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Tratamento processual da vítima

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A proteção da vítima no processo penal é essencial para a garantia da dignidade. Como o comportamento da vítima influencia na definição da pena e na atuação judicial?

Resumo: O presente estudo tem o objetivo de demonstrar a importância da proteção da vítima no processo penal, ao mesmo tempo em que aponta situações nas quais a vítima participa ativamente do projeto criminoso do delinquente, tornando-se também uma pessoa portadora de certa periculosidade vitimal, que recomenda tratamento multidisciplinar para evitar a incidência frequente de ocorrências criminais ou não, que possam levar a um diagnóstico psíquico ou mesmo da personalidade.

Palavras-chave: Vítima – Garantias constitucionais - Classificação de vítimas - O papel da vítima no processo penal - Comportamento da vítima - Periculosidade vitimal – Delinquente – Vitimização secundária - Sobrevitimização – Processo Judicial Eletrônico.

Sumário: 1. Introdução. 2. Garantias constitucionais da vítima no processo penal virtual. 2.1. Generalidades. 2.2. Histórico, legislação e direito comparado. 3. O papel da vítima no processo penal. 3.1. Disposições preliminares. 3.2. Vitimização secundária ou sobrevitimização. 3.3. Mudanças do papel da vítima na legislação processual penal. 4. Perigosidade da vítima versus perigosidade do delinquente. 5. Sistema legal de proteção à vítima no processo penal brasileiro. 5.1. Inovações trazidas pela Lei n.º 11.690, de 09 de junho de 2008. 6. O comportamento da vítima como pressuposto para aplicação da pena. 6.1. A importância do comportamento da vítima para a definição da pena adequada e necessária. 6.2. Classificação das vítimas. 6.3. Visão do comportamento da vítima no direito penal e processual penal brasileiro. 7. O processo virtual como garantia constitucional da vítima no âmbito do direito penal e processual penal brasileiro. 8. O processo virtual e a vítima no âmbito do direito processual penal. 8.1. A importância da videoconferência para a situação da vítima no processo penal. 9. Conclusão.


1. INTRODUÇÃO

A palavra processo tem sua origem no latim processus, de procedere, que exprime a ideia de proceder ou de prosseguir, ou seja, de avançar, de ir para frente. Destarte, sendo o processo um meio de o Estado solucionar as variadas formas de demandas, ele não se resolve no instante mesmo de sua produção, porque depende de procedimento constituído de etapas dilatórias para a entrega da prestação jurisdicional em prazo razoável.

O Processo Penal, a seu turno, é o instrumento usado pelo Estado, como titular único do direito de punir, para dirimir os conflitos que envolvam os crimes previstos no Estatuto Repressivo ou em leis penais extravagantes.

No entanto, o Estado não age sem limites. O ius persequendi e o ius puniendi estatal são exercidos por meio de normas e de princípios. Assim sendo, a pretensão punitiva estatal, que surge no momento da infração, é resistida pelas garantias constitucionais (ampla defesa, contraditório etc.) asseguradas aos indivíduos, qualquer que seja a acusação a eles imputada.

Desta forma, o papel do Processo Penal se desenvolve sobre dois fundamentos primordiais: o de solucionador de conflitos, ou seja, de aplicador do direito material, efetivando o Direito Penal; e o de garantidor ao cidadão da proteção contra possíveis abusos do Poder Público, assegurando, assim, o direito ao devido processo legal, o respeito à dignidade da pessoa humana e a liberdade do indivíduo, pois fixa o seu poder repressivo em pressupostos materiais e assegura a aplicação da lei penal ao caso concreto de acordo com as formalidades prescritas na lei por intermédio de órgãos jurisdicionais, no caso juízes e tribunais para evitar que os delitos fiquem impunes.

Com efeito, ao procedermos o estudo vitimológico, deparamo-nos com as dificuldades de estabelecer um conceito único de vítima, o que nos obriga a desdobrá-lo em várias vertentes, a saber: 1) o sentido originário , com que se designa a pessoa ou animal sacrificado à divindade; 2) o geral , significando a pessoa que sofre os resultados infelizes dos próprios atos, dos de outrem ou do acaso; 3) o jurídico-geral , representando aquele que sofre diretamente a ofensa ou ameaça ao bem tutelado pelo direito; 4) o jurídico-penal-restrito , designando o indivíduo que sofre diretamente as consequências da violação da norma penal; e, por fim, 5) o sentido jurídico-penal-amplo , que abrange o indivíduo e a comunidade que sofrem diretamente as consequências do crime.

A vítima, nos dois últimos séculos, foi totalmente menosprezada pelo direito penal e, principalmente, abandonada pelo Estado. Somente com os estudos criminológicos é que seu papel no processo penal foi resgatado, passando a mesma a ter um protagonismo, ainda que obscuro.

