A questão dos Nudes
No Código Penal (DECRETO-LEI N° 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940) :
“Ato obsceno
Art. 233. - Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.”
O Brasil tem em seu inconsciente coletivo a tradição judaico-cristã, todavia a origem da formação religiosa no Brasil é da Igreja Católica Apostólica Romana. Tanto é, que a Constituição de 1824 tinha religião oficial do Estado — estado confessional — explicitamente na norma do artigo 5º:
Art. 5. A Religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a Religião do Império. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior do Templo.
Nos anos de 1990, as Igrejas Evangélicas (neopentecostais) ganharam força dentro e fora do Estado, enquanto a Igreja Católica perdeu força ideológica em seus cultos e dentro do Estado. A “Bancada Evangélica” ganhou forma e poder dentro do Congresso Nacional, de tal maneira que Projeto de Lei n° 122, de 2006 (criminalização da homofobia) foi arquivado. O Supremo Tribunal Federal (STF), por omissão constitucional, do Poder Legislativo, assegurou a proteção do Estado aos LGBTQI+ (Lésbicas, Gays, bissexuais, Transgêneros, Queer, Intersexuais e "+", que quer dizer "outras diversidades de gênero e sexualidade". Em 2023, o STF equipara ofensas contra pessoas LGBTQIAPN+ a crime de injúria racial.
As mudanças sociais, traduzidas nas normas jurídicas, garantiram a dignidade humana, mas, ao mesmo tempo, tinham resistências, de conservadores, às novas formas de existência e convivência humana. Por exemplo, a Lei do Divórcio teve amplo movimento de religiosos contra a Lei. Numa pluralidade de ideologias presentes nas democracias, os religiosos de tradição judaico-cristã tiveram a liberdade de expressão garantida para manifestarem contra a lei. Venceu a dignidade humana, a busca pela felicidade, de ter novo casamento, ou não se casar e ser considerado (a) livre de associação com ex-cônjuge — antes do divórcio existia o desquite, que era uma antiga forma de separação no Brasil, mas não encerrava oficialmente o casamento, só afastava os cônjuges. Ou seja, a pessoa continuava legalmente casada e não podia casar de novo. No desquite, os ex-cônjuges continuavam com seus nomes ligados legalmente, já que o casamento não era oficialmente desfeito. O desquite apenas afastava os casais, mas não anulava o vínculo matrimonial. Isso significava que, em termos legais, eles ainda eram casados, o que poderia gerar algumas complicações, como a impossibilidade de casar novamente sem passar por um processo de separação formal. Já no divórcio, o vínculo é completamente rompido, e o nome de um cônjuge não permanece ligado ao outro, a não ser que a pessoa decida continuar usando o sobrenome do ex-cônjuge, mas isso é uma escolha pessoal.
A lei e a libido
Como dito, o ato obsceno ainda é crime na sociedade brasileira, e na maioria das sociedades. Não posso ratificar que a nudez é um tabu somente nas tradição judaico-cristã, pois outras tradições religiosas também condenam a nudez em público.
Sigmund Freud, em suas obras "O Mal-estar na Civilização" e "Totem e Tabu", discute como as normas sociais, as regras culturais e os tabus estão profundamente ligados ao comportamento humano, e como esses aspectos são fundamentais para a manutenção da ordem e do equilíbrio nas sociedades. Aplicando esses conceitos da psicanálise à Lei nº 2012/1992, que trata dos espetáculos de sexo explícito, podemos entender a regulação da sexualidade como uma forma de controle social e moral, baseado em uma censura civilizacional e em tabus que têm o objetivo de preservar a coesão social e proteger os membros da sociedade, especialmente os mais vulneráveis, como crianças e adolescentes. A Lei nº 2012/1992, ao restringir espetáculos de sexo explícito a espaços privados e controlados, é uma tentativa de regular a expressão da sexualidade, uma área intimamente ligada aos instintos humanos, em nome da ordem e da moralidade pública. Isso reflete a ideia freudiana de que, para garantir a estabilidade da civilização, é necessário reprimir certos impulsos que, se deixados sem controle, poderiam ameaçar o equilíbrio social. O espetáculo de sexo explícito é visto, portanto, como um impulso instintivo que deve ser "canalizado" para espaços privados, onde sua manifestação não comprometa os valores sociais estabelecidos.
