Resumo: O acesso à justiça no Brasil tem passado por uma transformação significativa, refletida na implementação do "Sistema Multiportas", que reconhece a mediação como um meio eficaz de resolução de conflitos. A Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça e o Código de Processo Civil de 2015 reforçaram a importância da mediação, destacando-a como um método que promove o diálogo e a cooperação, especialmente em situações delicadas, como os inventários judiciais. Esse procedimento, muitas vezes marcado por tensões emocionais e disputas patrimoniais entre herdeiros, pode ser significativamente beneficiado pela mediação, que busca não apenas a solução de conflitos, mas também a manutenção dos laços familiares. Nesse contexto, a mediação se apresenta como uma alternativa viável e humanizada ao litígio tradicional, permitindo que as partes envolvidas se tornem protagonistas na construção de soluções que atendam aos seus interesses. Os princípios fundamentais da mediação, como imparcialidade, confidencialidade e autonomia da vontade, garantem um ambiente seguro para o diálogo e a resolução consensual das disputas. Assim, este trabalho pretende analisar o impacto da mediação nos processos de inventário, avaliando como sua aplicação pode contribuir para a eficiência processual, a pacificação social e a preservação das relações familiares. A pesquisa busca evidenciar que a adoção da mediação não apenas desafoga o sistema judiciário, mas também promove uma cultura de paz e respeito, essencial para a convivência harmoniosa em contextos familiares.
Palavras-chave: Conflitos familiares. Inventário. Mediação.
1. INTRODUÇÃO
O inventário judicial é um procedimento necessário para a partilha de bens após o falecimento de uma pessoa, sendo essencial para a regularização patrimonial dos herdeiros. No entanto, esse processo, muitas vezes, revela-se complexo e prolongado. A morte, por si só, já é um evento marcante e delicado na vida dos envolvidos. Quando somada a conflitos familiares, divergências sobre a divisão dos bens, ausência de testamento ou disputas entre herdeiros, o inventário pode se transformar em um cenário de litígios complexos, que extrapolam o âmbito jurídico e invadem o campo das relações interpessoais. A sobrecarga do Poder Judiciário, aliada à morosidade dos trâmites legais, contribui para o agravamento dessas dificuldades, tornando o inventário uma etapa delicada e, por vezes, dolorosa para os envolvidos.
No Brasil, o inventário pode ser realizado judicial ou extrajudicialmente, dependendo das condições previstas em lei, como a inexistência de testamento e a plena concordância entre os herdeiros. Apesar da existência da via extrajudicial desde a entrada em vigor da Lei nº 11.441/2007, muitos inventários ainda seguem pelo caminho judicial, seja pela presença de testamento, herdeiros incapazes ou, principalmente, pela ausência de consenso entre as partes. É nesse contexto que os conflitos tendem a se intensificar, retardando ainda mais a conclusão do processo e elevando os custos financeiros envolvidos, tanto com taxas judiciais quanto com honorários advocatícios e despesas cartorárias.
Diante desse cenário, a mediação surge como uma ferramenta promissora para transformar o modo como os inventários judiciais são conduzidos. Ao privilegiar o diálogo, a escuta ativa e a construção conjunta de soluções, a mediação contribui para a pacificação social, a celeridade processual e a preservação dos vínculos familiares. Com previsão legal no novo Código de Processo Civil de 2015, a mediação tem sido cada vez mais incentivada como método alternativo de resolução de conflitos, especialmente em matérias que envolvem relações continuadas ou de forte carga emocional, como é o caso do direito de família e das sucessões.
Este trabalho tem como objetivo analisar os principais desafios enfrentados nos inventários judiciais, explorando seus aspectos legais, emocionais e financeiros, e avaliar o papel da mediação como instrumento de eficiência, humanidade e racionalidade nesse contexto. Pretende-se, com isso, refletir sobre os caminhos possíveis para uma justiça mais acessível, ágil e sensível à complexidade das relações humanas envolvidas nos processos sucessórios.
