que o dano não foi verificado; e a reparatória, destinada à reparação de um dano já ocorrido.
A tutela inibitória lato sensu, inspirada nos princípios da prevenção e da precaução, atua com a finalidade de impedir o dano. Subdivide-se em tutela inibitória e tutela de remoção do ilícito. A primeira, também denominada de prevenção do ilícito, objetiva impedir a prática ou continuação do ilícito; sem configuração do dano. Utiliza-se, assim, da técnica mandamental, impondo ao agente medida coercitiva (normalmente, uma multa, para coagi-lo ao cumprimento da obrigação fazer ou não fazer).
A tutela de remoção do ilícito (repressão do ilícito ou prevenção do dano) atua num estágio um pouco mais avançado: depois da ocorrência do ilícito, mas antes do dano. A técnica processual utilizada é a executiva lato sensu, determinando o cumprimento da obrigação por meio de terceiro e a expensas do devedor (agente do ilícito) [35].
Tessler [36] delimita a atuação das tutelas inibitória e ressarcitória:
Para a prevenção do ilícito, a modalidade de tutela adequada é a inibitória, assim como para a repressão do ilícito e prevenção do dano, a mais correta é a tutela de remoção do ilícito. Porém, quando produzido o dano ambiental e configurado o prejuízo, há que se buscar meios de ressarcimento. A modalidade adequada para esses casos consiste na tutela ressarcitória.
Não obstante o reconhecimento de que a tutela inibitória é a mais adequada à proteção do bem ambiental, em razão dos princípios da precaução e da prevenção, e da irreparabilidade do bem ambiental, são evidentes as dificuldades práticas para sua implementação. Um sistema jurídico baseado exclusivamente na tutela inibitória demandaria atuação estatal plenamente eficaz e sempre precedente à ocorrência de dano, o que é impossível.
Dessa forma, o Estado de Direito do Ambiente perpassa necessariamente por ações preventivas, mas também por um sistema adequado de responsabilização dos causadores de danos, para que traga segurança à coletividade. Nesse sentido, vale dizer que o papel da responsabilidade civil será sempre complementar (o que não quer dizer inferior), em razão da priorização que o direito ambiental confere à prevenção e do sistema privatístico de controle ambiental, em que o agente detém o direito de conduzir a atividade potencialmente poluidora, sujeitando-se, entretanto, na hipótese de dano ocorrer, a reparar os danos causados, individual e coletivamente [37].
A tutela ressarcitória emana, portanto, da necessidade de completude do ordenamento jurídico ambiental e de reparabilidade integral do meio ambiente, preceituada no art. 225, § 3º, CRFB [38] e art. 14, §1°, Lei 6.938/81 [39], em conformidade com os ditames do Estado de Direito Ambiental.
A responsabilização civil por danos causados ao meio ambiente também decorre do princípio do poluidor-pagador. Esse princípio pugna pela internalização (e não socialização) dos custos da deterioração ambiental. O causador da poluição arca com os custos necessários à diminuição, eliminação ou neutralização do dano causado. Aquele que lucra com uma atividade deve responder pelo risco ou pela desvantagem dela resultante. Esse princípio pretende evitar a privatização do lucro e a socialização das perdas [40].
No entanto, para que o dano seja reparado, é preciso identificar os causadores, a fim de que respondam pela conduta lesiva.
3. A complexidade do dano ambiental como óbice à responsabilização civil por danos ao meio ambiente
A responsabilidade civil, em acepção ampla, determina a "obrigação de reparar quaisquer danos antijuridicamente causados a outrem, isto é, em contradição com o ordenamento" (grifo original) [41]. Trata-se da obrigação de reparar [42][43] danos causados à pessoa ou ao patrimônio, a interesses coletivos ou transindividuais.
Para o momento, importa aludir ao sentido estrito ou técnico de responsabilidade civil, que se refere às obrigações que visam à reparação de danos causados a pessoas que não estavam ligadas ao lesante por qualquer negócio jurídico [44].