Em "Totem e Tabu", Freud explora como as sociedades primitivas criam totens e tabus como formas de regular o comportamento coletivo e proteger o grupo. O tabu, segundo Freud, funciona como um mecanismo de controle que proíbe certas ações, especialmente aquelas que ameaçam a estrutura social. No contexto da Lei nº 2012/1992, o sexo explícito pode ser interpretado como um tabu moderno, pois a sociedade impõe limites rigorosos sobre como e onde esse tipo de comportamento pode ser expresso. O tabu do sexo explícito é uma forma de regulamentar e restringir a manifestação pública da sexualidade, protegendo a sociedade de comportamentos que poderiam ser considerados destrutivos ou prejudiciais à coesão social. Assim como em "Totem e Tabu", o "tabu" da sexualidade explícita é controlado por regras e proibições que visam garantir o bem-estar coletivo.
A Lei nº 2012/1992, ao estabelecer restrições para os espetáculos de sexo explícito, está, de certa forma, regulando um instinto fundamentalmente humano — a sexualidade — para manter a moralidade pública e a ordem social. Assim como Freud descreve que a repressão traz um mal-estar, pode-se argumentar que a sociedade, ao restringir essas expressões, também cria um conflito entre os desejos individuais e as necessidades sociais, levando a uma tensão entre liberdade pessoal e controle coletivo. Freud também fala sobre o papel da sociedade em proteger as gerações mais jovens, passando valores, crenças e normas. A Lei nº 2012/1992 reflete essa preocupação ao garantir que apenas maiores de 18 anos possam acessar esses espetáculos e ao proibir a exibição pública do sexo explícito, especialmente em locais acessíveis a menores. Esse aspecto da lei pode ser analisado como uma forma de proteger o desenvolvimento psíquico das novas gerações, preservando-as da exposição precoce a conteúdos que a sociedade considera potencialmente prejudiciais ao seu amadurecimento emocional e psicológico.
Antes de prosseguir, a análise será pela cosmovisão antropológica diante da pluralidade de culturas e comportamentos, credo e normas sociais, e até jurídicas, pelas cosmovisões de cada cultura. Essa observação é importante diante de “fake news” por “descontextualização”. Feito tal observação, prossigo.
A Lei nº 2012/1992 pode ser vista, de certa forma, como influenciada pela tradição judaico-cristã e por uma perspectiva eurocêntrica ao regular a sexualidade de maneira a refletir os valores dessa cultura dominante na sociedade ocidental. A tradição judaico-cristã, que tem raízes nas normas morais e comportamentais estabelecidas pela Bíblia e pelos preceitos religiosos cristãos, historicamente valoriza a moderação e a moralidade sexual. Isso está relacionado com a ideia de controle da sexualidade como um meio de preservar a ordem social e familiar, além de proteger a moral pública. Essas tradições influenciam as normas sociais e as leis em muitos países ocidentais, incluindo o Brasil. Assim, a Lei nº 2012/1992, ao estabelecer restrições sobre os espetáculos de sexo explícito e proteger o público, especialmente menores de idade, reflete essa preocupação com a moralidade e a preservação de valores sociais que se alinham com a moral judaico-cristã, onde há um forte componente de regulação da sexualidade para evitar comportamentos considerados imorais ou desviantes.
O eurocentrismo também pode ser identificado na forma como a sexualidade é regulamentada pela Lei. O conceito de "moralidade pública" e a maneira como o corpo e o sexo são tratados nas sociedades ocidentais modernas muitas vezes contrastam com as práticas de culturas indígenas e de outros povos fora do contexto europeu. Em muitas culturas indígenas, por exemplo, a sexualidade pode ser abordada de maneira mais fluida e natural, sem os mesmos tabus que dominam as sociedades ocidentais. Em algumas culturas indígenas, a iniciação sexual entre os adolescentes, ou incursões sexuais, pode ser permitida ou até incentivada como parte de rituais de passagem, para marcar o crescimento e a entrada na vida adulta. Esses rituais podem ser realizados dentro de normas e práticas que fazem parte da cosmovisão e da organização social desses povos, sem o mesmo julgamento moral ou proibição que encontramos na tradição judaico-cristã.