2. MEDIAÇÃO NO CONTEXTO JURÍDICO
2.1. Conceito e princípios da mediação
Durante décadas, a discussão sobre a garantia do acesso à justiça esteve concentrada nos aspectos relacionados à simples submissão dos conflitos ao Poder Judiciário, evoluindo para a implementação dos mecanismos imprescindíveis à sua plena efetivação (SANTANA, 2020). Nesse contexto, foi implementado o “Sistema Multiportas”, consagrado na Resolução nº 125/2010 do CNJ e reforçado pelo Código de Processo Civil de 2015, ampliando as possibilidades de novos contornos. Atualmente, está situada a necessária aplicação do princípio da adequação à tutela jurisdicional:
O ponto inicial era o mero acesso. Em seguida, focou-se no caráter instrumental da jurisdição. Indo um pouco além, realçou-se a busca por uma real efetividade. Hoje, o objetivo é o fortalecimento do princípio da adequação. Temos vários instrumentos ao nosso dispor. Numa determinada situação, vários ou pelo menos alguns deles podem ser acessíveis, instrumentais e efetivos, mas, normalmente, apenas um deles será o mais adequado para aquelas circunstâncias concretas. (PINHO, 2017, p. 262)
Mancuso defendia que o serviço judiciário não pode se converter em uma prestação primária, devendo ser entendido como uma fonte residual, destinada a casos de lides efetivamente singulares e complexas, tais como as ações ditas necessárias e os conflitos inconciliáveis.
Na devida releitura, atualizada e contextualizada, do acesso à justiça, cumpre visualizá-lo em termos de oferta residual, uma garantia subsidiária, disponibilizada para as controvérsias não dirimidas ou mesmo incompossíveis por outros meios, auto e heterocompositivos. Com isso, o judiciário poderá então dedicar-se aos processos efetivamente singulares e complexos, ao invés de produzir justiça de massa, através de organismos cada vez maiores, que empenham parcelas crescentes do orçamento estatal e conduzem a um indesejável gigantismo da máquina judiciária. Esse crescimento físico, que atinge patamares alarmantes, sobre não resolver o problema – já que a crise numérica é uma consequência e não a causa – é, além disso, inócuo, porque a oferta prodigalizada de justiça só faz exacerbar a demanda por ela, num perverso círculo vicioso. (MANCUSO, 2014. p. 62-74)
A partir dessa evolução, é possível identificar uma nova configuração do ordenamento jurídico brasileiro, na qual os meios consensuais de resolução de conflitos também são considerados formas de acesso à justiça (SANTANA; CORREA, 2020).
Para Marilene Marodin e Stella Breitman, a mediação é
o processo de gestão de controvérsias no qual um profissional- o mediador- intervém de forma imparcial e neutra, facilitando a comunicação entre os envolvidos, com vistas à solução da disputa. Esta solução, de benefício mútuo, será construída pelos próprios participantes, a partir da identificação dos seus interesses e necessidades, e será legitimada através de um acordo voluntário que consubstanciará o seu cumprimento. O mediador pode ser oriundo de diferentes campos profissionais, distinguindo-se pelo fato de possuir capacitação teórica e metodológica específica (2002, p. 473)
Destarte, busca-se construir um acordo mutuamente satisfatório, evitando litígios judiciais prolongados e dispendiosos (DINIZ, 2017). Na mediação, deve prevalecer a mentalidade de que todos os envolvidos devem ganhar; ou seja, por meio da comunicação e das discussões, evita-se a competição e a confrontação, promovendo-se a cooperação (GOLDENBERG, 2020).
Diferente do processo judicial tradicional — que é adversarial e conduzido por um juiz —, a mediação busca preservar o relacionamento entre as partes e incentivar soluções consensuais, promovendo um ambiente colaborativo.
Diniz (2017, p. 38) enfatiza que a mediação oferece um espaço seguro para as partes envolvidas em disputas familiares expressarem suas necessidades e preocupações, priorizando a busca por soluções que respeitem os laços afetivos e minimizem os impactos adversos nas relações familiares.
A definição de mediação está expressa no parágrafo único do art. 1º da Lei nº 13.140/2015, que dispõe sobre a mediação como meio de solução de controvérsias entre particulares e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública (BRASIL, 2015), reforçando seu caráter voluntário e confidencial.
2.2. Princípios da Mediação
De acordo com o art. 2º da Lei nº 13.140/2015, a mediação é fundamentada em princípios essenciais que garantem sua eficácia e legitimidade. Dentre eles, destacam-se:
Imparcialidade do mediador: O mediador deve atuar sem favorecer nenhuma das partes, garantindo um ambiente equitativo para a resolução do conflito.
Isonomia entre as partes: Todas as partes devem ser tratadas com igualdade, sem qualquer tipo de privilégio.
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Oralidade: O procedimento de mediação privilegia a comunicação verbal, o que facilita a expressão direta das partes.