Não há conceito legal de dano ao ambiente. A Lei 6.938/81 alude apenas à degradação e à poluição [45]. A doutrina [46], portanto, encarregou-se de conceituar o dano ambiental como "a alteração, deterioração ou destruição, parcial ou total, de quaisquer dos recursos naturais, afetando adversamente o homem e/ou a natureza" [47] (grifo original).
As lesões provocadas ao meio ambiente representam a violação de um interesse supraindividual constitucionalmente protegido. Distingue-se, no entanto, o dano a um recurso natural suscetível de apropriação (cuja vítima é o proprietário do bem) do dano ao bem ambiental como um todo (cuja vítima é a coletividade) [48]. O primeiro caso, representa o bem ambiental como microbem, em que o dano é individual e de reparabilidade direta; no segundo caso, o bem ambiental é tomado como macrobem e, portanto, é reparável indiretamente. São os danos ambientais coletivos lato sensu. O dano difuso é aquele que atinge um número indeterminado de pessoas ligadas por pressupostos de fato; o dano coletivo stricto sensu fere interesses pertencentes a um grupo de pessoas determináveis, ligadas pela mesma relação jurídica de base; o dano individual homogêneo refere-se a lesões de origem comum.
Interessa, aqui, a noção do bem ambiental lesado como macrobem [49] [50], reparável por ação civil pública.
A responsabilização do dano ambiental difuso depende de prova de elementos de difícil demonstração, em razão de suas peculiaridades. Primeiramente, pode-se destacar a dificuldade de identificação dos sujeitos da relação jurídica obrigacional autor-vítima, em razão das relações jurídicas multilaterais. A atuação e a vitimização são, muitas vezes, coletivas, implicando fragmentação de responsabilidade e de titularidade [51].
Um outro aspecto a ser destacado é a complexidade do nexo causal, decorrente justamente da causalidade complexa (fontes múltiplas do dano), multiplicidade de agentes, vítimas e causas (emissões indeterminadas e anônimas), da incerteza quanto aos causadores e efeitos, dos efeitos invisíveis, transfronteiriços, intertemporais (futuros) e cumulativos. Vale destacar que o dano ambiental, diferentemente da danosidade comum, projeta em si a própria "forma complexa de atuação em ‘rede’ que é uma das marcas do meio ambiente, aspecto esse que tem enorme repercussão no tratamento jurídico do nexo de causalidade" [52].
Soma-se, a tudo isso, a questão da dificuldade de reparação, ou, até mesmo, a irreparabilidade do dano ao ambiente, desafiando a eficácia da prestação jurisdicional.
Ademais, enquanto a responsabilidade civil tradicional é pautada sobre danos individuais, diretos, imediatos, certos, presentes, previsíveis, próximos, de autoria e vitimização determinados, os danos ambientais dificilmente são danos diretos [53] e de efeito imediato. Normalmente, são danos indiretos ou reflexos. Danos indiretos são aqueles em que o fato não provoca o dano; desencadeia outra condição que diretamente o suscita. Já os danos reflexos ou por ricochete fazem vítimas mediatas, atingindo pessoas que, em princípio, não estariam sujeitas às conseqüências do ato lesivo.
Registra-se, ainda, que os danos ambientais podem ser presentes, cuja verificação se dá concomitantemente à deflagração do ato lesivo; ou, também, futuros, cuja manifestação é posterior à ocorrência do fato, podendo se prolongar no tempo. A prova dos danos futuros é de difícil produção, impondo óbices à responsabilização do poluidor.
Deve-se considerar, ainda, para fins de caracterização dos danos ambientais, os danos remotos, que têm por causa outros fatores; os danos imprevisíveis, cuja pessoa normal não pode prever; e os danos eventuais, cujos prejuízos são de verificação duvidosa e hipotética. Essas espécies de danos são insuscetíveis de reparação no direito civil tradicional.
