Capa da publicação Elisão fiscal: o que diferencia da evasão?
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Normas antielisivas

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20/05/2025 às 08:06
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4. O PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO – ECONOMIA FISCAL LÍCITA

Quase sempre as discussões encabeçadas por aqueles que focam as atenções para o fenômeno da tributação, acabam incidindo nos respectivos panoramas as questões que envolvem o planejamento tributário.

A origem do debate acerca do planejamento tributário não é recente, sendo que as duras críticas que vem sofrendo ao longo do tempo têm nutrido cada vez mais a defesa da sua validade, através de subsídios técnicos mais aprimorados e robustecidos.

Há uma verdadeira fartura de trabalhos direcionados a ruir os pilares de sustentação do planejamento tributário. O problema é que a base de argumentação da tese que protesta pela abolição da economia fiscal, calca-se em contornos jurídicos amplos e que transcendem o terreno normativo criado para a realidade do sistema jurídico tributário do Brasil.

De outro lado, os tributaristas que defendem o planejamento tributário já direcionam o raciocínio para o cotejo das normas, dos princípios e dos postulados que fazem parte da realidade do sistema brasileiro, independente das influências que poderiam surgir de contextos alienígenas, cujos fundamentos e justificativas adotados não se encaixam nos moldes aqui propostos.

As repercussões da economia fiscal (planejamento tributário) recaem sobre toda a sociedade. De um lado, o Poder Público tenta, cada vez mais, inflamar a sua capacidade de tributação, como forma de atender a uma nítida deficiência na prestação dos serviços públicos. Noutro, os agentes econômicos empreendem seus esforços na captação e manutenção do mercado consumidor, promovendo o lucro e reduzindo os custos operacionais, ao passo em que precisam atender à demanda tributária gerada com a atividade empresarial.

Diante desse contraste, subsiste a enérgica necessidade de se promover o desenvolvimento econômico – que não se esgota na concepção simplista de aumento de capital, mas sim de geração de riqueza com a distribuição de renda e com a promoção da justiça social, de modo que se promova a consecução da melhoria da qualidade de vida das pessoas e se concretizem os direitos fundamentais homenageados na Carta Constitucional (BRASIL, 1988).

Conseqüência disso, o planejamento passa a ser, em última análise, uma ferramenta inadiável e disponível aos três setores da sociedade, assim entendidos como sendo o Estado (primeiro setor), as pessoas que desenvolvem atividades com o objetivo de lucro (segundo setor), e as pessoas que desenvolvem atividades sem o objetivo de lucro (terceiro setor) (DELGADO, 2004).

Então, o planejamento é a forma de traçar objetivos, metas, diretrizes e procedimentos metodológicos mais adequados e proveitosos para a consecução responsável de um fim desejado.

O processo de planejar é sempre prévio, de modo a possibilitar a visualização dos caminhos que serão trilhados com a realização do projeto, logrando antever todas as nuances, os problemas e as capacidades de sua implementação prática.

Considerando essas noções preliminares, cumpre agora tratar do planejamento com o enfoque tributário, trazendo os conceitos, pressupostos de validade, fundamentos e demais pontos de discussão ligados ao tema.

4.1. CONCEITO DE PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO

O planejamento voltado à tributação deve levar em conta a existência das hipóteses de incidência prescritas na norma tributária, em face dos atos e fatos a ocorrerem no curso de uma determinada atividade ou negócio jurídico.

Para conceituar o planejamento tributário, alguns autores fazem uma compreensão quase sempre ligada à análise prévia de comportamento, que o particular deverá seguir para a obtenção menos onerosa de seus objetivos econômicos.

Amaro (1998, p. 45, grifo do autor) faz a seguinte conceituação:

Com o chamado planejamento tributário busca-se aquilo que tradicionalmente se conhece como economia de imposto ou evasão legal, ou seja, o caminho lícito para realizar atos ou negócios de modo a pagar menos imposto ou, mesmo, evitar o pagamento do imposto. Modernamente, a economia de imposto se busca através de sofisticada engenharia tributária, que, geralmente, se desenvolve em projetos de alta complexidade, envolvendo avançada tecnologia fiscal, financeira e societária.