Informalidade: O processo de mediação não segue ritos processuais rígidos, permitindo maior adaptação às necessidades das partes.
Autonomia da vontade das partes: As partes têm total liberdade para decidir sobre o acordo, sem imposições externas.
Busca do consenso: A mediação proporciona uma resolução mais rápida e eficaz do que os processos judiciais tradicionais, com foco em soluções consensuais.
Confidencialidade: Todas as informações discutidas durante a mediação são sigilosas, garantindo a privacidade dos envolvidos.
Boa-fé: As partes devem atuar com honestidade e colaboração, buscando uma solução justa para ambas.
A adoção desses princípios contribui para a construção de soluções sustentáveis e para a pacificação social, tornando a mediação uma alternativa valiosa dentro do sistema de justiça brasileiro.
Caso exista previsão contratual de cláusula de mediação, as partes deverão comparecer à primeira reunião de mediação. Ninguém será obrigado a permanecer no procedimento. A mediação pode versar sobre conflitos relativos a direitos disponíveis ou sobre direitos indisponíveis que admitam transação, podendo abranger o conflito em sua totalidade ou apenas parte dele.
O consenso das partes envolvendo direitos indisponíveis, mas transigíveis, deverá ser homologado judicialmente, sendo exigida a oitiva do Ministério Público.
Tartuce (2018) sustenta que a mediação confere às partes um papel central na resolução de seus conflitos, tornando-as coautoras de soluções que atendem às suas necessidades individuais. Dessa forma, verifica-se que a mediação é uma alternativa viável à litigância, economizando tempo e dinheiro para as partes envolvidas. Além disso, alivia a sobrecarga dos tribunais de família, permitindo que se concentrem em casos mais complexos e urgentes.
2.3. A mediação no ordenamento jurídico brasileiro
A mediação, como instrumento de resolução de conflitos, tem se consolidado no ordenamento jurídico brasileiro nas últimas décadas, representando uma alternativa eficaz ao sistema tradicional de litígios.
No Brasil, a mediação não é algo novo. Em um primeiro momento, estava mais associada à conciliação, já que ambos os institutos compartilham o objetivo de alcançar um acordo entre as partes. No entanto, sua regulamentação e difusão ganharam força a partir da década de 1990, influenciadas por tendências internacionais que promovem a cultura da paz e a resolução pacífica de conflitos. O próprio Código de Defesa do Consumidor, de 1990, já apresentava elementos que incentivavam a resolução consensual de litígios.
A Constituição Federal de 1988, embora não trate especificamente da mediação, adota princípios e valores que a sustentam como forma legítima de resolução de controvérsias. A Carta Magna afirma que a sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos deve ser fundada na harmonia social, comprometida, interna e externamente, com a solução pacífica dos conflitos. O art. 4º, inciso VII, estabelece que a República Federativa do Brasil rege-se, nas relações internacionais, pelo princípio da solução pacífica dos conflitos. Tal disposição impõe ao poder público o dever de formular políticas que promovam métodos pacíficos de resolução de disputas.
Essa interpretação encontra respaldo no entendimento de que não seria coerente o Brasil priorizar, nas relações internacionais, a solução pacífica de controvérsias e, internamente, adotar mecanismos predominantemente litigiosos. (MARQUES, 2016)
O artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição, também destaca o princípio da cooperação, que orienta os órgãos do Judiciário e as partes a atuarem de forma colaborativa na busca por uma decisão justa e eficaz. Esse princípio está totalmente alinhado com a lógica da mediação, pois as partes, ao participarem do processo, cooperam ativamente para a resolução do conflito.
O artigo 3º, incisos I e IV, da Constituição Federal, estabelece como objetivos fundamentais da República a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, bem como a promoção do bem de todos. A mediação contribui diretamente para tais objetivos ao buscar soluções pacíficas para disputas, minimizando os impactos negativos que os conflitos geram na convivência social. Além disso, pode ajudar a preservar vínculos familiares e relações de vizinhança, essenciais para uma sociedade harmônica e solidária.
O art. 193 da Constituição dispõe que a ordem social tem como base o primado do bem-estar social, o que igualmente exige políticas públicas preventivas e promotoras da solução pacífica dos conflitos. Dessa forma, a pacificação será tanto mais efetiva quanto maior for a eficácia dos métodos consensuais.