Tem-se convencionado dividir o tempo em três grandes momentos, no que concerne ao protagonismo das vítimas nos estudos penais: no primeiro, temos a “idade de ouro ” da vítima, compreendida desde os primórdios da civilização até o fim da alta Idade Média; no segundo momento, a neutralização do poder da vítima, na qual ela deixa de ter o poder de reação ao fato delituoso que passa a ser assumido pelos poderes públicos; em um terceiro momento, dá-se a revalorização do papel da vítima no processo penal, a partir de contorno sistemático empreendido pela criminologia, algo que é muito mais recente.

O estudo da vítima, feito de maneira mais apropriada, aparece logo após a 2.ª Guerra Mundial, especialmente em face do martírio sofrido pelos judeus nos campos de concentração por obra das campanhas desencadeadas por Hitler e seus asseclas. É considerado fundador do movimento criminológico o advogado israelita Benjamim Mendelsohn, professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, em função de uma famosa conferência proferida em Bucareste, em 1947, intitulada “Um horizonte novo na ciência biopsicossocial: a vitimologia.

Acrescente-se que é através desses estudos vitimológicos que surgiram as chamadas políticas de prevenção da criminalidade. Isto proporciona de alguma forma mecanismos para dar condições de oferecer as pessoas, vítimas de qualquer tipo de violência, assistência necessária através de instituições habilitadas, com equipes multidisciplinares, procurando desta forma, traçar um perfil mais humanitário da vítima dentro do sistema penal e processual penal.

Nesse diapasão, Zvonimir Separovic, ex-presidente da Sociedade Mundial de Criminologia, citado por Heitor Piedade Júnior1, leciona que:

“A vitimologia deve ter como meta a orientação para a maior proteção dos indivíduos. O seu propósito deveria ser contribuir, tanto quanto possível, para tornar a vida humana segura, principalmente a salvo de ataque violento por outro ser humano: 1- Explorando meios para descobrir vítimas latentes ou em potencial e situações perigosas que levam à morte, lesões e danos à propriedade. 2- Provendo direitos humanos para os que sofrem em resultado de ato ilegal ou de acidente. 3- Incentivando as pessoas e as autoridades nos seus esforços para reduzir os perigos e estimulando novos programas para prover condições seguras de vida. 4- Provendo meios para pesquisa na área de segurança humana, incluindo fatores criminológicos, psicológicos e outros, e desenvolvendo métodos e enfoques inovadores para tratar de segurança humana. 5- Promovendo um programa efetivo não só para proteger a sociedade de atos ofensivos, através de condenação, castigo e correção, mas também proteger as vítimas reais e em potencial de tais atos. 6-Facilitando a denúncia de atos vitimizadores, o que contribuirá para atingir o objetivo de prevenção de danos futuros.”

Este novo ramo da criminologia vem sendo palco de importantes discussões dentro do Direito Penal e Processual Penal, bem como em outros ramos correlatos, pois se apresenta como um instrumento imprescindível no diagnóstico da criminalidade e na elaboração de uma política criminal mais efetiva a ser implementada e valorizada pelo Estado Democrático de Direito. Sabe-se que no âmbito internacional, como na Argentina2, e em muitos outros países ela já tem um espaço significativo nos estudos sobre a criminalidade.

No Brasil, a atual Constituição Federal de 1988, no Título IX das Disposições Constitucionais Gerais em seu art. 245. contempla, timidamente, a assistência à vítima pelo Poder Estatal, mas apenas em situações que envolvem indivíduo com poder aquisitivo baixo, quando o fato é concretizado por crime doloso, conforme a redação dada pela Carta Magna:

Art. 245. A lei disporá sobre as hipóteses e condições em que o Poder Público dará assistência aos herdeiros e dependentes carentes de pessoas vitimadas por crime doloso, sem prejuízo da responsabilidade civil do autor do ilícito.

Como visto, o dispositivo em destaque contempla unicamente a assistência aos herdeiros e dependentes carentes de pessoas vitimadas por crime doloso, deixando desamparada, ab absurdum, a própria vítima, assim como a vítima de crime culposo.

O constitucionalista Alexandre de Moraes3 reforça essa ideia, aduzindo que este artigo da Constituição Federal Brasileira apresenta má técnica redacional, porque versa sobre norma constitucional de eficácia limitada, ou seja, entende que o dispositivo referido não institui nenhum direito à vítima e sim exclusivamente a seus herdeiros e dependentes carentes.

A seu turno, Lélio Braga Calhau4 (2000, p. 235) em artigo publicado na Revista Brasileira de Ciências Criminais assevera que:

“Podemos comprovar a situação de desprestígio da vítima, visto enquanto cidadã, numa interpretação sistemática da Constituição Federal, pois se sobre o acusado temos várias referências a direitos e garantias fundamentais (art. 5.º, CF/88), por outro lado, não encontramos proteções à vítima nesse terreno.”

No âmbito do Direito Penal e Processual Penal brasileiro, a vítima foi, por muito tempo, esquecida. Suas expectativas são escassas e a reparação de um possível dano não é um fator decisivo e prioritário para o estado brasileiro. O fato é que essa omissão na legislação penal, ou sua tímida previsão no art. 201. do CPP e seus parágrafos, ou até mesmo o desinteresse estatal pertinente aos ineficazes dispositivos legais penais, deixam o próprio sistema falido, desacreditado e a mercê de uma justiça privada, como é o caso dos julgamentos profanos realizados pelos juízes midiáticos e pelos tribunais do crime organizado.