No mesmo caminho, Marins (2002, p. 33, grifo do autor) traz o seguinte conceito:

Denomina-se planejamento fiscal ou tributário lato sensu a análise do conjunto de atividades atuais ou dos projetos de atividades econômico-financeiras do contribuinte (pessoa física ou jurídica), em relação ao seu conjunto de obrigações fiscais com o escopo de organizar suas finanças, seus bens, negócios, rendas e demais atividades com repercussões tributárias, de modo que venha a sofrer o menor ônus fiscal possível.

Guerreiro (1998, p. 148), conceitua planejamento tributário como sendo:

[...] a atividade desenvolvida de forma estritamente preventiva, que busca, em última análise, a economia tributária, alcançada como decorrência da avaliação de várias opções legais, procurando evitar o procedimento mais oneroso do ponto de vista fiscal.

Pormenorizando, o planejamento tributário cinge-se num processo prévio de representação dos efeitos decorrentes de uma determinada atividade, projetando os métodos, as diretrizes e os procedimentos a serem seguidos para a obtenção do resultado econômico, para que os atos e fatos oriundos do decurso da atividade gerem uma menor carga tributária.

4.2. O DIREITO AO PLANEJAMENTO

A Constituição Federal estabeleceu o Estado Democrático de Direito de modo a estruturar a ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa (art. 170), assegurando a todos o livre exercício da atividade econômica, sem a interferência ou intervenção do Poder Público, independente de autorização (parágrafo único, art. 170), salvo os casos específicos (como as atividades que dependem de regulação) (BRASIL, 1988).

Não é novidade que os particulares gozam do direito à liberdade de contratar, de se associar ou de desenvolver uma determinada atividade econômica. A livre iniciativa é, inclusive, fundamento da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988).

Por via de conseqüência, a todos é assegurado o livre exercício da atividade econômica, sendo, dessa forma, possibilitado ao particular a liberdade de exercer os seus negócios ao seu próprio alvitre, através dos moldes jurídicos postos à disposição pela legislação vigente.

Por outro lado, a Administração Pública somente pode praticar os seus atos se houver expressa previsão legal de sua possibilidade, não sendo possível a condução da coisa pública sem que haja amparo no ordenamento jurídico.

Isso porque a própria Constituição Federal estabelece, em seu art. 37, que a administração pública deve obedecer ao princípio da legalidade, segundo o qual nada pode ser praticado se não houver a prescrição legal correspondente (BRASIL, 1988).

Já os particulares têm o direito constitucional de realizar os seus negócios segundo os interesses particulares, podendo optar pelo caminho que melhor lhe convir, que lhe seja mais conveniente e menos oneroso.

Necessariamente, no exercício do direito à livre iniciativa e à liberdade de contratar, o particular também passa a gozar do direito implícito de planejar os seus atos para que concretize, de modo finalístico, o negócio que pretende realizar, de acordo com a livre autonomia da vontade, amplamente resguardada no sistema jurídico brasileiro.

Borges (1999, p. 23) já parte do pressuposto da existência do direito à economia fiscal, como cânone do direito ao planejamento. Observe-se:

Essas idéias de planos fundamentam-se no direito à economia de impostos, cuja órbita respalda os contribuintes na adoção de ações que resultam em conseqüências fiscais menos onerosas.

No universo do direito posto, essa faculdade dos contribuintes condiciona-se apenas à rigorosa observância da totalidade de requisitos formais e substanciais que a lei exige para a prática dos atos através dos quais ela se exprime.

Assim, o exercício desse direito à economia de impostos composta como requisito legal a prática de ações válidas e legítimas.

