Capa da publicação Luiz Fux e o poder do voto vencido
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Senso de Justiça (e o episódio de 8.1.2023)

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14/05/2025 às 07:54

Resumo:


  • O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova nos processos criminais.

  • Em caso de dúvida sobre os fatos imputados ao réu, o princípio do "in dubio pro reo" deve ser aplicado.

  • A equidade é um princípio importante que deve ser considerado em todas as decisões judiciais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

IV. Equidade. Os fundamentos do voto vencido também frisam a primor com o salutar preceito da equidade — craveira excelente por que se deve aferir toda decisão —, cujo prestígio remonta à mais alta antiguidade e que, na esfera dos Tribunais, sempre teve por si o patrocínio de sujeitos de bom entendimento e elevada reputação. Prova-o que farte a coletânea abaixo:

1. “Summum jus, summa injuria” (Cicero, De Officiis, I, 10, 33). Justiça excessiva torna-se injustiça.

2. “A Justiça deve ser equânime; concilie, sempre que possível a retidão com a bondade, em toda a acepção da palavra” (Carlos Maximiliano, Hermenêutica e Aplicação do Direito, 16a. ed., p. 170; Editora Forense).

3. Faz ao intento a soberba lição que, em livro a mais de um respeito admirável e digníssimo de ler (e ainda recomendar), ministrou Prof. Goffredo Telles Junior: “Na interpretação das leis, mais importante do que o rigor da lógica racional é o entendimento razoável dos preceitos, porque o que se espera inferir das leis não é, necessariamente, a melhor conclusão lógica, mas uma justa e humana solução” (A Folha Dobrada, 2a. ed., p. 163; Editora Nova Fronteira).

4. “É certo que o juiz tem, diante de si, a lei. Mas a dificuldade não termina aí; ao contrário, aí é que ela começa: primeiro porque a lei procura ser igual para todos, mas as condições pessoais exigem tratamento individualizado, que só o juiz pode dar. A lei não pode existir intuitu personae , mas a sentença pode. A lei põe o problema em equação; mas quem dá o valor das incógnitas é o juiz” (Hélio Tornaghi, Curso de Processo Penal, 9a. ed., vol. I, p. XIV; Editora Saraiva).

5. “A lei reconhece direitos e concede garantias; mas é o juiz que exerce a função pretoriana de adaptá-la ao caso concreto. E, por mais que ele esteja vinculado a ela, uma jurisprudência discretamente lapidadora acaba-se impondo e servindo para esclarecê-la, para atualizá-la, para burilá-la” ( Idem , ibidem , p. XIV).

6. “A Justiça está na alma do juiz. Não está nos Códigos. A Justiça é o juiz” (Eliézer Rosa, Dicionário de Processo Civil, 1986, p. 170; Editora Freitas Bastos).

7. A bondade e a Justiça têm áreas distintas, mas a justiça repassada de bondade é mais justa (Jiménez de Asúa; apud Jorge Araken Faria da Silva, Carta a um Juiz, 1969, p. 16).

8. “Amparando os fracos, não fazemos favor, senão justiça” (Teodomiro Dias; apud Odilon da Costa Manso, Letras Jurídicas, 1971, p. 111.

9. “Nenhum homem deve envergonhar-se de ter coração! Não fica mal a juízes mostrar que o têm! Julgar o contrário leva a muitas vaidades e inconcebíveis erros!” (Pedro Eurico, Figuras do Passado, 1915, p. 123. Pedro Eurico: pseudônimo do insigne juiz português Augusto Carlos Cardoso Pinto Osório (1840–1920), presidente do Supremo Tribunal de Justiça).

10. “A interpretação das leis não deve ser formal, mas sim, antes de tudo, real, humana, socialmente útil (…). Se o juiz não pode tomar liberdades inadmissíveis com a lei, julgando contra legem , pode e deve, por outro lado, optar pela interpretação que mais atenda às aspirações da justiça e do bem comum” (Min. Sálvio de Figueiredo, Revista do Superior Tribunal de Justiça, vol. 26, p. 384).

11. “Deve o rigor do castigo temperar-se sempre com a moderação da clemência” (Manuel Bernardes, Nova Floresta, 1728, t. V, p. 466).

12. Palavras do magistrado francês Osvaldo Bardot: Consultai o bom-senso, a equidade, o amor do próximo, antes da autoridade e da tradição. A lei interpreta-se. Ela dirá o que quiserdes que ela diga. Sem mudar um til, pode-se, com os mais sólidos considerandos do mundo, dar razão a uma parte ou a outra, absolver ou condenar à pena máxima. Desse modo, que a lei não vos sirva de álibi ( apud Jucid Peixoto do Amaral, Manual do Magistrado, 4a. ed., p. 42).