Diante do exposto, fica aqui uma pergunta: quantas vezes os operadores do Direito se depararam com afirmações e indagações sobre o Poder Judiciário, não só questionando a Justiça de um modo geral, mas principalmente a morosidade e a transparência dos processos judiciais?

Nossa Carta Magna traz em seu primeiro artigo os princípios fundamentais da soberania, da cidadania, da dignidade da pessoa humana, dos valores sociais do trabalho, da livre iniciativa e do pluralismo político. Porém, a tarefa mais difícil no âmbito do Direito Penal e Processual Penal, é como conciliar, principalmente, a dignidade da pessoa humana, em especial, da vítima, com a morosidade e a transparência dos procedimentos judiciais, dois fatores que muito concorrem para a chamada vitimização secundária.

Melhor explicando, ao submeter a vítima aos trâmites burocráticos do processo5, o tempo da tramitação gera uma longa demora por uma resposta ao seu caso, assim como o desconforto de encarar seu agressor durante a audiência ou mesmo o constrangimento de prestar depoimento no caso de vítimas de crime sexual ou de outros crimes violentos. Nesse caso, o próprio sistema cuida de novamente vitimá-la, ferindo a sua já abalada autoestima, a dignidade humana, a insegurança jurídica e a confiança na justiça.

As mudanças em nosso país, no que tange à vítima, têm obtido espaço em nossa legislação, a exemplo da Lei n.º 9.807/99 que institui o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas, e a Lei n.º 11.690/08 que trouxe inovações ao Código de Processo Penal no sentido de dedicar maior cuidado e proteção à vítima de crimes.

Outro fator que tem contribuído para as mudanças no tratamento dispensado à vítima no processo penal, é a informatização dos processos introduzida pela Lei n.º 11.419/06, pois torna possível, por exemplo, o depoimento do ofendido ou da testemunha por videoconferência, caso se verifique que a presença do réu possa causar qualquer constrangimento ao depoente, conforme consta no art. 217. do CPP, com a redação dada pela Lei n.º 11.719/08.

Depreende-se, portanto, que o presente trabalho visa a abordagem da vítima na seara do Direito Processual Penal, realizando um estudo sobre o papel da vítima no Processo Penal, o comportamento da vítima como fator determinante para a realização do crime e pressuposto da aplicação da pena, bem como a contribuição da virtualização do processo penal na proteção do ofendido e o sistema legal de amparo à vítima.


2. GARANTIAS CONSTITUCIONAIS DA VÍTIMA NO PROCESSO PENAL VIRTUAL

2.1. Generalidades

A macrossociedade sofreu profundas modificações desde a chegada do século XXI, em todos os setores das atividades humanas, por conta do uso irreversível da informática como ferramenta de trabalho.

Tal fenômeno globalizante incidiu, notavelmente, no âmbito da atividade forense, forçando toda a classe operária do direito a se adaptar a essa nova realidade transnacional. A escrituração que se fazia antigamente por meio de registro físico escrito e assinado em papel, atualmente é feita por meio eletrônico, ou seja, através de documentos digitais, os quais gozam da validade, de fé pública e da força probatória que a legislação dos países que os adotam confere.

Esse sistema virtual tem sido amplamente utilizado em vários países, e tem pouco a pouco substituído procedimentos convencionais, porque evita gastos desnecessários, como o uso do papel, assim como perda de tempo na digitação de textos, posto que todos os atos podem ser gravados em ambiente digital, permitindo, assim, a audição, a todo instante, de depoimentos ou a leitura de documentos eletrônicos, com absoluta tranquilidade, de qualquer lugar do mundo que possua cobertura pela rede de internet.

Dada a celeridade e enorme utilidade dessa ferramenta cibernética, atualmente compreendida como inteligência artificial, bem como a economia que ela proporciona à efetiva prestação jurisdicional, o Poder Judiciário de quase todas as nações vem-na adotando porque a informática é algo que já faz parte da vida cotidiana dos cidadãos de qualquer parte do planeta, considerando que essa tecnologia possui como atributo a característica da ubiquidade.

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Penso, entretanto, que a inteligência artificial não deve ser uma ferramenta de substituição das decisões humanas. Ela deve ser utilizada para executar tarefas de auxílio e implementação das deliberações humanas, após a elaboração de projetos e de pautas que sejam idealizados a partir das necessidades e prioridades de determinado setor da sociedade.

2.2. Histórico, Legislação e Direito Comparado

Enquanto a antropologia criminal se ocupa do estudo para identificação de criminosos, a partir da pesquisa pioneira de Cesare Lombroso, pai da criminologia positiva6, seguida dos estudos sobre criminologia e sociologia criminal, realizados por Raffaele Garófalo e Enrico Ferri, todos publicados no século XIX, a Vitimologia somente surgiu no século XX, com publicações e conferências de Benjamin Mendelson e de Hans von Heting, sendo o primeiro considerado o pai da vitimologia.

