Capa da publicação FIDC: subclasses e risco limitado
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As subclasses de cotas e a responsabilidade limitada nos FIDCs

Resumo:


  • Os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) são instrumentos de investimento em renda fixa destinados ao investimento em direitos e títulos representativos de crédito, aplicando mais de 50% de seu patrimônio líquido nesses ativos.

  • A Resolução CVM nº 175/22 introduziu alterações na estrutura dos FIDCs, como a redistribuição de responsabilidades entre prestadores de serviços, reestruturação de classes e subclasses de cotas, e a permissão de investimentos pelo público de varejo nas subclasses sênior.

  • Os FIDCs adotam uma estrutura de subordinação no nível das subclasses, destacando-se as cotas sêniores, subordinadas júnior e subordinadas mezanino, cada uma com características específicas de amortização, resgate e riscos associados.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A CVM reformulou os FIDCs ao instituir subclasses de cotas com diferentes níveis de subordinação. Como proteger os cotistas seniores sem excluir aportes extras dos subordinados?

Os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) são instrumentos de investimento em renda fixa destinados ao investimento em direitos e títulos representativos de crédito, os direitos creditórios, aplicando mais de 50% de seu patrimônio líquido nesses ativos. No mercado de capitais brasileiro, os FIDCs desempenham um papel fundamental, consolidando-se como uma alternativa crescente para investidores e empresas na oferta e captação de crédito. Esse dinamismo reforça sua relevância como instrumento de fomento econômico no país.

A Resolução nº 175/22 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), publicada em dezembro de 2022, representou um marco em todo o mercado de fundos de investimento, com impactos significativos nos FIDCs. Entre as principais mudanças, observa-se a redistribuição de responsabilidades entre os prestadores de serviços essenciais, a reestruturação da relação de classes e subclasses de cotas e, especificamente para os FIDCs, a permissão de investimentos pelo público de varejo nas subclasses sênior desse tipo de fundo.

Este artigo aborda e esclarece as alterações na estrutura dos FIDCs, com ênfase nas classes e subclasses de cotas, além de contextualizar as relações hierárquicas e o regime de responsabilidade dentro das subclasses, conforme estabelecido pela Resolução CVM nº 175/22.


Estrutura de Cotas dos FIDC e Hierarquia de Subclasses

Os FIDCs possuem uma estrutura de cotas interessante, que viabiliza a segmentação dos riscos e dos retornos entre seus diferentes investidores. Até 2023, sob a regulamentação da Instrução CVM nº 356/01, essa segmentação ocorria por meio da subordinação entre classes de cotas. Contudo, com a entrada em vigor da Resolução CVM nº 175/22, que possibilitou aos fundos de investimento a segregação de seus patrimônios em diferentes classes, os FIDCs passaram a adotar uma estrutura de subordinação no nível das subclasses. Dessa forma, a diferenciação de riscos e retornos passou a ocorrer dentro de uma mesma classe de cotas.

Nesse contexto, destaca-se a existência de três diferentes tipos de subclasses de cotas, diferenciadas, sobretudo, pelas condições de amortização e resgate: cotas sêniores, subordinadas júnior e subordinadas mezanino. Conforme o art. 2º, inciso VIII, do Anexo Normativo II da Resolução CVM nº 175/22, a cota sênior é aquela que não se subordina a qualquer outra subclasse para fins de amortização e resgate, possuindo, portanto, prioridade no recebimento dos rendimentos e na restituição do capital investido. Em contrapartida, sua remuneração é limitada, tornando-se uma opção mais segura para o investidor, pois assegura prioridade no recebimento dos rendimentos, mesmo quando o fundo performa abaixo das expectativas.

Já a cota subordinada é aquela que não possui prioridade para resgate no caso de liquidação do FIDC e recebe seus rendimentos somente após a subclasse sênior (art. 2º, inciso X, do Anexo Normativo II da Resolução CVM nº 175/22). Por não contar com uma taxa de remuneração limitada, seu potencial de retorno é maior do que o das demais cotas, sendo beneficiada quando o desempenho do fundo supera as projeções. No entanto, também apresenta o maior risco de inadimplência, pois, em cenários adversos, o investidor pode não receber rendimentos ou até ser chamado para aportar mais recursos no fundo para cobrir eventuais déficits.