Verifica-se, portanto, que a responsabilidade civil por danos ambientais supraindividuais foge à regra da responsabilidade civil tradicional. Daí a impossibilidade de utilização das regras processuais e materiais, voltadas para a solução de conflitos intersubjetivos.
A problemática da responsabilização civil dos causadores de danos ambientais foi – em parte – resolvida pela inserção expressa da responsabilidade objetiva no ordenamento jurídico pátrio, por força do art. 14, § 1º, da Lei 6.938/81 [54].
A responsabilidade objetiva representa grande avanço [55] no sistema de responsabilização civil, dispensando a existência de culpa [56].
A responsabilidade civil objetiva, ou pelo risco, incidente no caso de dano ambiente, "é obrigação de reparar danos, independentemente de qualquer idéia de dolo ou culpa. Ela nasce da prática de fatos meramente antijurídicos, geralmente relacionados com determinadas atividades" [57], ditas de risco. A responsabilidade pelo risco preleciona que aquele que exerce profissionalmente uma atividade econômica, organizada para a produção ou distribuição de bens e serviços, deve arcar com todos os ônus resultantes de dano decorrente do processo produtivo ou distributivo. Assim, o beneficiado de atividade lícita, mas potencialmente perigosa (para outras pessoas ou para o meio-ambiente), deve ser responsável por eventuais conseqüências danosas [58]. Nesse caso, para configuração da responsabilidade, deve haver prova do dano, da autoria e do nexo de causalidade entre a atividade e o dano.
Dano, conforme visto, é o prejuízo causado a um bem juridicamente tutelado.
Autoria (ou nexo de imputação) é o fundamento da atribuição da responsabilidade a uma determinada pessoa; é o elemento que estabelece a ligação entre o fato danoso e o responsável [59]. A Lei 6.938/81 (art. 3°, IV) preceitua que poluidor é "a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental".
Nexo de causalidade é relação de causa e efeito capaz de indicar os danos que podem ser considerados conseqüência do fato verificado [60]. Causa é condição determinante para ocorrência do dano ou para agravamento de seus efeitos.
Entretanto, mesmo representando avanço, a objetivação da responsabilidade civil por danos causados ao meio ambiente, que subtraiu a prova da culpa, não foi suficiente para solucionar as dificuldades na responsabilização dos causadores de danos ao meio ambiente. Ainda persiste a complexidade da prova do nexo de causalidade.
Como solução material ao entrave da prova do nexo de causalidade, a doutrina tem sugerido o afrouxamento do nexo de causalidade no dano ambiental, por meio da adoção de parâmetros de probabilidade (em vez de certeza) [61], de presunções de causalidade [62], de solidariedade entre os responsáveis [63] e de responsabilidade por regra de mercado (market share hability) [64]. O abrandamento do nexo de causalidade encontra fundamento no conceito legal [65] de poluidor, assim considerado o responsável direto ou indireto pelo dano.
Percebe-se que o Estado de Direito Ambiental está em transição para adequar o sistema de responsabilização civil aos danos ambientais [66]. O direito processual civil, de acordo com os ditames da instrumentalidade do processo [67], deve satisfazer às necessidades do direito material. Nesse sentido, o direito processual coletivo ainda tem muito a avançar. A defesa dos interesses supraindividuais deve contar com um sistema processual civil próprio, adequado às necessidades e às dificuldades inerentes à sua salvaguarda, como, por exemplo, a complexidade do dano e da produção da prova, a multiplicidade de causadores e vítimas, sem falar na irreparabilidade do dano, conforme já referido acima.
O direito supraindividual ao ambiente equilibrado já conta com sistema processual diferenciado, é bem verdade; mas requer, ademais, interpretação e aplicação que favoreçam, em última análise, a coletividade, titular desse direito metaindividual. Trata-se da aplicação conjunta da Lei da Ação Civil Pública e do Código de Defesa do Consumidor, a seguir abordado.