A prática da conduta descrita nos tipos penais faz com que nasça um conflito entre o direito fundamental à liberdade do réu e o direito fundamental à liberdade da vítima. Nesse conflito, atentando para a delimitação imposta pelo tema do presente trabalho, é preciso que a vítima do delito, enquanto vista como tal, receba tratamento profissional específico, vale dizer, multidisciplinar, principalmente dos membros das instituições pelas quais é obrigada a passar pelo espinhoso caminho da persecução criminal estatal, posto que também é sujeito de direitos e de garantias fundamentais.

A vítima, em verdade, encontra-se no polo passivo da contenda processual (vista como sujeito passivo do delito), pelo fato de haver sofrido abalo como pessoa e ter, em tese, seus direitos fundamentais lesados em virtude de danos de ordem física, moral, social, psicológica, ética, financeira, econômica, etc.

Essa circunstância, porém, deve ser apurada em sede do devido processo legal para que não se leve em consideração unicamente a versão da vítima, deixando de lado a iminente declaração do acusado, antes que as trevas do cárcere encubram sua memória e apaguem as recordações recentes.

Na visão doutrinária de ANTONIO SCARANCE FERNANDES7, ao comentar a situação da vítima processual como sujeito de direitos:

“Não se pode manter mais uma visão meramente abstrata de vítima, considerada um mero sujeito passivo do delito, forçado a colaborar com a justiça criminal. É ela, antes de tudo, um sujeito de direitos que deve ter no processo meios de defendê-los de maneira concreta e eficaz, sejam direitos ligados a interesses civis e criminais, seja mesmo direito à tranqüilidade, à sua vida privada, à sua intimidade.”

As perguntas que este tópico objetiva responder são: como a vítima vem sendo tratada historicamente pelo direito penal brasileiro no que concerne às suas garantias constitucionais? Quais os benefícios a serem vislumbrados no tratamento jurídico dispensado à vítima em nosso país? Qual efetivamente o papel da vítima no processo penal? Por fim, analisaremos brevemente qual tem sido o tratamento dispensado à ressocialização da vítima penal.

O que pôde ser observado durante um longo tempo foi o “esquecimento” da vítima pelo Direito Penal Brasileiro e de outros países, que se ocupavam exclusivamente com a imposição da pena ao infrator. No caso brasileiro, essa situação vem se revertendo nos últimos anos, podendo-se observar uma retomada do papel da vítima no Direito Penal e Processual Penal moderno, notadamente nos casos que envolvem questões de gênero, violência contra a mulher, racismo e homofobia.

Fala-se “retomada” porque, inicialmente, no período do Direito Penal da vingança privada, a vítima8 detinha o poder de resolução do crime com seu agressor, usando de meios truculentos como escravização, castigos físicos, apreensão de bens e até mesmo da prática da morte. A jurisdição privada era, portanto, a referência da resposta punitiva.

Em fase posterior, com a visualização do Direito Penal como Direito Público, a vítima se vê reduzida a mero sujeito passivo do delito. O Estado toma para si a responsabilidade de manter a ordem pública, detendo exclusivamente o monopólio da jurisdição, mediante o exercício do ius persequendi e do ius puniendi.

Modernamente – e como fruto dos estudos realizados pela Vitimologia e pela Criminologia - reaparece a necessidade da revalorização da participação da vítima na contenda judicial, levando-se em conta suas necessidades e expectativas, ideia que vem se demonstrando presente de forma gradativa na legislação brasileira, a partir de matriz constitucional. A mesma linha legislativa vem seguindo a nação argentina e vários outros países de orientação democrática, conforme veremos no decorrer deste trabalho.

É sabido que, historicamente, nos primórdios da civilização, a cominação pecuniária imposta ao agente criminoso e os bens que lhe eram confiscados revertiam em parte para a vítima e em parte para o rei, senhores feudais, Igreja e Estado. Na Idade Média, a vítima foi sendo, paulatinamente, excluída dessa partilha da multa e dos bens do criminoso, situação que se consolidou com o fortalecimento do Estado, quando a multa passou a ser destinada à Administração Pública9.

É de conhecimento geral também que tanto a Escola Clássica (Beccaria, Carrara) quanto a Escola Positivista (Lombroso, Ferri, Garófalo) baseava-se na tríade penal “delito-delinquente-pena”, ignorando o componente crucial da relação jurídico-penal que é a vítima. No Brasil, sob a “desculpa” de uma suposta preocupação com a vítima, observou-se por diversas vezes um “inchaço” na legislação penal com o intuito de agravar a situação dos acusados (vide exemplo da Lei 8.072/90, que instituiu os crimes hediondos, como se todo crime não merecesse essa nomenclatura; veja-se também a Lei Maria da Penha).

Essas “providências”, na verdade, além de desrespeitarem, por várias vezes, as garantias constitucionais, nada repercutiram em favor das vítimas, uma vez que não ponderavam outros reflexos do crime, como o desejo de reparação do dano sofrido.