Outra não pode ser a conclusão, senão a de que há sim o direito ao planejamento, como decorrência lógica e imediata do direito à livre iniciativa e à liberdade de contratar. Não se pode negar a existência do direito ao planejamento, sob pena de esvaziar o próprio conteúdo axiológico subjacente da norma constitucional.

4.3. FUNDAMENTOS PARA A PREVENÇÃO DE CUSTO FISCAL

Muito se fala acerca do planejamento tributário no ramo dos negócios empresariais. A despeito disso, é importante deixar claro que a atividade de planejar não é um privilégio dos agentes econômicos, mas sim uma alternativa cada vez mais corrente entre todos aqueles que resolvem medir as repercussões econômicas de seus atos, traçando o custo e antevendo os possíveis encargos – sejam legais ou contratuais.

Necessário que se fixe o entendimento segundo o qual planejar é um direito de todos, independente da natureza, da origem, da finalidade ou do vínculo de agremiação existente. Para alguns, planejar é um dever, uma obrigação, como é o caso da administração pública em geral.

O planejamento tributário, então, pode ocorrer tanto na empresa como, por exemplo, na entidade filantrópica (com a natureza jurídica de associação civil sem fins lucrativos), que volta as suas atividades se emoldurando para adequar-se às exigências legais que lhe possibilitem o reconhecimento da imunidade tributária; ou no caso dos cônjuges em plena separação, que transacionam uma partilha e demais obrigações com o menor reflexo tributário possível; como também no caso de alguém que define o destino do seu patrimônio, para depois de sua morte, de forma que a transmissão para os herdeiros e legatários gere uma tributação menos onerosa.

Focando a presente pesquisa nas hipóteses de planejamento tributário entre os agentes econômicos, que é onde se encontra o ponto de ebulição da disputa fisco/contribuinte, é importante ressaltar que sua ocorrência implica na prevenção de um custo, tributário, o que gera uma menor carga na despesa operacional dos negócios, possibilitando maiores lucros e/ou menor custo para o consumidor final.

A primeira idéia que se extrai da redução da carga tributária é a de que o agente econômico terá maior rentabilidade com o exercício de uma atividade. Nesse compasso, é possível indagar-se acerca da legitimidade dessa maior rentabilidade – em última análise, se o planejamento tributário, que gera maior lucro em razão do menor custo, traz consigo uma usurpação do crédito que seria dirigido aos cofres públicos, caso não houvesse o estudo fiscal prévio.

Nesse sentido, também é possível indagar se, na mesma medida em que o particular tem o direito a planejar os efeitos fiscais decorrentes de seus negócios, o Estado teria também o direito subjetivo de tributar.

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De alta pertinência é a colocação de Penteado (1988, p. 7), ao pontuar que “a economia fiscal disponível há que ser buscada, em qualquer transação, até como parte de um bom gerenciamento empresarial.”

A tributação é decorrente da idéia de solidariedade social, permitindo que todos participem, na capacidade que cada um tem, do desenvolvimento econômico e social, da manutenção da máquina administrativa e do progresso como um todo. Decorre da necessidade de manutenção da paz pública e da justiça social, cujo protagonista principal é o Estado.

Não se pode dizer que a tributação é um direito subjetivo do Estado, mas sim uma imposição decorrente da sua soberania, como fonte de custeio das despesas públicas, de interesse público.

A relação fiscal travada entre o Estado-Administração e o contribuinte se emoldura quando ocorrida a hipótese de incidência da obrigação de pagar um tributo, e não pela simples existência dos dois entes (público e particular), sem sequer perquirir a ocorrência do fato gerador tributário. Então, subsumido um dado fato ou ato, numa hipótese de incidência tributária, nasce aí o direito do Estado em haver recolhido aos cofres públicos a quantia correspondente.

Note-se que não há, d’ante mão, pela mera existência de um agente econômico, o direito de o Estado auferir créditos decorrentes das atividades que são desenvolvidas e que têm expressão econômica.

