Para iniciar a discussão pontual sobre o novo Agravo Interno na seara trabalhista, é fundamental abordar a questão do abarrotamento processual no Tribunal Superior do Trabalho, uma vez que há uma ampla gama de recursos a ele direcionados.
Segundo o professor Gustavo Baini, o TST atualmente acumula um acervo de quase 620.000 processos pendentes de julgamento, o que contraria os princípios constitucionais da celeridade e da eficiência. Ademais, estima-se que, a cada década, o número de recursos dobra, gerando descontrole processual, morosidade nos julgamentos e insegurança jurídica. Nesse sentido, se esse paradigma brasileiro de litigiosidade predatória não for contido, pode ocorrer um efeito cascata de descredibilização institucional da Justiça do Trabalho, dada a disparidade nos julgamentos recursais.
Seguindo essa linha de raciocínio, o Supremo Tribunal Federal trouxe à tona o modelo centralizado de julgamentos recursais, priorizando a opinião do relator, com o intuito de reduzir a discricionariedade nos julgamentos e o acúmulo processual. Explicando melhor, quando a relatoria concentra os julgamentos dos recursos, observa-se uma redução de quase 85% no número de processos nesse órgão. Ou seja, infere-se que a solução implementada pelo STF poderia ser estendida a todos os tribunais do Brasil, com o objetivo de conter a verdadeira “chuva de recursos” nas instâncias superiores.
Historicamente, em 2007, foi criado o instituto da Repercussão Geral como um filtro recursal, conforme disposto na Emenda Regimental nº 21, atuando como um mecanismo de barreira processual. Todavia, somente nove anos depois foi instituído o Plenário Virtual no STF, por meio da Emenda Regimental nº 51, promovendo uma verdadeira revolução no Judiciário brasileiro. Posteriormente, em 2020, com a Emenda Regimental nº 54, foi preestabelecida a ampliação e a equiparação processual para ações cautelares, controle concentrado, Agravos Internos, embargos de declaração e recursos com Repercussão Geral, entre outros.
Em relação ao que foi supracitado no STF, a grande questão é conciliar a centralização de recursos com a confiabilidade no sistema de precedentes na seara trabalhista. Nesse sentido o Conselho Superior da Justiça do Trabalho instituiu a Resolução nº 374/2023 no sentido de capacitar os magistrados para as inovações dos precedentes vinculantes e fomentar uma cultura de cooperação processual entre os TRTs e juízes de primeiro grau. Por conseguinte, faz-se necessário contextualizar que o Novo Código de Processo Civil pode ser utilizado nos processos trabalhistas, nos casos de lacunas legislativas da Consolidação das Leis do Trabalho. Isto é, o sistema de precedentes vinculantes do art. 987 do NCPC inovou ao trazer atributos processuais do common law americano e priorizar as decisões de cunho vinculante como IAC e IRDR.
Outrossim, seguindo o modelo centralizado do STF, o TST preconizou a afetação processual de recursos pela presidência, com o intuito de monitorar o acervo e reafirmar a jurisprudência dominante. Em outras palavras, o objetivo central seria garantir uma tramitação inteligente por meio de uma Comissão Gestora de Precedentes. Todavia, alguns juristas passaram a questionar a aplicabilidade dessa centralização e a homogeneização dos julgamentos, argumentando que a natureza abstrata dos processos poderia gerar uma “loteria de julgamentos”, marcando decisões semelhantes com resultados distintos.
Segundo o art. 71 do Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho (RITST), “compete ao Tribunal Pleno deliberar e decidir sobre afetação e distribuição de processos”. Nesse contexto, a ideia central é promover a colaboração entre os juízes e os Tribunais Regionais do Trabalho para estabelecer um paradigma aceitável de jurisprudência, a ser julgada em sessão única no plenário eletrônico. Para ilustrar, atualmente o TST conta com 463 Súmulas e 401 Orientações Jurisprudenciais, evidenciando a relevância do stare decisis no Direito brasileiro.
Após toda a discussão sobre a imprescindibilidade de medidas para conter o abarrotamento processual nas instâncias e tribunais superiores, é fundamental destacar a Resolução nº 224/2024 do TST:
“Art. 1°-A Cabe agravo interno da decisão que negar seguimento ao recurso de revista interposto contra acórdão que esteja em conformidade com entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, exarado nos regimes de julgamento de recursos repetitivos, de resolução de demandas repetitivas e de assunção de competência, de acordo com os arts. 988, § 5°, 1.030, § 2°, e 1.021 do CPC, aplicáveis ao processo do trabalho, conforme art. 896-B da CLT.”
Para melhor compreensão da teleologia dessa Resolução, verifica-se que a intenção central do Tribunal é viabilizar o Agravo Interno nos TRTs quando da interposição do Recurso de Revista pautado no Incidente de Assunção de Competência e no Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, garantindo a vinculação dos julgamentos.
Contudo, surgiram questionamentos sobre a compatibilidade da criação de um novo tipo recursal por meio de resolução do TST, visto que a matéria é de competência privativa da União no âmbito do Direito Processual, conforme disposto no art. 22 da Constituição Federal de 1988. Segundo o professor Gustavo Baini, essa discrepância pode ser dirimida mediante a constatação da legalidade estrita já prevista nos arts. 896 da CLT e 1.021 do novo CPC, os quais demonstram, de forma inequívoca, a possibilidade de utilização do Agravo Interno em casos de Recursos de Revista.
Sob esse prisma, muitos juristas questionam a viabilidade da utilização simultânea do Agravo de Instrumento para destrancar Recursos de Revista denegados, uma prática já recorrente na seara trabalhista contemporânea.
De acordo com a Instrução Normativa nº 40/2016 – art. 1º-A:
§ 1º “Havendo no recurso de revista capítulo distinto que não se submeta à situação prevista no caput deste artigo, constitui ônus da parte impugnar, simultaneamente, mediante Agravo de Instrumento, a fração da decisão denegatória respectiva, sob pena de preclusão.”
§ 2º “Na hipótese da interposição simultânea de que trata o parágrafo anterior, o processamento do Agravo de Instrumento ocorrerá após o julgamento do Agravo Interno pelo órgão colegiado competente.”
Em outras palavras, quando há impugnação por capítulos, não há fungibilidade entre os recursos, mas sim subsidiariedade. Dessa forma, primeiramente será julgado o Agravo Interno e, posteriormente, caso necessário, o Agravo de Instrumento. Esse procedimento assemelha-se ao que ocorre na interposição simultânea do Recurso Especial e do Recurso Extraordinário.
Diante de todo o exposto, é compreensível que essa inovação recursal seja vista com cautela por alguns juristas e aplicadores do Direito do Trabalho. Todavia, a axiologia da cooperação e da concentração processual possui o potencial de beneficiar o jurisdicionado. Ademais, questões como a competência para julgamento (seja pelo Pleno, pelo Órgão Especial ou por outras instâncias) e a definição de prazos compatíveis com o novo CPC ou a CLT (15 ou 8 dias) evidenciam certa fragilidade para uma implementação imediata.
No entanto, a adoção, pelo STF, do modelo centralizador no relator já demonstrou sua eficácia na tramitação de recursos, o que viabiliza sua compatibilização com a Justiça do Trabalho. Assim, torna-se inegável a importância da cooperação entre os TRTs e do fortalecimento do sistema de precedentes vinculantes.
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