Por vezes, o Estado parece tratar a vítima não como um sujeito de direitos, mas como um objeto de prova, que dá seu testemunho e submete-se ao exame de corpo de delito, e depois fica relegada a uma posição marginal no processo penal. Nesse sentido, é salutar a lição de Ana Sofia Schmidt Oliveira10:

“No sistema penal atual, os conflitos são decididos por pessoas estranhas e as partes originalmente envolvidas desaparecem. Aquela que é representada pelo Estado – a vítima – só tem papel de desencadear o processo e prestar algumas informações. A vítima é uma perdedora diante do autor da infração e diante do Estado; não recupera o que perdeu para o infrator, pois as penas não levam em conta seus interesses, e perde ainda a oportunidade de vivenciar de forma positiva o conflito, que não é mais seu. A localização das salas de julgamento nos tribunais das cidades grandes, a ritualização dos atos, a linguagem peculiar – uma verdadeira subcultura -, tudo afasta a vítima que, quando comparece em juízo, percebe que seu conflito é propriedade dos advogados, dos promotores, dos juízes. A despersonalização dos conflitos reflete o desempenho dos papéis sociais; nas sociedades industrializadas, as pessoas se conhecem em fragmentos, de acordo com os papéis que desempenham em cada cenário da vida, e o sistema penal não oferece oportunidade para que as partes e os operadores atuem como seres humanos integrais.”

Outras vezes, a própria mecânica da justiça penal formal acaba por causar à vítima um segundo dano, que é chamado pela doutrina de sobrevitimização ou vitimização secundária11. Como exemplo de causas desse fenômeno, pode-se citar o fato de a vítima, no fórum criminal, aguardar inerme, muitas vezes no corredor, próxima ao seu algoz, até ser chamada para a audiência, onde revive todos os momentos do crime na frente do mesmo, respondendo a perguntas por vezes constrangedoras (principalmente no que se refere a crimes contra a dignidade sexual, praticados contra mulheres, pessoas vulneráveis e crianças), o que torna todo o ritual um tormento.

Nesse ponto, a dignidade da vítima já foi demasiadamente ferida. Mas, como se não bastasse, a partir daí ela sente uma grande sensação de frustração, pois o processo penal a deixa de lado. Afinal, ela já cumpriu seu papel. A justiça volta as atenções para o delinquente e o cumprimento da pena privativa de liberdade, em caso de condenação.

O Estado é o titular da ação penal e, por vezes, não leva em conta as necessidades das vítimas. Sequer a mesma é ouvida previamente sobre se pretende ou não ver seu suposto agressor ser processado, como é o caso de mulheres vítimas de agressão de seu marido, companheiro ou outra pessoa do ambiente doméstico.

Na maioria das vezes, elas não desejam que o mesmo seja detido, processado ou condenado, mas apenas disciplinado, isto é, aconselhado energicamente ou mesmo educado para não mais agredi-la e tratá-la com respeito. A ação repressora do Estado, em tais casos, compromete quase sempre a harmonia doméstica, deflagrando o rompimento do diálogo entre as partes diretamente envolvidas e a inexorável dissolução de uniões há muito consolidadas, eliminando, assim, de uma só vez, a possibilidade de retorno ao statu quo ante.

Em várias ocasiões, resta à vítima habilitar-se como assistente do Ministério Público para ser informada sobre o andamento do processo. Por mais absurdo que pareça, ainda existem doutrinadores que entendem, com base em uma interpretação extensiva do artigo 201, § 1.º do CPP, que caso a vítima se recuse a fazer o exame de corpo de delito, pode ela ser conduzida coercitivamente para tanto, sob pena de incorrer no crime de desobediência, o que representa uma agressão à sua dignidade.

Felizmente, como já dito, observa-se uma mudança no paradigma de marginalização da participação da vítima, bem como de seus anseios e expectativas, na seara do processo penal. Antes de citar a legislação específica que veio modificar esse panorama retrógrado, é imperioso ressaltar que o processo penal virtual e os interrogatórios e testemunhos via videoconferência também tem sua participação nessa louvável mudança de paradigma.

No Estado do Rio Grande do Sul, por exemplo, foi implantado o sistema “depoimento sem danos”, em que o depoimento das crianças vítimas de crimes sexuais é acompanhado por vídeo, na sala de audiência, pelo juiz, pelo promotor de justiça, pelo acusado e ,seu defensor, que dirigem perguntas por meio de uma escuta a uma assistente social ou psicóloga que está conversando com a vítima em uma sala separada e repleta de brinquedos, papéis, lápis etc., que faz o questionamento a ela de forma mais amena. Esse procedimento, atualmente, é utilizado pelo sistema do PJe, que permite que a audiência e os depoimentos sejam gravados e a mídia eletrônica anexada aos autos do processo12.

Ainda sobre o interrogatório por videoconferência, a Lei n.º 11.900/09 dispõe que este procedimento será utilizado em situações excepcionais, dentre as quais está o intuito de impedir que o réu influencie no ânimo das testemunhas ou das vítimas. Verifica-se aí uma preocupação do legislador em evitar (ou ao menos minorar) a vitimização secundária.

