O Superior Tribunal de Justiça admitiu a Proposta de Revisão de Entendimento firmado na tese repetitiva Tema 414/STJ, quanto à forma de cálculo da tarifa progressiva dos serviços de fornecimento de água e de esgoto sanitário em unidades compostas por várias economias e hidrômetro único.
Portanto, o Tema 414/STJ foi recentemente revisado, e a tese anterior – que considerava ilícita a cobrança de tarifa no valor do consumo mínimo multiplicado pelo número de economias existentes no imóvel, determinando que a cobrança fosse feita pelo consumo real aferido – foi alterada, de modo que se fixaram as seguintes novas teses:
1. Nos condomínios formados por múltiplas unidades de consumo (economias) e um único hidrômetro é lícita a adoção de metodologia de cálculo da tarifa devida pela prestação dos serviços de saneamento por meio da exigência de uma parcela fixa ('tarifa mínima'), concebida sob a forma de franquia de consumo devida por cada uma das unidades consumidoras (economias); bem como por meio de uma segunda parcela, variável e eventual, exigida apenas se o consumo real aferido pelo medidor único do condomínio exceder a franquia de consumo de todas as unidades conjuntamente consideradas.
2. Nos condomínios formados por múltiplas unidades de consumo (economias) e um único hidrômetro é ilegal a adoção de metodologia de cálculo da tarifa devida pela prestação dos serviços de saneamento que, utilizando-se apenas do consumo real global, considere o condomínio como uma única unidade de consumo (uma única economia).
3. Nos condomínios formados por múltiplas unidades de consumo (economias) e um único hidrômetro é ilegal a adoção de metodologia de cálculo da tarifa devida pela prestação dos serviços de saneamento que, a partir de um hibridismo de regras e conceitos, dispense cada unidade de consumo do condomínio da tarifa mínima exigida a título de franquia de consumo.
Assim decidiu a Primeira Seção do STJ, em recente julgamento dos REsp 1.937.887/RJ, 1.166.561/RJ e 1.937.891/RJ:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. TARIFA DE ÁGUA E ESGOTO. CONDOMÍNIO. MÚLTIPLAS UNIDADES AUTÔNOMAS DE CONSUMO (ECONOMIAS). HIDRÔMETRO ÚNICO. METODOLOGIA DE CÁLCULO DA TARIFA. ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL CONSOLIDADO PELO STJ NO JULGAMENTO DO RESP 1.166.561/RJ (TEMA 414/STJ). SUPERAÇÃO. RELEITURA DAS DIRETRIZES E FATORES LEGAIS DE ESTRUTURAÇÃO DA TARIFA DE ÁGUA E ESGOTO, TAL COMO PREVISTOS NOS ARTS. 29. E 30 DA LEI 11.445/2007. ANÁLISE CRÍTICA E COMPARATIVA DE TODAS AS METODOLOGIAS DE CÁLCULO DA TARIFA EM DISPUTA. MÉTODOS DO CONSUMO REAL GLOBAL E DO CONSUMO REAL FRACIONADO (MODELO HÍBRIDO) QUE NÃO ATENDEM AOS FATORES E DIRETRIZES DE ESTRUTURAÇÃO DA TARIFA. ADEQUAÇÃO DO MÉTODO DO CONSUMO INDIVIDUAL PRESUMIDO OU FRANQUEADO. INEXISTÊNCIA DE RAZÕES DE ORDEM JURÍDICA OU ECONÔMICA QUE JUSTIFIQUEM DISPENSAR AS UNIDADES AUTÔNOMAS DE CONSUMO INSERIDAS EM CONDOMÍNIOS DOTADOS DE UM ÚNICO HIDRÔMETRO DO PAGAMENTO DA COMPONENTE FIXA DA TARIFA, CORRESPONDENTE A UMA FRANQUIA INDIVIDUAL DE CONSUMO. FIXAÇÃO DE NOVA TESE VINCULANTE. MODULAÇÃO PARCIAL DE EFEITOS. SOLUÇÃO DO CASO CONCRETO: CONHECIMENTO EM PARTE E PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL.
1. As diretrizes para instituição da tarifa de água e esgoto, previstas no art. 29. da Lei 11.445/2007, assim como os fatores a serem considerados na estrutura de remuneração e cobrança pelos serviços de saneamento, expostos no art. 30. do mesmo diploma legal, não são regras jurídicas inseridas aleatoriamente pelo legislador no marco regulatório do saneamento básico adotado no Brasil. Muito ao contrário: decorrem do modelo econômico alinhavado para o desenvolvimento do mercado de prestação dos serviços públicos de água e esgoto, modelo esse estruturado em um regime de monopólio natural. Considerações.
