A novíssima Lei n.º 11.689, publicada no Diário Oficial do dia 10 de junho de 2008, manteve a tradicional divisão do rito do júri em duas fases distintas, judicium acusationis e judicium causae, correndo a primeira perante um juiz "comum" e a segunda perante o juiz presidente do júri.
No que toca à segunda fase, judicium causae, as maiores inovações proporcionadas pela Lei n.º 11.689 ficam a cargo do desaparecimento do libelo crime acusatório e de sua contrariedade, da possibilidade das partes inquirirem diretamente testemunhas e acusados, da alteração dos quesitos a serem apresentados ao conselho de decisão, e do fim do recurso de protesto por novo júri.
O antigo judicium causae tinha início com a apresentação do libelo por parte do órgão acusador. Nesta peça, o órgão de execução do Ministério Público, ou o querelante (no caso de ação penal privada subsidiária da pública), deveria expor, articuladamente, o fato criminoso e as circunstâncias agravantes, sendo, também, o momento para arrolar testemunhas para serem ouvidas em plenário, bem como para juntar documentos e requerer diligências. Depois, era conferida à defesa a oportunidade para contrariar o libelo, bem como arrolar suas testemunhas, juntar documentos e requerer outras diligências.
Atualmente, com a nova redação do artigo 422 do CPP, desaparece o libelo crime acusatório e sua contrariedade, devendo o magistrado presidente do Tribunal do Júri intimar o órgão do Ministério Público ou o querelante, no caso de queixa, e o defensor para, no prazo de cinco dias, apresentarem rol das testemunhas que irão depor em plenário, até o máximo de cinco, oportunidade em que também poderão juntar documentos e requerer diligência.
Com isto, o novo diploma legal acaba por revogar tacitamente o disposto na alínea "f" do inciso III do artigo 564, do CPP, no que se refere a verificação de nulidade pela falta de apresentação do libelo.
E não é só. Como visto, durante a confecção do libelo o órgão de acusação deveria listar as circunstâncias agravantes que entendesse aplicáveis na espécie, sob pena de preclusão. Agora, conforme podemos notar pela redação do artigo 476 e do parágrafo único do artigo 482 do CPP, as agravantes, mesmo as de conhecimento anterior ao plenário, poderão nele serem sustentadas, devendo o magistrado confeccionar quesito pertinente e submetê-lo à apreciação do conselho de decisão.
Outra alteração promovida no antigo ordenamento decorrente do desaparecimento do libelo crime acusatório é a contagem do prazo para requerer o desaforamento. O diploma normativo anterior previa a possibilidade de se pleitear o desaforamento quando o julgamento pelo conselho de decisão não se efetivasse durante o lapso temporal de um ano contado do recebimento do libelo por parte do magistrado. Atualmente, por força do disposto no artigo 428 do CPP, o prazo para requerer o desaforamento será contado a partir do trânsito em julgado da decisão de pronúncia.
Não obstante o sepultamento do libelo crime acusatório e de sua contrariedade, é conferido às partes litigantes a oportunidade de requerer diligências, juntar documentos e arrolar testemunhas (5 no máximo). Nesse momento, conforme a redação do novo artigo 423 do CPP, após deliberar sobre os requerimentos de provas a serem produzidas ou exibidas no plenário do júri, o juiz presidente do Tribunal do Júri ordenará as diligências necessárias para sanar qualquer nulidade ou esclarecer fato que interesse ao julgamento da causa, bem como fará relatório sucinto do processo, determinando sua inclusão em pauta da reunião do Tribunal do Júri.
Se o magistrado não adotar as providências anteriormente listadas no prazo de seis meses (e não mais um ano), contado a partir do trânsito em julgado da decisão de pronúncia, o Tribunal, a requerimento do Ministério Público, do assistente, do querelante ou do acusado ou mediante representação do juiz competente, poderá determinar o desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma região, onde não existam aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas. O desaforamento pode ocorrer também quando interesse de ordem pública o reclamar, ou quando houver dúvida sobre a imparcialidade do júri, ou para a segurança pessoal do acusado.
Observe-se que a nova lei, além de alterar o prazo para o pleito do desaforamento, expressamente veio a permitir que o assistente da acusação o requeira, pondo fim a uma antiga controvérsia existente na doutrina pátria. Além disto, e respaldado no princípio constitucional da duração razoável do processo, atualmente é permitido ao acusado, não havendo excesso de serviço ou existência de processos aguardando julgamento em quantidade que ultrapasse a possibilidade de apreciação pelo Tribunal do Júri, nas reuniões periódicas previstas para o exercício, requerer ao Tribunal que determine a imediata realização do julgamento, preferindo-o ao desaforamento.
O regramento jurídico pertinente aos jurados também foi inovado. Agora, o jurado que tiver integrado o conselho de decisão (portanto, deverá servir como jurado no plenário do júri), nos doze meses que antecederem à publicação da lista geral a que se refere o artigo 425 do CPP, fica dela excluído. Trata-se de uma praxe forense que agora encontra letra na lei.