Uma rápida incursão pelo ramo do Direito Comparado faz concluir que, atualmente, o sistema da videoconferência já é largamente utilizado em diversos países13 na produção de provas judiciais, interrogatórios e depoimentos, inclusive na tomada de depoimentos de réus condenados, das testemunhas e de vítimas que estão sob cuidados de proteção ou que foram vítimas da prática de crimes sexuais.

Visando proteger a intimidade do réu, da vítima e das testemunhas, o princípio da publicidade pode sofrer certas restrições no âmbito do processo eletrônico, conforme preconiza o art. 11, parágrafo 6.º, da Lei n.º 11.419/06, que previu que o inteiro conteúdo dos documentos que compõem o processo eletrônico somente deve estar acessível aos patronos e às partes, tendo terceiros apenas conhecimento integral das decisões judiciais. Essa restrição de publicidade se efetiva através da não consignação do nome do réu, das testemunhas e da vitima por extenso. O sujeito passivo da ação penal pode ser identificado pelo número existente no Registro Geral do Instituto de Identificação ou pelo CPF, por exemplo.

Ao falar do ressurgimento da vítima ao centro das discussões criminológicas, é imprescindível mencionar a Lei n.º 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais), que deu ênfase à reparação do dano sofrido pela vítima, introduzindo no Brasil, no âmbito da criminalidade pequena e média, o modelo consensual de Justiça Criminal. Com os institutos da composição civil, transação penal e suspensão condicional do processo, a prioridade passa a ser a indenização dos danos e prejuízos causados pela conduta delituosa em favor da vítima.

Nos Juizados Especiais Criminais, a vítima sente girar em torno de si a perspectiva de solução do conflito, sendo que na própria audiência preliminar o juiz pode provocar a conciliação das partes em relação aos danos causados, atribuindo à sentença (irrecorrível) que homologa a composição dos danos civis força de título executivo judicial e possibilitando sua execução no juízo cível competente.

A Lei n.º 9.099/95, não obstante visar a despenalização do autor do fato penal, mediante a utilização de institutos consensuais, como a composição do dano civil e a transação penal (conciliação), enumera também alguns benefícios para a vítima, como sujeito de direitos, consoante se constata do comentário abaixo transcrito:

“De grande importância é perceber os principais avanços que a Lei 9.099/95 trouxe para o direito criminal brasileiro na análise de Mario Bezerra da Silva (SILVA, 2007): a concepção do delito como um fato histórico, interpessoal, comunitário e social; a transformação da vítima em sujeito de direitos; o fim da despersonalização do conflito; a ponderação das várias expectativas geradas pelo crime; a comunicabilidade, possibilidade do diálogo entre infrator e vítima; a resolutibilidade, que a decisão adotada pelo juiz criminal resolva o conflito, é dizer, permita a reparação do dano; a vítima passa a ser comunicada de todo o andamento do feito e de seus direitos; evita-se a vulgarização da pena de prisão (ultima ratio) desmistificando-se a pretensão punitiva na linha da “força do Direito”14.

Outra forma de valorização da vítima se deu com a ampliação do número de crimes que precisam de representação na referida lei15, o que faz com que cresça a dependência do Estado em relação à vontade da vítima no que tange ao exercício de sua atividade persecutória. Até agora falamos dos progressos alcançados com a Lei 9.099/95, mas a doutrina é unânime no sentido de que alguns aspectos concernentes à vitimologia devem ser corrigidos. Por exemplo: segundo a referida lei, a manifestação de vontade nos casos de ação penal pública condicionada à representação deve ser feita em audiência preliminar, na presença do autor do fato. O mais correto seria que, quando não obtida a composição dos danos civis, o juiz ouvisse a vítima sem a presença do autor, sobre sua intenção de processar o autor do fato penal, o que evitaria o constrangimento que, por vezes, faz a vítima desistir da representação.

No Código Penal brasileiro (instituído pelo Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940), têm-se que a vítima passa a ser lembrada principalmente a partir da Reforma de 1984, que consagra o binômio delinquente-vítima. Preconiza o art. 59. do Código Penal que, ao fixar a pena-base, o magistrado examinará a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, os motivos, as circunstâncias e consequências do delito e o comportamento da vítima.

O penalista Guilherme de Souza Nucci16 alerta para o fato de que essa investigação sobre a situação da vítima em busca de uma corresponsabilidade pode levar, em último caso, a uma absurda inversão de papéis, embora a ausência do questionamento acerca do comportamento da vítima possa também causar uma sobrecarga ao autor.