Dentro do grupo das cotas subordinadas, há ainda a distinção entre cota subordinada mezanino e cota subordinada júnior. A cota subordinada mezanino ou, também chamada, cota subordinada preferencial ocupa uma posição intermediária entre a cota sênior e a cota subordinada júnior. Ela é simultaneamente subordinada à cota sênior e preferencial em relação à cota subordinada júnior no recebimento de rendimentos e no resgate (art. 2, inciso IX, do Anexo Normativo II da Resolução CVM nº 175/22). Assim, caso o FIDC fosse representado por uma pirâmide, a cota sênior estaria no topo, a cota subordinada júnior na base, e a cota subordinada mezanino posicionada entre ambas. Todas as cotas situadas abaixo de outra são subordinadas a ela, enquanto as cotas acima possuem preferência na amortização e no resgate.

Além da estrutura hierárquica das cotas, outro conceito fundamental nos FIDCs é o índice de subordinação, que mede a proporção entre o volume das cotas subordinadas (mezanino e júnior) e o patrimônio total do fundo. Esse índice funciona como um mecanismo de proteção para os detentores de cotas sêniores, pois quanto maior a subordinação, maior a capacidade de absorção de perdas pelas cotas subordinadas antes que as cotas sêniores sejam impactadas. Em determinadas circunstâncias previstas no regulamento do FIDC, os detentores de cotas subordinadas também podem ser chamados a aportar capital adicional ao fundo para a recomposição do índice de subordinação, conforme discutido abaixo.

Por exemplo, suponha um FIDC com um patrimônio total de R$ 100 milhões, dividido em 70% de cotas seniores (R$ 70 milhões), 20% de cotas subordinadas mezanino (R$ 20 milhões) e 10% de cotas subordinadas júnior (R$ 10 milhões). Nesse caso, o índice de subordinação seria de 30% (R$ 30 milhões de cotas subordinadas sobre o total do fundo). No que tange a remuneração, segundo o regulamento do fundo, os rendimentos das cotas seniores são limitados a R$ 2 milhões e das cotas subordinadas mezanino, a R$ 3 milhões (valores meramente ilustrativos, pois, na prática, a limitação dos rendimentos costuma estar atrelada a um índice, como CDI + 3% ao ano).

Se o FIDC do exemplo obtivesse um rendimento de R$ 10 milhões, seriam pagos R$ 2 milhões para as cotas seniores, R$ 3 milhões para as cotas subordinadas mezanino e R$ 5 milhões (o restante) para as cotas subordinadas júnior. No entanto, caso o rendimento do FIDC fosse de R$ 3 milhões, seriam pagos R$ 2 milhões para as cotas seniores, R$ 1 milhão para as cotas subordinadas mezanino e nada para as cotas subordinadas júnior.

No cenário de uma perda de R$ 15 milhões nos ativos do fundo, ela seria absorvida primeiramente pelas cotas subordinadas júnior. Assim, os primeiros R$ 10 milhões da perda reduziriam integralmente o valor das cotas subordinadas júnior, e os R$ 5 milhões remanescentes impactariam as cotas subordinadas mezanino. Somente se as perdas ultrapassassem R$ 30 milhões, as cotas seniores começariam a ser afetadas no exemplo mencionado. Esse mecanismo reforça a segurança dos investidores sênior e torna as cotas subordinadas essenciais para a estrutura de proteção do fundo.

A redução do índice de subordinação ocorre porque, ao serem absorvidas pelas cotas subordinadas, as perdas diminuem o montante total dessas cotas no fundo. No exemplo acima, antes da perda, as cotas subordinadas totalizavam R$ 30 milhões, correspondendo a um índice de subordinação de 30%. Após a perda de R$ 15 milhões, o patrimônio das cotas subordinadas júnior e mezanino reduz-se para R$ 15 milhões, enquanto o patrimônio total do fundo passa a ser de R$ 85 milhões (R$ 100 milhões - R$ 15 milhões). O novo índice de subordinação passa a ser de aproximadamente 17,6% (R$ 15 milhões de cotas subordinadas sobre R$ 85 milhões de patrimônio total).