A mediação ganhou status normativo de grande relevância com a promulgação do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/2015), que incorporou a mediação como etapa preliminar obrigatória em diversos processos. O modelo adotado pelo CPC é colaborativo: os sujeitos processuais devem agir em cooperação para alcançar decisões mais justas e efetivas. Nesse cenário, tanto as partes quanto o juiz têm o dever de colaborar e o direito de participar ativamente do processo.
Barbosa Moreira ressaltava que, “apesar de o titular do direito ter a prerrogativa de decidir se deseja acionar o Judiciário, isso não lhe dá total liberdade para influenciar a condução do processo pelo órgão estatal”.
O CPC/2015 levou tão a sério a autocomposição que, no art. 334, § 8º, fixou multa para o autor ou réu que, injustificadamente, não comparecer à audiência de conciliação ou mediação, considerando essa ausência como ato atentatório à dignidade da justiça. Além disso, na audiência, as partes devem estar acompanhadas por advogado ou defensor público, podendo constituir representantes com poderes específicos para negociar e transigir.
A fase incidental de autocomposição, introduzida no início do procedimento comum, favorece uma gestão participativa do processo. Seu principal objetivo é evitar o agravamento do conflito por meio da negociação direta entre as partes. Essa etapa também permite a definição conjunta do procedimento, conforme os arts. 190 e 191 do CPC/2015. Enquanto em países como Bélgica e Alemanha a calendarização do processo é prática comum desde o início, no Brasil essa prática ainda é pouco explorada.
Além disso, o art. 190 permite que as partes celebrem convenções processuais antes mesmo da judicialização, estratégia especialmente útil para litigantes habituais. Esses acordos pré-processuais visam aprimorar a eficiência processual, eliminando atos desnecessários e reduzindo a carga de trabalho do Judiciário, desde que respeitados os limites legais previstos no parágrafo único do mesmo artigo.
Na ausência de acordos prévios, o art. 334 prevê a possibilidade de planejamento processual na audiência de conciliação ou mediação. Nessa audiência, as partes podem estabelecer conjuntamente a condução dos atos processuais, sujeitando essas decisões à homologação judicial, limitada à verificação de legalidade.
O CPC/2015 também trouxe inovações sobre a citação e a realização da audiência de conciliação ou mediação. O art. 250, IV, exige que o mandado contenha data, horário e local da audiência. Em casos de tutela antecipada, o autor dispõe de 15 dias para confirmar o pedido final; na tutela cautelar antecedente, o pedido principal deve ser formulado em até 30 dias. Em ambos os casos, as partes devem ser intimadas para a audiência.
O art. 319, VII, determina que o autor indique, já na petição inicial, se deseja ou não a realização da audiência. Se marcada, essa audiência deve ocorrer com pelo menos 30 dias de antecedência, e o réu deve ser citado com, no mínimo, 20 dias de antecedência.
Caso ambas as partes manifestem desinteresse na autocomposição, a audiência não será realizada (art. 334, § 4º). O § 7º permite sua realização por meio eletrônico, embora esse ponto ainda gere controvérsias, especialmente no campo da mediação. Já o § 8º prevê multa por ausência injustificada.
A alegação de incompetência relativa ou absoluta suspende a audiência, que será reagendada após a decisão sobre a competência (art. 340, § 4º). O CPC também fortaleceu a autocomposição nas ações de família, determinando que, antes da citação formal, o réu seja apenas intimado para a audiência, sem contrafé. Nesses casos, a presença de advogados é facultativa, e a audiência pode ser fracionada em várias sessões (art. 696).
O novo Código também permite a homologação de acordos extrajudiciais (art. 515, III), autoriza convenções processuais atípicas (art. 190) e admite acordos que ultrapassem o objeto litigioso (art. 515, § 2º), demonstrando abertura crescente à autocomposição.
Embora alguns doutrinadores questionem a compatibilidade plena da mediação com o art. 5º, XXXV, da Constituição — que assegura o acesso ao Judiciário em caso de ameaça ou lesão a direito —, tal objeção já foi superada no campo da arbitragem, que possui fundamento jurídico semelhante. A mediação, assim como a arbitragem, não suprime o acesso à justiça, mas o complementa com uma via consensual e adequada a determinados conflitos (TARTUCE, 2021).
Dessa forma, a mediação, longe de constituir um conceito único e fechado, representa um campo plural e dinâmico, com interpretações diversas, dependendo da escola teórica, dos objetivos do processo e do contexto de sua aplicação.