Além do referido, o número de jurados que compõem o tribunal do júri foi alterado de 21 para 25 jurados. Tal alteração visa evitar adiamentos do julgamento em decorrência do chamado "estouro de urna", evento que se verificava quando não se obtinha o número mínimo de jurados exigido para a instauração da sessão de julgamento. É uma atitude louvável, e imprescindível atualmente, tendo em vista a regra prevista no novo §1º, do artigo 469 do CPP, que alterou a regra para o desmembramento do julgamento quando presentes dois ou mais acusados, que passa a ocorrer não mais em decorrência da divergência entre as recusas imotivadas dos jurados por parte de acusação e defesa, mas pela não obtenção do número mínimo de sete jurados para comporem o conselho de decisão.
O sorteio dos 25 jurados que comporão o Tribunal do Júri em uma reunião periódica, agora, deverá ser acompanhado do órgão de execução do Ministério Público, da Ordem dos Advogados do Brasil e da Defensoria Pública, e será procedido pelo magistrado presidente do Tribunal do Júri, acabando com a figura do menor de 18 anos, que, pelo diploma anterior, era o responsável pelo sorteio dos jurados.
A idade exigida para que um cidadão possa ser investido na função de jurado também foi alterada, reduzindo de 21 para 18 anos e acrescida de 60 para 70 anos. A recusa do exercício da função de jurado imotivada agora será apenada com multa variável entre um a dez salários mínimos e a escusa de consciência, fundada em convicção religiosa, filosófica ou política, importará no dever de prestar serviço alternativo, sob pena de suspensão dos direitos políticos, enquanto não prestar o serviço imposto. Entende-se por serviço alternativo o exercício de atividades de caráter administrativo, assistencial, filantrópico ou mesmo produtivo, no Poder Judiciário, na Defensoria Pública, no Ministério Público ou em entidade conveniada para esses fins. Finalmente, o legislador ordinário regulamentou o inciso VIII, do artigo 5º, da CR/88, no que tange à escusa de consciência por parte de jurados com funções junto ao Tribunal do Júri.
Diga-se, também, que a Lei n.º 11.689 incluiu dentre os impedimentos para servir no mesmo conselho de decisão a união estável entre os jurados, bem como o fato de o jurado haver funcionado em julgamento anterior do mesmo processo, no caso do concurso de pessoas, houver integrado o conselho de decisão que julgou o outro acusado, e tiver manifestado prévia disposição para condenar ou absolver o acusado.
Registre-se que a nova lei pecou ao não inverter a ordem de manifestação das partes litigantes quando das recusas dos jurados, continuando a acusação a manifestar-se após a defesa.
Por sua vez, a já não recepcionada cláusula que permitia ao magistrado nomear promotor ad hoc (para o ato) quando verificada a ausência injustificada do órgão de acusação no plenário foi substituída pela exigência em se comunicar o chefe da instituição sobre o ocorrido. Se a ausência imotivada for do defensor do acusado, a comunicação será dirigida a Ordem dos Advogados do Brasil, devendo o magistrado intimar a Defensoria Pública para que assuma a defesa do réu, observado um interstício mínimo de 10 dias neste último caso.
Ainda sobre a ausência imotivada na sessão plenária, deve-se ressaltar que o novo ordenamento não distingue crimes afiançáveis e inafiançáveis, podendo o julgamento prosseguir em ambos os casos quando ausente o acusado quando intimado do julgamento. Tal regra encontra exceção no caso de réu preso, que terá sua presença dispensada somente na hipótese de pedido assinado por ele próprio e seu defensor.
Se a ausência sem justa causa for imputada à testemunha, o magistrado presidente, sem prejuízo da ação penal pela desobediência, aplicar-lhe-á multa cujo valor variará entre um e dez salários mínimos, além da possibilidade de sua condução coercitiva se gravada com a cláusula de imprescindibilidade.
Uma vez composto o conselho de decisão e verificada a presença dos sujeitos indispensáveis ao prosseguimento do julgamento, passa-se à instrução do feito, que também ganhou nova roupagem com a edição da Lei n.º 11.689. Admitiu-se, agora de forma expressa e clara, que o órgão de execução do Ministério Público, o assistente, o querelante e o defensor do acusado tomem diretamente as declarações do ofendido e do acusado, e o depoimento das testemunhas. Tal fato, contudo, não acarreta o fim do sistema presidencialista no tribunal do júri, tendo em vista a necessidade das perguntas realizadas pelos jurados serem realizadas por intermédio do magistrado presidente dos trabalhos, e não diretamente.
O registro dos depoimentos e do interrogatório será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, eletrônica, estenotipia ou técnica similar, destinada a obter maior fidelidade e celeridade na colheita da prova. A transcrição do registro, após feita a degravação, constará dos autos – esta é a letra do novo artigo 475 do CPP.
Importante ressaltar que a proibição da exibição de documentos cuja comunicação sobre sua existência não fora comunicada à parte contrária com a antecedência mínima de três dias foi estendida, de forma expressa, também à exibição de objetos, devendo ambos, agora, serem juntados aos autos no prazo legal.