2. A previsibilidade quanto às receitas futuras decorrentes da execução dos serviços de saneamento é obtida por meio da estruturação em duas etapas da contraprestação (tarifa) devida pelos serviços prestados: a primeira, por meio da outorga de uma franquia de consumo ao usuário (parcela fixa da tarifa cobrada); e a segunda, por meio da cobrança pelo consumo eventualmente excedente àquele franqueado, aferido por meio do medidor correspondente (parcela variável da tarifa).
3. A parcela fixa, ou franquia de consumo, tem uma finalidade essencial: assegurar à prestadora do serviço de saneamento receitas recorrentes, necessárias para fazer frente aos custos fixos elevados do negócio tal como estruturado, no qual não se obedece à lógica do livre mercado, pois a intervenção estatal impõe a realização de investimentos irrecuperáveis em nome do interesse público, além de subsídios tarifários às camadas mais vulneráveis da população. A parcela variável, por sua vez, embora seja fonte relevante de receita, destina-se primordialmente ao atendimento do interesse público de inibir o consumo irresponsável de um bem cada vez mais escasso (água), obedecendo à ideia-força de que paga mais quem consome mais.
4. A parcela fixa é um componente necessário da tarifa, pois remunera a prestadora por um serviço essencial colocado à disposição do consumidor, e, por consequência, é cobrada independentemente de qual seja o consumo real de água aferido pelo medidor, desde que esse consumo esteja situado entre o mínimo (zero metros cúbicos) e o teto (tantos metros cúbicos quantos previstos nas normais locais) da franquia de consumo outorgada ao usuário. A parcela variável, a seu turno, é um componente eventual da tarifa, podendo ou não ser cobrada a depender, sempre, do consumo real de água aferido pelo medidor, considerado, para tanto, o consumo que tenha excedido o teto da franquia, que já fora paga por meio da cobrança da componente fixa da tarifa.
5. A análise crítica e comparativa das metodologias de cálculo da tarifa de água e esgoto de condomínios dotados de um único hidrômetro permite afirmar que os métodos do consumo real global e do consumo real fracionado (mais conhecido como "modelo híbrido") não atendem aos fatores e diretrizes de estruturação da tarifa previstos nos arts. 29. e 30 da Lei 11.445/2007, criando assimetrias no modelo legal de regulação da prestação dos serviços da área do saneamento básico que ora colocam o condomínio dotado de um único hidrômetro em uma posição de injustificável vantagem jurídica e econômica (modelo híbrido), ora o colocam em uma posição de intolerável desvantagem, elevando às alturas as tarifas a partir de uma ficção despropositada, que toma o condomínio como se fora um único usuário dos serviços, os quais, na realidade, são usufruídos de maneira independente por cada unidade condominial.
6. Descartadas que sejam, então, essas duas formas de cálculo das tarifas para os condomínios dotados de um único hidrômetro, coloca-se diante do Tribunal um estado de coisas desafiador, dado que a metodologia remanescente (consumo individual presumido ou franqueado), que permitiria ao prestador dos serviços de saneamento básico exigir de cada unidade de consumo (economia) do condomínio uma "tarifa mínima" a título de franquia de consumo, vem a ser justamente aquela considerada ilícita nos termos do julgamento que edificou o Tema 414/STJ (REsp 1.166.561/RJ). Não se verifica, entretanto, razão jurídica ou econômica que justifique manter o entendimento jurisprudencial consolidado quando do julgamento, em 2010, do REsp 1.166.561/RJ, perpetuando-se um tratamento anti-isonômico entre unidades de consumo de água e esgoto baseado exclusivamente na existência ou inexistência de medidor individualizado, tratamento esse que não atende aos fatores e diretrizes de estruturação tarifária estabelecidos nos arts. 29. e 30 da Lei 11.445/2007.
7. Teses jurídicas de eficácia vinculante, sintetizadoras da ratio decidendi deste julgado paradigmático de superação do REsp 1.166.561/RJ e de revisão do Tema 414/STJ:
" 1. Nos condomínios formados por múltiplas unidades de consumo (economias) e um único hidrômetro é lícita a adoção de metodologia de cálculo da tarifa devida pela prestação dos serviços de saneamento por meio da exigência de uma parcela fixa ('tarifa mínima'), concebida sob a forma de franquia de consumo devida por cada uma das unidades consumidoras (economias); bem como por meio de uma segunda parcela, variável e eventual, exigida apenas se o consumo real aferido pelo medidor único do condomínio exceder a franquia de consumo de todas as unidades conjuntamente consideradas.