Caso esse percentual fique abaixo do nível mínimo exigido pelo regulamento do FIDC, os detentores de cotas subordinadas júnior e mezanino podem ser chamados a aportar capital adicional ao fundo para recompor o índice de subordinação. Se os cotistas subordinados não realizarem o aporte necessário, o fundo pode ser obrigado a reduzir sua alavancagem ou até mesmo a liquidar ativos para restaurar o equilíbrio da estrutura de capital.

Contudo, é importante destacar que o mecanismo descrito serve apenas como exemplo didático. Do ponto de vista prático do mercado, é comum que os rendimentos das cotas subordinadas júnior sejam pagos somente ao término do prazo de duração do FIDC. Assim, esses valores permanecem no patrimônio do fundo ao longo do tempo, funcionando como uma reserva para absorver eventuais perdas, o que aumenta a proteção das demais cotas, incluindo, em certa medida, as cotas subordinadas júnior.


Responsabilidade Limitada dos Cotistas

A Lei nº 13.874/19, conhecida como Lei da Liberdade Econômica (LLE), introduziu a possibilidade dos regulamentos dos fundos de investimento estabelecerem a limitação da responsabilidade dos investidores ao valor de suas cotas (art. 1.368-D, inciso I, do Código Civil). Em conformidade com essa diretriz, a Resolução CVM nº 175/22 disciplinou sobre a responsabilidade limitada dos cotistas, promovendo a adequação da regulamentação dos fundos de investimento ao novo regime legal.

Um exemplo dessa harmonização é o § 3º do art. 6º da Resolução que determina a inclusão do sufixo “Responsabilidade Limitada” na denominação da classe cuja responsabilidade dos cotistas tenha sido expressamente limitada ao valor investido. Ainda, com base nessa disposição, é importante mencionar que a limitação da responsabilidade ocorre no nível da classe. Logo, se uma classe de um fundo for de responsabilidade limitada, todas as suas subclasses também terão sua responsabilidade limitada ao valor da cota.

Nos casos em que a limitação da responsabilidade da classe não esteja prevista (sendo ela, portanto, ilimitada), se um fundo de investimento adotasse uma estratégia alavancada e incorrer em perdas que levem seu patrimônio líquido a se tornar negativo, os cotistas poderiam ser chamados aportar capital adicionais. No entanto, quando a responsabilidade é restrita ao valor das cotas, eventuais classes com patrimônio negativo poderão declarar insolvência, isolando seus efeitos das demais classes do fundo. Além disso, os cotistas terão sua exposição limitada ao capital inicialmente aplicado, sem a obrigação de realizar novos aportes, mitigando o risco de perdas superiores ao montante inicialmente investido.


Responsabilidade Limitada e as Subclasses Subordinadas

Com a possibilidade de o regulamento de um FIDC limitar a responsabilidade de suas classes, surgiu o questionamento sobre o impacto disso nas cotas da subclasse subordinada, já que que o regulamento pode prever a obrigação de aportes adicionais por parte de seus cotistas. Para esclarecer o tema, a própria CVM abordou a questão no Ofício Circular nº 6/2024/CVM/SSE.

Conforme o entendimento da autarquia, a limitação da responsabilidade da classe não se confunde com a chamada de capital adicional para recomposição do índice de subordinação. Isso porque a restrição de responsabilidade está vinculada exclusivamente à insolvência da classe e não impede que cotistas da subclasse subordinada sejam convocados a realizar novos aportes, desde que essa obrigação esteja prevista no regulamento do fundo, a fim de preservar a estrutura financeira e proteger as cotas seniores.

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Para entender melhor, imagine um prédio onde os apartamentos tenham um seguro que limite a responsabilidade dos moradores por qualquer dano estrutural ao valor pago pelo imóvel. No entanto, o regimento interno do prédio prevê que os moradores do primeiro andar, se houver necessidade de reformas internas no prédio, serão responsáveis por dividir os custos adicionais. Logo, caso ocorresse um grave problema estrutural, como uma falha na fundação que comprometa a estabilidade do edifício, nenhum morador do prédio seria obrigado a arcar com custos extras para reparar a estrutura do prédio, pois sua responsabilidade está limitada ao valor originalmente pago no momento de aquisição do apartamento. No entanto, no cenário em que seja preciso realizar a substituição da rede elétrica que alimenta o elevador do prédio, por se tratar de uma reforma interna, somente os moradores do primeiro andar deverão dividir os custos dessa reforma.