Terminada a instrução, passa-se diretamente à fase de debates orais, ficando o órgão de acusação dispensado, obviamente, da leitura do libelo crime acusatório, que não mais existe. Após a acusação, falará a defesa. O prazo para acusação e defesa foi reduzido pela nova lei, de duas para uma hora e meia, mas o prazo para réplica e tréplica foi acrescido, passando de meia hora para uma hora completa, o que acabou por não surtir, em abstrato, efeito na duração total do julgamento na sessão plenária.
Feliz a lei ao eivar de nulidade o debate quando uma das partes se pronunciar acerca do silêncio do acusado, ou da ausência de interrogatório por falta de requerimento, quando isto prejudique a defesa. De fato, é certo o efeito negativo provocado nos jurados referências a tais fatos, uma vez que certamente podem compreender o silêncio como confissão tácita de culpabilidade, e não como meio de defesa.
A lei também fulmina de nulidade o debate quando uma das partes, ou ambas, fizerem referências à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado. Talvez, porém, tais determinações não alcancem o mesmo efeito, tendo em vista a norma do artigo 472, que determina a entrega aos jurados de cópias de tais decisões, o que certamente já servirá como elemento formador da convicção dos jurados.
Também prevê o novo diploma legal a nulidade dos debates quando as partes se pronunciarem de forma negativa ao acusado sobre o uso de algemas. Diga-se, aliás, que o tema finalmente ganhou disciplina normativa com o disposto no §3º do artigo 474 do CPP, que permite o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, somente quando absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes.
Chamamos a atenção para o fato de a nova lei haver regulado de forma expressa os chamados "apartes" no inciso XII do artigo 497 do CPP, cabendo ao juiz presidente do Tribunal do Júri regulamentar, durante os debates, a intervenção de uma das partes, quando a outra estiver com a palavra, podendo conceder até três minutos para cada aparte requerido, que serão acrescidos ao tempo desta última.
Finda a instrução e os debates, a judicium causae encontra seu termo com a confecção e votação dos quesitos pelo conselho de decisão e a prolação da sentença pelo magistrado presidente do Tribunal do Júri.
E, neste ponto, pecou a nova lei, ao não apresentar a tão esperada simplificação do questionário a ser apresentado aos jurados. A apreciação dos quesitos formulados de forma complexa, como ainda se apresentam, exige conhecimento jurídico muitas vezes não dominado pelos jurados. Muito se disse que após a nova lei tão somente seria indagado dos jurados se o réu deveria ou não ser condenado, cabendo ao juiz togado toda a apreciação da matéria jurídica. Porém, não foi o que efetivamente ocorreu.
A disciplina relativa aos quesitos a serem apresentados aos jurados encontra-se nos artigos 482 e ss. do CPP, cuja apreciação leva os partícipes do direito com atuação direta no Tribunal do Júri a concluir que nada mudou. A presença do inciso III no artigo 483 do CPP em nada contribui para a simplificação da quesitação, tendo, tão somente, incluído mais uma pergunta, que, diga-se, acaso fosse a única a ser feita aos jurados, solucionaria a problemática da complexidade dos quesitos.
Ultrapassada a votação dos quesitos, o magistrado presidente do Tribunal do Júri proferirá sentença. E neste ponto a nova lei previu de forma expressa três exigências já consideradas pela jurisprudência.
Primeiro, passou a exigir fundamentação, com base nos requisitos da prisão preventiva, para o recolhimento à prisão do réu eventualmente condenado antes do trânsito em julgado da decisão.
Segundo, seguindo jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consubstanciada no verbete de n.º 337 de sua súmula, conferiu ao réu, no caso de desclassificação do delito para um considerado de menor potencial ofensivo, a observância do artigo 69 e ss. da Lei n.º 9.099/95, no que se inclui o oferecimento da transação penal, bem como da suspensão condicional do processo.
Terceiro, ao estabelecer que, em caso de desclassificação, o crime conexo que não seja doloso contra a vida será julgado pelo juiz presidente do Tribunal do Júri, a Lei n.º 11.689 põe fim a uma antiga "briga" doutrinária e jurisprudencial que discutia, em casos como o apresentado pela norma abstrata, ser da competência do magistrado presidente do Tribunal do Júri ou do juiz singular o julgamento do crime conexo quando desclassificado o delito doloso contra vida. Como visto, ganhou a simpatia do legislador a primeira corrente.
Sobre o sistema de impugnação da sentença prolatada pelo presidente do Tribunal do Júri, devemos ressaltar o sepultamento do recurso denominado protesto por novo júri, manejável, com exclusividade, pela defesa quando o acusado sofria condenação a uma pena equivalente ou superior a vinte anos. Mas, diga-se, esta e as demais regras implementadas pelo novo diploma legal em prol da razoável duração do processo para apuração de crimes dolosos contra a vida pode não prevalecer quando confrontadas com as demais garantias conferidas ao réu em benefício de sua plenitude de defesa.
Finalizando, devemos lembrar que a Lei n.º 11.689 traz em seu artigo 3º um período de vacatio legis de 60 dias, pelo que as normas por ela implementadas somente terão vigor a partir do dia 09 de agosto de 2008. Até lá, institutos como o protesto por novo júri continuam valendo.