2 . Nos condomínios formados por múltiplas unidades de consumo (economias) e um único hidrômetro é ilegal a adoção de metodologia de cálculo da tarifa devida pela prestação dos serviços de saneamento que, utilizando-se apenas do consumo real global, considere o condomínio como uma única unidade de consumo (uma única economia).
3 . Nos condomínios formados por múltiplas unidades de consumo (economias) e um único hidrômetro é ilegal a adoção de metodologia de cálculo da tarifa devida pela prestação dos serviços de saneamento que, a partir de um hibridismo de regras e conceitos, dispense cada unidade de consumo do condomínio da tarifa mínima exigida a título de franquia de consumo."
8. Evolução substancial da jurisprudência que bem se amolda à previsão do art. 927, § 3º, do CPC, de modo a autorizar a parcial modulação de efeitos do julgamento, a fim de que às prestadoras dos serviços de saneamento básico seja declarado lícito modificar o método de cálculo da tarifa de água e esgoto nos casos em que, por conta de ação revisional de tarifa ajuizada por condomínio, esteja sendo adotado o "modelo híbrido". Entretanto, fica vedado, para fins de modulação e em nome da segurança jurídica e do interesse social, que sejam cobrados dos condomínios quaisquer valores pretéritos por eventuais pagamentos a menor decorrentes da adoção do chamado "modelo híbrido".
9. Nos casos em que a prestadora dos serviços de saneamento básico tenha calculado a tarifa devida pelos condomínios dotados de medidor único tomando-os como um único usuário dos serviços (uma economia apenas), mantém-se o dever de modificar o método de cálculo da tarifa, sem embargo, entretanto, do direito do condomínio de ser ressarcido pelos valores pagos a maior e autorizando-se que a restituição do indébito seja feita pelas prestadoras por meio de compensação entre o montante restituível com parcelas vincendas da própria tarifa de saneamento devida pelo condomínio, até integral extinção da obrigação, respeitado o prazo prescricional. Na restituição do indébito, modulam-se os efeitos do julgamento de modo a afastar a dobra do art. 42, parágrafo único, do CDC, à compreensão de que a dinâmica da evolução jurisprudencial relativa ao tema conferiu certa escusabilidade à conduta da prestadora dos serviços.
10. Solução do caso concreto: não conhecimento do recurso especial quanto ao apontamento de violação de dispositivos constantes do Decreto 7.217/2010, de dispositivo constitucional, e de violação ao art. 937, I, do CPC. Rejeição da alegação de violação ao art. 1.022, II, do CPC. Acolhimento da tese recursal de violação aos arts. 29. e 30 da Lei 11.445/2007, haja vista que o acórdão recorrido reconhecia a legalidade da metodologia "híbrida" de cálculo da tarifa de água e esgoto em condomínio dotado de múltiplas unidades consumidoras e um único hidrômetro, em desconformidade com o entendimento ora assentado.
11. Recurso especial conhecido em parte, e, na extensão do conhecimento, provido.
(STJ - REsp 1.937.887/RJ, Rel. Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Seção, julgado em 20/06/2024, DJe 25/06/2024).
Depreende-se, então, que passou a ser validada a metodologia do consumo individual franqueado, aplicada pelas concessionárias.
De acordo com o decidido, cada unidade do condomínio pagará uma parcela fixa (tarifa mínima) e outra parcela variável, esta cobrada de acordo com o consumo real aferido pelo medidor, caso ultrapasse o volume previsto na tarifa mínima.
Ressalta-se o efeito vinculante do entendimento firmado sob a sistemática dos recursos repetitivos, consoante o disposto no art. 927, III, do CPC, e a desnecessidade de se aguardar o trânsito em julgado para aplicação da tese firmada, na forma do art. 1040 do CPC.
Impõe-se, assim, a imediata aplicação do entendimento firmado pela Corte Superior, bem como a revogação de eventuais Tutelas Provisórias de Urgência deferidas anteriormente com fulcro na tese superada.
Nesse diapasão, confiram-se recentes julgados do TJRJ:
Direito do Consumidor. Fornecimento de água. Cobrança pela tarifa mínima multiplicada pelo número de economias. Apelação provida.
1. Cuida-se de ação na qual se discute a possibilidade de a concessionária realizar a cobrança do serviço multiplicando a tarifa mínima pelo número de economias nos casos em que exista um único hidrômetro instalado no condomínio edilício.