A lei ao buscar regular o acesso ao sexo explícito e à sexualidade em espaços públicos, reflete uma preocupação com a moralidade e a proteção de menores, que está mais alinhada com a visão de família nuclear e restrição da sexualidade pública, algo que é bastante característico das sociedades ocidentais influenciadas pelo judaísmo-cristianismo e suas normas morais. Essa visão, por sua vez, entra em contraste com outras formas de lidar com a sexualidade, que são mais flexíveis em algumas culturas não ocidentais, incluindo muitas culturas indígenas.
Leis que regulam espetáculos com conteúdo explícito variam bastante de Estado para Estado, refletindo diferenças culturais, sociais e legais. Exemplos:
Estados Unidos: Em muitos estados, espetáculos com conteúdo explícito são permitidos, mas estritamente regulamentados. As leis geralmente exigem licenças específicas e restringem a localização desses eventos, especialmente em relação à proximidade de escolas e áreas residenciais, semelhante à Lei nº 2012/1992 do Rio de Janeiro.
Europa: Países como a Alemanha têm uma abordagem mais liberal, permitindo espetáculos explícitos em locais designados, mas com regulamentações rigorosas para proteger menores de idade e evitar a exposição pública. Já em países como a França, há um equilíbrio entre permissividade e regulamentação, com foco em proteger espaços públicos e preservar valores culturais.
Oriente Médio: Em muitos países dessa região, espetáculos com conteúdo explícito são estritamente proibidos devido a normas culturais e religiosas. A legislação nesses locais reflete uma abordagem muito mais conservadora em comparação com o Brasil.
Ásia: Em países como o Japão, há regulamentações específicas para a indústria de entretenimento adulto, incluindo restrições de localização e exigências de licenciamento. No entanto, a aplicação das leis pode variar dependendo da região.
Se considerarmos a ideia de que antes do cristianismo ou das grandes religiões monoteístas, o mundo seria uma “terra sem lei”, onde as pessoas agiriam conforme seus desejos sem qualquer restrição, isso pode ser entendido de forma equivocada. Na realidade, todas as sociedades humanas, mesmo antes da ascensão do cristianismo ou de outras grandes religiões organizadas, tinham normas sociais e culturais que regulavam os comportamentos e os desejos das pessoas. A ideia de que antes havia uma sociedade "sem lei" é um mito, porque mesmo nas sociedades mais antigas, como nas civilizações egípcia, Mesopotâmia, grega ou romana, já existiam restrições, tabus e normas que delimitavam os comportamentos individuais e coletivos.
Várias civilizações antigas, de fato, praticavam ou permitiam rituais e festividades com forte presença de sexualidade pública ou rituais de iniciação sexual, muitas vezes com elementos religiosos, de celebração ou de transgressão dos tabus. Aqui estão alguns exemplos históricos:
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1. Egito Antigo (cerca de 3000 a.C. a 30 a.C.) — Os egípcios antigos tinham um relacionamento com a sexualidade que, em algumas ocasiões, se expressava de forma aberta, embora não fosse sempre o caso. Muitas festas e celebrações, como as do Deus Osíris, incluíam banquetes regados a álcool e rituais que envolviam dança, música e até orgias em algumas versões dos rituais religiosos. No entanto, as práticas públicas de sexualidade explícita não eram necessariamente comuns em todos os aspectos da vida egípcia, mas algumas festas, como as realizadas para comemorar a festa de fertilidade, podiam ser mais liberais em relação à exibição da sexualidade.