13. Advertidamente escreveu o Marquês de Beccaria: Para ser justa, não deve ter a pena senão o grau de rigor que baste a afastar o homem da senda do crime (Dos Delitos e das Penas, § XVI).

14. “Noli esse justus multum” (Eccl. 7,17). Não sejas demasiadamente justo.

15. “A melhor interpretação da lei é a que se preocupa com a solução justa, não podendo o aplicador esquecer que o rigorismo na exegese dos textos legais pode levar a injustiças” (STJ; Rev. Tribs., vol. 656, p. 188).

16. “Ao mesmo Demônio se deve fazer justiça, quando ele a tiver” (Antônio Vieira, Sermões, 1696, t. XI, p. 295).

17. “Não bastam ao magistrado cultura, senso jurídico e retidão. É preciso ser humano, conhecer a vida, com as suas misérias e fraquezas. Só assim julgará com justiça” (J. Soares de Mello, O Ministério Público Paulista, 1930, p. 113).

18. A sentença é uma criação da consciência do juiz (Piero Calamandrei; apud Leib Soibelman, Enciclopédia do Advogado, 3a. ed., p. 330).

19. “Só a sua consciência (do juiz) lhe atestará se a sua sentença foi justa. E se ela confirmar no íntimo de sua alma a confiança de ter acertado, entre tremores e angústias, não tema as críticas, não valorize os dissabores, porque eles serão seu pão de cada dia” (Eliézer Rosa, A Voz da Toga, 1a. ed., p. 52).

20. “Não estejais com os que agravam o rigor das leis, para se acreditar com o nome de austeros e ilibados. Porque não há nada menos nobre e aplausível que agenciar uma reputação malignamente obtida em prejuízo da verdadeira inteligência dos textos legais” (Rui Barbosa, Oração aos Moços, 1a. ed., p. 430.


V. Epílogo. Da equidade escreveu Washington de Barros Monteiro, magistrado em tudo exemplar e professor benemérito, estas palavras formais:

“Eis aí a mais nítida manifestação do idealismo jurídico. Mais sentida do que definida, personifica sinteticamente a justiça do caso concreto, a humanidade do direito” (Curso de Direito Civil, 28a. ed., vol. I, p. 43; Editora Saraiva).

Tão forte influência exerce esse princípio de Direito Natural no ânimo dos indivíduos, que até aos de parca ilustração causou assombro a pena infligida à senhora que profanara a estátua de Têmis — imagem épica da Justiça incorruptível, erigida defronte do Supremo Tribunal Federal —, nela escrevendo uma frase plebeia.

Isto de ter um ministro do Supremo Tribunal Federal dissentido de seus pares, no julgamento de caso grave, não seja portanto pedra de escândalo; divergências sempre houve (e certamente as haverá) entre os membros integrantes dos órgãos colegiados: “(…) até entre os anjos pode haver variedade de opiniões, sem menoscabo de sua sabedoria nem de sua santidade”, pregou o eloquente Vieira.9

Tudo bem visto e examinado, não resisto à força que me faz o desejo de — velho e obscuro colega do ofício — consignar aqui um voto de simpatia intelectual ao autor do voto vencido!


Notas

  1. Cf . Hermenegildo Rodrigues de Barros, Grandes Figuras da Magistratura Brasileira, 1941, p. 338.

  2. De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, 3a. ed., vol. III, p. 1.667.

  3. Leib Soibelman, Enciclopédia do Advogado, 3a. ed., p. 370.

  4. Uma de suas virtudes extrínsecas: render azo à oposição de embargos infringentes, pelos quais poderá o réu alegar de sua justiça (art. 609, parág. único, do Cód. Proc. Penal).

  5. A Voz da Toga, 2a. ed., p. 50.

  6. Idem , ibidem , p. 51.

  7. Obras Completas, vol. XIX, t. III, p. 296.

  8. Em verdade, escrevendo sobre as circunstâncias do julgamento do “habeas corpus” que impetrara a favor de presos políticos, o egrégio Advogado burilou esta memória eterna: “Eu me cheguei, depois da sessão, quase sem voz, ao Sr. Pisa e Almeida, pedindo-lhe que me permitisse o consolo de beijar a mão de um justo” ( Idem , ibidem ).

  9. Sermões, 1959, t. IV, p. 216; Porto.

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Sobre o autor
Carlos Biasotti

Desembargador aposentado do TJSP e ex-presidente da Acrimesp

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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