Da mesma forma, no FIDC, a classe pode ter responsabilidade limitada, garantindo que seus cotistas não sejam obrigados a fazer aportes imprevistos em caso de insolvência. No entanto, dentro dessa estrutura, os cotistas das subclasses subordinadas podem ter concordado, ao ingressar no fundo sob regulamento que preveja tal possibilidade, com a obrigação de realizar aportes adicionais para recompor o índice de subordinação. Esse mecanismo funciona como um ajuste interno para manter o equilíbrio financeiro do fundo e garantir a proteção dos cotistas da subclasse sênior, assim como as reformas internas do apartamento ajudam a preservar a qualidade e o funcionamento do prédio para todos os moradores, sem comprometer a estrutura geral do prédio e a vida financeira dos moradores dos andares que não o primeiro.

A Resolução CVM nº 175/22 reforça essa distinção ao dispor, no art. 3º do Anexo Normativo II, que as subclasses de cotas podem possuir direitos econômicos e políticos distintos, permitindo a atribuição de obrigações específicas a determinados cotistas. Assim, uma classe de responsabilidade limitada pode incluir investidores de subclasses subordinadas que, conforme a estrutura e dinâmica do fundo, sejam chamados a aportar recursos para recompor o nível de subordinação exigido. No entanto, em caso de insolvência da classe ou do fundo, esses cotistas não podem ser obrigados a realizar aportes adicionais para cobrir débitos perante terceiros, estando sua responsabilidade estritamente limitada ao valor originalmente investido, por conta da limitação da responsabilidade da classe pelo regulamento do fundo.


Considerações Finais

A Resolução CVM nº 175/22 modernizou a estrutura dos FIDCs ao introduzir subclasses de cotas, permitindo a segmentação de riscos e retornos entre os investidores e, concomitantemente, reforçando a limitação da responsabilidade dos cotistas. Essa nova estrutura fortalece a segurança jurídica e a atratividade dos FIDCs, uma vez que concede maior proteção aos investidores e cria maiores oportunidades de rentabilidade para aqueles dispostos a assumir mais riscos. Assim, os FIDCs se consolidam como um instrumento financeiro eficiente e um produto atrativo, contribuindo para a dinamização do mercado de capitais e o acesso ao crédito no Brasil.


Referências

COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. Resolução CVM nº 175, de 23 de dezembro de 2022, com as alterações introduzidas pelas Resoluções CVM nº 181/23, 187/23, 200/24, 206/24 e 214/24. Dispõe sobre a constituição, o funcionamento e a divulgação de informações dos fundos de investimento, bem como sobre a prestação de serviços para os fundos, e revoga as normas que específica. CVM, 2022. Disponível em: <https://conteudo.cvm.gov.br/legislacao/resolucoes/resol175.html>. Acesso em: 14 fev. 2025.

______. Ofício-Circular nº 6/2024/CVM/SSE, de 30 de outubro de 2024. Interpretação sobre dispositivos dos Anexos Normativos II e III à Resolução CVM nº 175. Disponível em: <https://conteudo.cvm.gov.br/legislacao/oficios-circulares/sse1/oc-sse-0624.html>. Acesso em: 14 fev. 2025.

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Sobre os autores
João Vítor Lopes Cunha

Graduado na Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FDRP-USP). Associado na área de Consultivo e Estratégia de Negócios do TN Advogados

André Augusto Braga Hofmann

Graduando na Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – FDRP-USP. Estagiário na área de Consultivo e Estratégia de Negócios no TN Advogados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CUNHA, João Vítor Lopes ; HOFMANN, André Augusto Braga. As subclasses de cotas e a responsabilidade limitada nos FIDCs. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7945, 2 abr. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/113217. Acesso em: 18 abr. 2025.

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