2. Império Romano (27 a.C. – 476 d.C.) — A Roma Antiga é um exemplo de uma civilização que, durante alguns períodos, teve uma relação bastante permissiva com a sexualidade. Dois exemplos notáveis são: A) Bacanais: As festas dedicadas ao Deus Baco (ou Dionísio, na mitologia grega) eram rituais de adoração, em que o vinho, a dança e os comportamentos licenciosos eram comuns. Durante as bacanais, que podiam ser realizadas em lugares públicos, havia uma atmosfera de libertinagem sexual, com práticas como orgias e troca de parceiros. Com o tempo, os romanos passaram a controlar mais rigidamente essas celebrações devido aos excessos e à violência associada a elas. B) Nero e outros imperadores romanos: O imperador Nero é amplamente conhecido por suas festas excessivas, incluindo aquelas nas quais ele promovia práticas sexuais explícitas. Há relatos históricos de que ele realizava orgias e festins, com comportamentos libertinos sendo parte da elite imperial romana. O império romano, como um todo, era mais permissivo em relação à expressão sexual, embora existissem normas sociais e legais em algumas esferas da vida pública.
3. Grécia Antiga (cerca de 800 a.C. a 146 a.C.) — A) Na Grécia Antiga, o sexo era um tema amplamente tratado tanto na arte quanto na filosofia. A sexualidade não era vista como algo vergonhoso, mas como uma parte natural da vida humana. Algumas festas e rituais, como os míticos Bacanais, também tinham uma forte presença sexual. Embora os gregos praticassem a homossexualidade em várias formas, incluindo o relacionamento pedagógico entre homens e jovens, as festas em celebrações de Dionísio (o equivalente a Baco) frequentemente envolviam cenas de libertinagem e permissividade sexual. B) Festivais de Dionísio: Os festivais em honra ao deus Dionísio (o deus do vinho, da fertilidade e da festa) eram conhecidos por sua intensidade emocional e liberação das normas sociais. Era comum que as danças e as músicas envolvessem comportamentos eróticos ou permissivos. Em algumas versões desses festivais, as exibições sexuais públicas eram realizadas, refletindo a conexão de Dionísio com o prazer desenfreado e a transgressão.
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4. Povos Bárbaros e Tribos Germânicas (cerca de 1000 a.C. a 500 d.C.) — Quando os romanos falavam sobre os bárbaros, referiam-se a povos fora do império, como as tribos germânicas ou celtas, muitas vezes de forma respectiva, associando esses povos à selvageria e ao comportamento “imoral”. No entanto, muitas dessas culturas tinham suas próprias práticas sexuais, algumas das quais eram mais permissivas e até publicamente visíveis. Entre as tribos germânicas, por exemplo, rituais de fertilidade e cerimônias relacionadas à natureza frequentemente envolviam danças e festas onde a sexualidade poderia ser expressa de maneira aberta. Em algumas tradições celtas, as relações sexuais ou a união de casais eram frequentemente ligadas a rituais espirituais ou de fertilidade. Embora muitas dessas práticas não fossem necessariamente "explícitas" como as descritas nas civilizações romanas ou gregas, havia uma maior flexibilidade cultural em relação à sexualidade.
5. Culturas Mesopotâmicas (cerca de 3000 a.C. a 539 a.C.) — No mundo mesopotâmico, especialmente nas cidades-estados sumérias e babilônicas, as festas de Ishtar (ou Inanna), a deusa da sexualidade e da fertilidade, envolviam cerimônias públicas de sexos sagrados. Essas cerimônias estavam ligadas a rituais religiosos e rituais de fertilidade e eram realizadas, por vezes, em espaços públicos. Embora os relatos sejam escassos, há algumas evidências de que essas celebrações públicas de sexualidade aconteciam como parte de um culto à fertilidade, com danças, músicas e uma certa liberdade sexual associada aos rituais de culto.
6. Povos indígenas e culturas não ocidentais — Em várias culturas indígenas ao redor do mundo, as normas sobre a sexualidade eram muito diferentes daquelas que prevalecem em muitas sociedades ocidentais. Algumas culturas indígenas da América e da África praticavam rituais sexuais como parte de suas cerimônias de iniciação. Por exemplo, em algumas tribos indígenas da América do Norte, os rituais de puberdade para meninos e meninas incluíam ensinos sobre sexualidade e até relações com parceiros como uma forma de transição para a vida adulta. Tais rituais poderiam envolver comportamentos considerados tabus ou explícitos nas sociedades ocidentais.
Além disso, em algumas culturas africanas, rituais de fertilidade e celebrações da vida sexual também eram realizadas de maneira pública, com práticas de dança, música e até expressões de sexualidade durante festivais ou cerimônias.