Nesse particular, é interessante o entendimento doutrinário de Oswaldo Henrique Duek Marques, citado por Sandro D’Amato Nogueira17:

“O comportamento da vítima não deveria ser considerado como circunstância judicial na individualização da pena do infrator, se tal comportamento não chega a ofender ou a pôr em perigo bens jurídicos de terceiros, permanecendo dentro da esfera de liberdade conferida constitucionalmente às pessoas, sob pena de ofensa aos Direitos e Garantias Fundamentais. A análise do comportamento da vítima, nos crimes contra ela cometidos, deve ser levada em conta exclusivamente para serem estabelecidas medidas de prevenção da criminalidade e de assistência às vítimas. Isto porque em inúmeras situações da vida social a vítima pode revelar um maior grau de vulnerabilidade do que outras pessoas, seja do ponto de vista intelectual ou psíquico, seja quanto ao seu aspecto comportamental (psíquico, intelectual, comportamental etc.). Essa vulnerabilidade pode facilitar ou estimular a conduta delituosa, mas como já comentado, não deve influir na responsabilidade individual do infrator.”

Ainda sobre o Código Penal Brasileiro, tem-se que a Lei n.º 9.714/98 (modificou a redação de vários artigos que tratavam das penas restritivas de direitos) criou a pena de prestação pecuniária. O art. 45, § 1.º do CP, reza que a prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima e seus dependentes de importância a ser fixada pelo juiz. O Direito Penal prevê outras medidas que revelam preocupação com a vítima, estimulando a indenização como forma de obtenção de benefícios legais, a exemplo do sursis (CP, art. 78. § 2.º), do livramento condicional (CP, art. 83, IV), da reabilitação criminal (CP, art. 94, III) ou da diminuição da pena (CP, art. 16). Importante lembrar, ainda, que o art. 91, inciso I, do Código Penal preceitua que um dos efeitos da sentença penal condenatória é tornar certa a obrigação de recompensar o dano motivado pelo delito. Nesse sentido, o CPP reza em seu art. 63: “Transitada em julgado a sentença condenatória poderão promover-lhe a execução, no juízo cível, para o efeito da reparação do dano, o ofendido, seu representante legal ou seus herdeiros”.

Várias modificações no que concerne à valorização da vítima são observadas na seara do Direito Processual Penal, com significativas mudanças nesse diploma legal. Como mudança louvável e significativa, pode-se citar aquela operada pela Lei 11.690/2008 no art. 201. do CPP, que passa a ter a seguinte redação:

Art. 201. Sempre que possível, o ofendido será qualificado e perguntado sobre as circunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, as provas que possa indicar, tomando-se por termo as suas declarações.

§ 1.º Se, intimado para esse fim, deixar de comparecer sem motivo justo, o ofendido poderá ser conduzido à presença da autoridade.

§ 2.º O ofendido será comunicado dos atos processuais relativos ao ingresso e à saída do acusado da prisão, à designação de data para audiência e à sentença e respectivos acórdãos que a mantenham ou modifiquem.

§ 3.º As comunicações ao ofendido deverão ser feitas no endereço por ele indicado, admitindo-se, por opção do ofendido, o uso de meio eletrônico.

§ 4.º Antes do início da audiência e durante a sua realização, será reservado espaço separado para o ofendido.

§ 5.º Se o juiz entender necessário, poderá encaminhar o ofendido para atendimento multidisciplinar, especialmente nas áreas psicossocial, de assistência jurídica e de saúde, a expensas do ofensor ou do Estado.

§ 6.º O juiz tomará as providências necessárias à preservação da intimidade, vida privada, honra e imagem do ofendido, podendo, inclusive, determinar o segredo de justiça em relação aos dados, depoimentos e outras informações constantes dos autos a seu respeito para evitar sua exposição aos meios de comunicação.

Essas medidas preveem um melhor tratamento à vítima com o fito de minimizar as consequências do que a Criminologia chama de vitimização secundária, visando poupá-la o máximo possível nos campos social e psicológico. De acordo com a modificação legislativa, a vítima será comunicada do ingresso e da saída do acusado da prisão, das datas de todas as audiências, da sentença e do acórdão (via de regra, anteriormente. a vítima participava apenas da audiência para sua oitiva).

O encaminhamento da vítima a atendimento multidisciplinar é outra novidade que revela clara preocupação com as consequências do delito no campo social e psicológico, devendo o Poder Judiciário, o Ministério Público e a Defensoria Pública contarem com profissionais das áreas de psicologia e serviço social para o tratamento da mesma.

A Lei 11.719/2008 também se preocupou com a vítima ao estabelecer no parágrafo único do art. 63. do CPP que "transitada em julgado a sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput do art. 387. deste Código sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido". E modificando a redação do art. 387, IV, do CPP, que passa a informar que o juiz, ao proferir a sentença condenatória, "fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido", a referida lei pretender compensar a vítima dos prejuízos materiais que o crime lhe causou. Esse valor fixado na sentença, a título de reparação de danos, é mínimo e não impede que a vítima ajuíze ação civil própria para complementação do ressarcimento, a título de danos morais, por exemplo.