2. O Tema 414 do STJ foi recentemente revisado, de modo que passou a ser adotada a metodologia aplicada pelas concessionárias do consumo individual franqueado.
3. De acordo com o decidido, cada unidade do condomínio pagará uma parcela fixa (tarifa mínima) e outra parcela variável, cobrada de acordo com o consumo real aferido pelo medidor caso ultrapasse o volume previsto na tarifa mínima.
4. Impõe-se, assim, a reforma da sentença, julgando-se improcedente a pretensão autoral.
5. Apelação a que se dá provimento.
(TJRJ - Apelação Cível 0058761-18.2020.8.19.0002, Rel. Des. Horácio dos Santos Ribeiro Neto, Sétima Câmara de Direito Privado, julgado em 29/10/2024).
Apelação cível. Relação de consumo. Fornecimento de água. Imóvel com quatro lojas e um único hidrômetro. Pretensão de revisão do faturamento para que seja cobrado apenas o marcado pelo hidrômetro. Recente orientação do Superior Tribunal de Justiça, que considerou correta a cobrança da tarifa mínima multiplicada pelo número de economias, na revisão do Tema Repetitivo 414. Faturamento, portanto, realizado pela concessionária de água e esgoto que nada tem de errôneo. Provimento do recurso para julgar improcedente o pedido formulado pela consumidora.
(TJRJ - Apelação Cível 0850929-93.2023.8.19.0001, Rel. Des. Antônio Iloizio Barros Bastos, Décima Sexta Câmara de Direito Privado, julgado em 14/08/2024).
AÇÃO DECLARATÓRIA C/C OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONSUMO DE ÁGUA. MULTIPLICAÇÃO POR ECONOMIAS. POSSIBILIDADE. TEMA 414 DO STJ. Trata-se de ação de obrigação de fazer em que se discute a possibilidade de cobrança de tarifa mínima de água e esgoto multiplicada pelo número de economias. A sentença determina a cobrança pelo aferido no hidrômetro e com inserção na tabela progressiva após a divisão pelo número de unidades. Apelam as rés e o Condomínio. Preliminar de ilegitimidade afastada. O STJ revisou o tema 414 havendo superação de tese. Possibilidade de franquia de consumo. Unidades consumidoras que devem ser consideradas para aplicação da tarifa mínima, em razão do modelo econômico de prestação dos serviços públicos de água e esgoto. Reconhecida a impossibilidade de aplicação de cobrança pelo consumo real global. Contraprestação que engloba parcela fixa (tarifa mínima) e parcela variável. Progressividade que deve considerar a política tarifária em relação ao que excede o consumo fixo. Consideração híbrida inicialmente pretendida afastada pelo STJ. Adequação do caso à tese fixada. Sucumbência revista. Recurso das rés provido. Recurso do autor prejudicado.
(TJRJ - Apelação Cível 0149619-64.2021.8.19.0001, Rel.ª Des.ª Natacha Nascimento Gomes Tostes Gonçalves de Oliveira, Décima Sétima Câmara de Direito Privado, julgado em 13/08/2024).
Agravo de instrumento. Ação proposta em face da concessionária CEDAE, posteriormente substituída por Águas do Rio 4 SPE S.A., em que se discute cobrança de água em condomínio edilício que tem um único hidrômetro e é adotada a tarifa mínima multiplicada pelas economias existentes. Decisão concessiva da tutela de urgência, para determinar que o consumo do condomínio autor seja aquele medido através do hidrômetro instalado pela própria concessionária no local, considerando as 09 economias existentes para fins de progressividade, impondo à ré, ainda, que se abstenha de efetuar a cobrança por consumo mínimo. Legítimo inconformismo da demandada. Decisum que, em verdade, restou prolatado em dissonância às novas teses fixadas por ocasião da revisão do Tema nº 414 do STJ. Corte da Cidadania que passou a reconhecer a legalidade da tarifa mínima multiplicada pelo número de economias autônomas em condomínio que possua um único hidrômetro, por meio da exigência de uma parcela fixa, concebida sob a forma de franquia de consumo devida por cada uma das unidades consumidoras, restando, assim, superada a tese anterior, em razão do modelo econômico de prestação dos serviços públicos de água e esgoto. Impositiva reforma da decisão combatida. Precedentes deste Tribunal de Justiça. Provimento do recurso.
(TJRJ - Agravo de Instrumento 0076667-85.2024.8.19.0000, Rel. Des. Guaraci de Campos Vianna, Sexta Câmara de Direito Privado, julgado em 14/11/2024).