O direito ao crédito, portanto, surge a partir do momento em que há, no mundo dos fatos, a ocorrência da descrição legal que obrigue o particular a pagar o tributo.

Por esse caminho, há de se compreender que não é o fato de que o planejamento tributário implementou uma prevenção de um custo fiscal, que há a usurpação de um suposto direito do Estado à tributação.

A par disso, torna-se pertinente trazer as reflexões de Guerreiro (1998, p. 151). Observe-se:

Por que não poderia um ato jurídico ter como única finalidade a economia tributária? Não é a economia tributária também um elemento econômico suficientemente forte para atribuir substância econômica a um ato jurídico? A resposta a essas indagações há de ser no sentido de reconhecer que a busca de economia tributária é causa real e suficiente para justificar qualquer ato jurídico lícito, realizado com esse fim exclusivo.

E tanto é assim que a legislação tributária – num evidente reconhecimento ao princípio da estrita legalidade – vem sendo alterada sistematicamente com o objetivo de obstar aquelas práticas de planejamento tributário que se tornam mais difundidas e começam a impactar a arrecadação tributária.

[...]

Não poderia ser diferente, visto ser patente que a carga tributária, para um agente econômico, é, antes de tudo, um fenômeno nitidamente econômico: é uma redução de custos. [...] Como tal, a economia fiscal precisa ser vista no contexto de busca de eficiência empresarial que lhe é própria, no mesmo prisma sob o qual são vistas as permanentes buscas de redução de todos os custos de uma empresa.

Oliveira (2000, p. 320) traz ainda mais subsídios:

Decorre esse direito da própria liberdade de fazer ou deixar de fazer qualquer coisa que não seja vedada ou exigida pela lei (Constituição Federal de 1988, art. 5.º, II) e do fato de que a obrigação tributária somente nasce pela ocorrência efetiva de uma das hipóteses de incidência constantes das várias leis ordinárias sobre os diversos tributos [...].

Corolário desses princípios fundamentais assegurados nas garantias constitucionais individuais, e que imprime uma das características essenciais à obrigação tributária, é que o contribuinte não é obrigado a pagar tributo sem que ocorra o respectivo fato gerador, assim como não é obrigado a adentrar as circunstâncias do fato ou de direito que constituem o fato gerador apenas para tornar-se devedor do respectivo tributo.

Decerto, o sistema jurídico brasileiro albergou a possibilidade de o contribuinte planejar seus atos, de modo a não o tornar obrigado a conduzir-se de acordo com a previsão expressa de incidência tributária, ou a praticar negócios que gerem tributos mais onerosos.

Tal possibilidade é decorrente do próprio sistema, que exaltou a liberdade de expressão, de contratar, de empresa, a livre iniciativa, a segurança jurídica; o direito de não constituir provas contra si mesmo – que esclarece a idéia de legitimidade dos atos de preservação dos direitos e interesses particulares; além da imposição de limites evidentes e fundamentalmente óbvios ao poder de tributar do Estado.

A conjuntura política vivida pelo constituinte de 1988, e que gerou a consagração desses direitos, aspira razões de altíssima relevância para se enfrentar o atual contexto rememorando todo o processo de conquistas, alcançadas ao longo da história através de muita luta e pressão popular.

Orientando-se por essa linha de idéias, há de se concluir que o tratamento do tema merece o escopo constitucional, para se seguir uma lógica jurídica íntegra e dela se extrair uma interpretação válida e adaptável ao sistema – mais precisamente na ordem dos princípios que integram o conteúdo normativo subjacente.

Por essas razões, torna-se extremamente válido e pertinente o manejo das normas, acoimadas por muitos como sendo antielisivas, sob a égide dos princípios constitucionais da estrita legalidade ou tipicidade cerrada, da segurança jurídica e da vedação de tributo com efeito de confisco.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

STRAND, Daniel Senna. Normas antielisivas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7993, 20 mai. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/113401. Acesso em: 5 dez. 2025.

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