Ainda no âmbito da legislação concernente ao tema tratado, pode-se mencionar: A Lei n.º 9.503/97 (alterada pela Lei n. 9.602/98) – Código de Trânsito Brasileiro-, que instituiu a multa reparatória18; A lei 9.605/98, que criou no âmbito dos crimes contra o meio ambiente a pena da prestação pecuniária (pagamento em dinheiro à vítima ou à entidade pública ou privada, com fim social, de importância a ser fixada pelo juiz); A Lei n. 9.807/99, que trata da proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas. Esta última lei foi promulgada com o fito de oferecer maior proteção e amparo às vítimas. Sobre ela, Bruno Cezar da Luz Pontes19 obtempera:

“A proteção a vítimas e testemunhas é algo de fundamental importância para o desenvolvimento das investigações policiais, para a instrução processual e para a diminuição da impunidade. [...] Também estabelece medidas efetivas para que a testemunha e a vítima possam passar ilesas por toda a investigação, inclusive podendo mudar o nome completo do próprio protegido como de toda a sua família. Houve até mesmo a preocupação em proteger o participante do crime investigado, tudo na intenção de preservar o que for importante para a descoberta da verdade real, identificando os criminosos, recuperando o produto do crime e, precipuamente, localizando uma possível vítima que esteja com sua integridade física ameaçada, na maioria absoluta das vezes quando se tratar de crimes permanentes.”

Quanto às normas de direito internacional, destaca-se a Resolução 40/34 de 29/11/1985 da ONU, que evidencia que, além da proteção, a vítima também deve assumir deveres no processo, com maior poder de interferência no destino da ação ou da investigação preparatória, revelando-se assim a tendência de integrar o corpo social da Justiça Penal.

Quanto ao papel da vítima no Direito Comparado, o que se tem a mencionar, além do já exposto é o que segue. No direito espanhol a vítima participa do processo junto com a acusação oficial como acusadora particular, não existindo um sistema de monopólio acusatório no exercício da ação penal, mas sim uma concorrência entre o Ministério Público e os particulares, numa espécie de litisconsórcio unitário.

Na prática o que se observa são escassas oportunidades de tutela e participação efetiva da vítima. Outra diferença importante consiste em que na lei espanhola, em casos de ação penal pública, o ministério fiscal possui legitimidade, também, para a ação civil quando ajuizada conjuntamente com a penal (artigo 108 da Ley de Enjuiciamento Criminal).

Na Argentina o Código Procesal Penal de la Nación20, assegura à vítima participação e proteção processual. A vítima pode ser denunciante (dar a notícia do crime), querelante particular21 (substituto processual, mas para um delito de ação pública - e não privada -, equivalendo ao assistente de acusação), actor civil22 (sujeito secundário e eventual que mediante uma ação civil acessória à penal, deduz a pretensão de ressarcimento com base no mesmo fato que constitui o objeto dessa relação) ou la víctima a secas (ofendidos que não exercem nenhum dos papéis acima referidos, detendo, todavia, os direitos de proteção e de informação, por parte do Estado, a respeito do processo e seu andamento).

Ainda na Argentina, o Código Procesal Penal da Província de Buenos Aires trata entre os arts. 83. a 88 da assistência e proteção a vítimas de delitos. Do mesmo modo, a Lei 7379/86, da Província de Córdoba, criou em caráter experimental o Centro de Assistência à Vítima do Delito. Na mesma linha de princípio, a Lei 4797/2000, da Província de Chaco, criou o programa provincial de assistência às vítimas de delito. Pela lei n.º 5241/2004, a Província de Chubut, criou o Sistema de Ajuda Pública em Benefício das Vítimas Diretas e Indiretas dos Delitos Dolosos e Violentos cometidos em seu território. Com efeito, a Lei 11.202/94, da Província de Santa Fé, criou o Centro de Assistência à Vítima e à Testemunha do Delito. Finalmente, a Lei n.º 1224/2004, da Cidade Autônoma de Buenos Aires, criou o Programa de Assistência à Vítima.

Outros países da América do Sul, como Chile, Bolívia, Paraguai e Uruguai, têm procurado melhorar o tratamento processual da vítima, reformando as constituições nacionais e atualizando a legislação ordinária na tentativa de dotar-lhe de autonomia e independência dentro do processo penal. Mas o sistema inquisitorial desses países, tal como o da argentina, se preocupam mais em punir o infrator do que atender à justa reparação da vítima.

Na Itália, a vítima tem legitimidade para ingressar na ação penal como parte contingente com o objetivo de obter a reparação do dano, sendo a possibilidade de cumulação de jurisdições (penal e civil) facultativa. O Código de Processo Penal de Portugal também prevê a possibilidade de o ofendido habilitar-se como assistente da acusação, sendo que o pedido de indenização civil fundado na prática de crime, em regra, é deduzido no Processo Penal respectivo.

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Sobre o autor
José Eulálio Figueiredo de Almeida

Professor de Direito Processual Penal da Universidade Federal do Maranhão - UFMA. Juiz de Direito Titular da 8.ª Vara Cível em São Luís. Membro da Academia Maranhense de Letras Jurídicas. Especialização em Processo Civil pela UFPE. Especialização em Ciências Criminais pelo UNICEUMA. Doutor em Direito e Ciências Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, José Eulálio Figueiredo. Tratamento processual da vítima . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7972, 29 abr. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/113700. Acesso em: 12 mai. 2025.

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