A questão social adquiriu dimensão jurídica no momento em que as Cartas Políticas passaram a contemplar esta categoria, iniciando com a do México em 1917, sendo que no Brasil a ordem social foi iniciada a nível constitucional em 1934.
A atual Constituição Brasileira traz um capítulo próprio sobre os direitos sociais (cap. II do tít. II). Por muito tempo vinculou-se metodologicamente os direitos sociais dos direitos econômicos, pois o trabalho é um componente das relações de produção, logo a ingerência econômica é indiscutível. Enquanto o direito econômico tem uma dimensão institucional, os direitos sociais constituem formas de tutela pessoal, disciplinando situações subjetivas pessoais ou grupais de caráter concreto. O Prof. José Alfredo de Oliveira Baracho vai mais além, já que afirma que os direitos econômicos constituem pressupostos da existência dos direitos sociais, pois, sem uma política econômica orientada para a intervenção e participação estatal na economia, não se comporão as premissas necessárias ao surgimento de um regime democrático de conteúdo tutelar dos fracos e mais numerosos (Participação nos Lucros e integração Social - PIS, Belo Horizonte, Ed. RBEP, 1972).
Neste diapasão podemos afirmar, conforme conceito de José Afonso da Silva, que os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas estatais, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais (Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo, Malheiros Editores, 1993). São, portanto, direitos que se conexionam com o direito de igualdade. valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade.
Acredito, que a visão estritamente econômica não encerra a dimensão dos direitos sociais, pois todos são tais, já que em sentido amplo, como social é o Direito, assim a efetivação dos mesmos, passa necessariamente pela organização social, reinvindicatória e eficaz, com a remodulação dos conceitos culturais e pela atuação pragmática dos entes organizados do tecido social.
Cabe, então se questionar, qual a atuação do Estado Brasileiro na criação de condições materiais para a efetivação da igualdade como pressuposto do gozo dos direitos sociais.
Nenhuma, absolutamente nenhuma, pois engendrado numa política social errônea ao estipular como condição básica para o desenvolvimento social a menor presença do Estado na vida econômica, deixando que os agentes produtivos por si só, estipulem, convivam e solucionem as crises da liberalização globalizante da economia.
Tais traços aparecem constantemente, já que ao invés de se estabelecer condições mínimas de subsistência a família brasileira, com a criação de postos de trabalho, financiamento eficaz na agricultura, valorização do professor primário, acesso ao sistema de saúde, segurança, reforma agrária com supervisão técnica, o governo nacional, preocupa-se em salvar Bancos, como o Nacional que têm como herdeira a filha do Presidente da República (enquanto milhões de trabalhadores estão sem emprego); comprar avião moderno para a viagens presidenciais (enquanto os brasileiros sequer conseguem se alimentar ou pagar passagem nos transportes coletivos); usar de todos os meios para aprovar emenda de reeleição dos cargos majoritários, em especial para a Presidência do Brasil (enquanto grande parte das conquistas da Constituição de 1988 não foram ainda regulamentadas); renegociar dívida de grandes empresários (enquanto milhões de cidadãos são executados por dívidas ínfimas referente a empréstimos para construção de residências, implantação de pequenas empresas, despejados por não conseguirem pagar o sistema de habitação).
Este é o retrato da modernidade brasileira, possuir celular, comprar carro importado, viajar ao exterior, podem importar alimentos, falta, assim o mínimo de respeito ao ser humano, que se vê despojado do básico.
Em 1773, o art. 21 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, influenciada pela obra de Rousseau (Contrato Social), já se questionava a função do Estado: "Os socorros públicos são uma dádiva sagrada. A sociedade deve a subsistência dos cidadãos infelizes, seja proporcionando-lhes trabalho, seja assegurando os meios de subsistir aos que se encontram em estado de não poder trabalhar."
Estamos imersos na pocilga da corrupção, da hipocrisia, dos desmandos administrativos, e no vergonhoso quadro de miséria absoluta de mais de 30 milhões de cidadãos brasileiros.
Mas não devemos nos desanimar, ao contrário, pois é justamente neste momento histórico e que devemos tentar colaborar com o surgimento de uma ampla conscientização política, influindo diretamente no aceleramento das mudanças sociais e aos futuros advogados, promotores, juízes, defensores, rogo que a indiferença aos problemas sociais não se faça presente, ao contrário seja a mola aceleradora de seus engajamentos.
Que atitude devemos tomar diante deste caos social? Como operadores do direito, devemos de todas as formas lutar pelo aprimoramento democrático, pelo alicerce definitivo das instituições nacionais e por fim um engajamento eficaz nas lutas justas e legítimas da sociedade, é este o papel do cidadão, e é este por primazia o papel do Juiz, que deve ter seu olhar direcionada à rua, pois como monopolizador da função jurisdicional necessita ser dotado de espírito social, isto é, preocupado sociologicamente com o resultado de suas decisões, a máxima da dura lei, não pode ser posta ao "povo duro".
O Juiz — apregoa Cappelletti — deve adaptar os instrumentos hermenêuticos com a finalidade de operar uma dinâmica interpretação evolutiva e decisivamente construtiva e criativa, o fim social deve ser o bem maior do direito, que não pode ser traduzido única e exclusivamente na lei, carregada de fatores dominadores da sociedade, há de existir um maior anseio libertador aos juízes, que em muitas das vezes, por vícios adquiridos ao longo da vida, e reforçados nos bancos universitários, esquecem do seu verdadeiro mister: de distribuidor de Justiça, não de leis.
O que nos ameaça, em especial aos magistrados, numa democracia, é o perigo do hábito, da indiferença burocrática, a irresponsabilidade anônima. Nós queremos - pedia Calamandrei — juízes com almas, engagés, e que saibam levar com humano e vigilante desempenho o grande peso que implica a enorme responsabilidade de fazer justiça.
Neste sentido, é imenso o desafio da Justiça do Trabalho, pois como o juiz deve enfrentar a questão da função social da Justiça do Trabalho nesse país dividido, contraditório e explosivo? José Eduardo Faria aponta algumas soluções: um amplo processo de renovação hermenêutica e de oxigenação doutrinaria; o espancamento definitivo da "pseudo" neutralidade do juiz e por fim uma justiça não exclusivamente técnica.
Estes são os nossos desafios como cidadãos, já que assumimos a defesa intransigente da Justiça, dar ao justo o que lhe é justo, sem receio do opressor, para ir contra o mesmo opressor, pois, conforme Hegel: o que é dado por sabido, exatamente porque é sabido, não é efetivamente conhecido. "
Por fim apego-me a proposta de Capistrano de Abreu e como ele sugiro aos senhores parlamentares o seguinte projeto de lei a ser aprovado:
Art. I. Todo brasileiro é obrigado a ter vergonha.
Art. II. Revogam-se as disposições em contrário.