2.4. O papel do mediador e suas técnicas
A mediação revela a complexidade dos diferentes modelos teóricos e práticos que orientam a atuação dos mediadores.
Diversos estudiosos apontam que os objetivos da mediação e o papel do mediador variam significativamente conforme a escola de pensamento adotada (BERNARDES, 2020; MENDES, 2018). Um exemplo clássico dessa variação é o modelo tradicional linear, também conhecido como modelo de Harvard. Nesse paradigma, o mediador atua como facilitador da negociação, com o objetivo central de alcançar um acordo. Trata-se de uma mediação com estrutura sequencial e etapas bem definidas, focada na solução do problema concreto apresentado pelas partes (FISHER; URY; PATTON, 2005).
Por outro lado, o modelo transformativo, concebido por Bush e Folger (2004), desloca o foco da mediação do resultado (acordo) para o processo relacional entre as partes. Nessa perspectiva, a mediação busca promover o empoderamento dos indivíduos e o reconhecimento mútuo, contribuindo para a transformação do conflito e das próprias pessoas envolvidas. Assim, o acordo deixa de ser o fim e passa a ser uma possível consequência de um processo mais profundo de reconstrução das relações (BUSH; FOLGER, 2004).
Entre os modelos mais recentes, destaca-se o circular-narrativo, proposto por Sara Cobb, que integra elementos dos modelos anteriores, enfatizando o papel das narrativas construídas pelas partes e suas conexões com o contexto relacional mais amplo. Segundo Cobb (1994), a mediação deve considerar as histórias individuais como construções sociais que influenciam a forma como o conflito é percebido e vivenciado. Essa abordagem, fortemente influenciada pelo pensamento sistêmico e pela teoria das redes, reconhece que os conflitos não podem ser compreendidos isoladamente, mas sim como expressões de padrões comunicacionais mais amplos (COSTA, 2017).
A mediação e a conciliação são práticas fundamentais no campo da resolução de conflitos, desempenhando papéis complementares, mas com características e objetivos distintos. Embora ambas envolvam a participação de um terceiro imparcial, suas abordagens diferem substancialmente.
A coexistência desses modelos no cenário brasileiro revela uma tensão teórica e prática ainda não pacificada na doutrina. Essa multiplicidade de abordagens gera, inclusive, debates sobre a distinção entre mediação e conciliação. Para autores como Marinoni e Arenhart (2019), essa diferenciação é fundamental, pois a conciliação teria um viés mais diretivo e orientado ao acordo, enquanto a mediação, especialmente em seus modelos mais modernos, é mais dialógica e menos interventiva.
A Lei nº 13.140/2015 é um marco na regulação da mediação no Brasil. Ela estabelece regras claras sobre o procedimento, tanto judicial quanto extrajudicial. De acordo com a lei, a mediação pode ser voluntária ou determinada pelo juiz (compulsória), sempre mantendo seu caráter essencialmente consensual, ou seja, as partes devem ter autonomia para decidir sobre o resultado do processo.
O mediador — que pode ser profissional público ou privado — deve ser imparcial e neutro, facilitando o diálogo entre as partes em conflito. A confidencialidade é um dos pilares do processo, pois assegura um ambiente protegido, onde as partes possam se expressar com liberdade, sem o risco de que suas declarações sejam utilizadas em eventual processo judicial.
Com isso, a mediação visa não apenas resolver o litígio, mas principalmente restaurar a comunicação e preservar o relacionamento entre os envolvidos.
Segundo Garcez (2003, p. 35), a mediação é um mecanismo adequado ou alternativo de solução de conflitos em que “...um terceiro, imparcial, auxilia as partes a chegarem, elas próprias, a um acordo entre si, através de um processo estruturado.”
A mediação se destaca por priorizar a restauração das relações humanas e a prevenção de novos conflitos, sendo, portanto, um método essencial para a pacificação social.
A conciliação, por outro lado, é um processo em que um terceiro imparcial ajuda as partes a encontrar uma solução para o conflito, muitas vezes sugerindo propostas concretas. Enquanto a conciliação tende a lidar com disputas de forma mais objetiva e rápida, a mediação se concentra em restabelecer o diálogo e preservar as relações interpessoais, buscando uma solução duradoura e consensual.
Em ambos os métodos, a atuação de um terceiro imparcial visa não apenas à resolução do conflito, mas também à promoção de uma justiça mais acessível e inclusiva, contribuindo para a pacificação social e o fortalecimento das relações humanas (TARTUCE, 2018).