Capa da publicação Religião e futebol: limites da manifestação em campo
Capa: Reprodução
Artigo Destaque dos editores

Fé em campo: liberdade religiosa e seus limites no futebol profissional

Resumo:


  • A liberdade religiosa no futebol é um tema relevante no Brasil e no cenário internacional.

  • Existem bases jurídicas que garantem o direito dos atletas de manifestar sua fé, mas há limitações legais e normativas.

  • Os princípios de neutralidade, compliance e proporcionalidade são essenciais para equilibrar a liberdade religiosa e a regulação no ambiente esportivo.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Atletas podem expressar fé no futebol sem ferir regras da FIFA e da CBF? A liberdade religiosa é protegida, mas deve respeitar a neutralidade e a diversidade institucional.

1. Introdução

A imagem de atletas agradecendo a Deus após um gol, orando em campo no início ou fim de uma partida, ou exibindo camisetas com mensagens de fé tornou-se uma cena comum no futebol brasileiro e internacional. Em um país de maioria religiosa como o Brasil, essas manifestações são muitas vezes bem recebidas. Contudo, ao transpor o campo simbólico da devoção para o ambiente normativo das competições profissionais, surgem questionamentos importantes: até onde o jogador pode expressar sua religiosidade durante as partidas? Existem limites jurídicos para isso? Essas perguntas ganham relevância quando confrontadas com os princípios constitucionais da liberdade religiosa, da laicidade do Estado e das normas internas das entidades esportivas, como a FIFA e a CBF. O presente artigo pretende analisar essas questões à luz do Direito Brasileiro, considerando também elementos do Direito Internacional e Desportivo.


2. Liberdade Religiosa no Ordenamento Jurídico

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 assegura em seu artigo 5º, inciso VI1, a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, garantindo o livre exercício dos cultos religiosos e a proteção aos locais de culto e suas liturgias. Esse direito fundamental não se limita ao foro íntimo do indivíduo, mas inclui o direito de manifestar sua fé de forma pública, individual ou coletivamente.

Em nível internacional, o Brasil é signatário da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), que em seu artigo 122 reconhece o direito de toda pessoa à liberdade de consciência e de religião, incluindo a liberdade de exaltar sua religião ou crença, tanto em público quanto em privado.

Portanto, há uma base jurídica sólida que assegura ao atleta profissional, como qualquer cidadão, o direito de manifestar sua fé. No entanto, esse direito, como qualquer outro, não é absoluto, podendo ser objeto de limitações legais desde que estas sejam razoáveis, necessárias e proporcionais.


3. Normas Esportivas e o Princípio da Neutralidade

No âmbito esportivo, a liberdade de manifestação religiosa encontra uma barreira nas regras internas das entidades que regulam as competições. A FIFA, por meio do seu Código Disciplinar3, proíbe expressamente o uso de mensagens políticas, religiosas ou pessoais nas camisas ou equipamentos utilizados durante as partidas. A justificativa para essa regra é preservar a neutralidade do esporte, evitando que o campo de jogo se transforme em espaço de propaganda ideológica ou religiosa.

A Confederação Brasileira de Futebol (CBF), por sua vez, segue as diretrizes da FIFA. Nos regulamentos das competições nacionais, há disposições semelhantes, inclusive com previsão de advertência, multa ou suspensão em caso de descumprimento.

Essa regulamentação, apesar de aparentemente restritiva, busca garantir um ambiente esportivo plural e acessível a todos, independentemente de crença. A neutralidade institucional, portanto, não se opõe à fé pessoal, mas impede o uso do futebol como veículo de promoção religiosa durante eventos oficiais.


4. Casos Concretos e Repercussão Prática

Diversos episódios ilustram a tensão entre fé e regulamento. Um dos mais conhecidos envolve o ex-jogador Kaká, que em competições internacionais como a Copa do Mundo de 2002 e a Copa das Confederações de 2005, exibiu uma camiseta com a frase “I Belong to Jesus” após marcar gols. Na época, a FIFA não aplicou sanções formais, mas o caso gerou debates que resultaram em regras mais restritivas nos anos seguintes.

Outros jogadores brasileiros, como Neymar e Firmino, também já usaram faixas ou camisetas religiosas em momentos de celebração. Embora essas manifestações não tenham acarretado punições severas, os órgãos reguladores passaram a adotar uma postura mais vigilante, especialmente em torneios de grande visibilidade.

No cenário nacional, há relatos de clubes que promovem cultos evangélicos em vestiários e concentram suas ações religiosas em determinada fé, o que pode gerar constrangimento a jogadores de crenças diferentes ou não religiosos. Esses casos, embora não tenham sido judicializados com frequência, levantam preocupações quanto à liberdade de consciência e à igualdade no ambiente de trabalho esportivo.


5. Compliance, Governança e Laicidade

A governança esportiva moderna tem incorporado programas de compliance que tratam da diversidade, inclusão e respeito aos direitos fundamentais no ambiente desportivo. Nesses programas, é comum encontrar cláusulas de conduta que orientam a não utilização das estruturas dos clubes para promoção de ideologias ou crenças específicas. A ideia é preservar o caráter plural e respeitoso do esporte, garantindo que todos os atletas se sintam acolhidos, independentemente de sua fé — ou ausência dela.

Essa prática encontra respaldo no princípio da laicidade do Estado brasileiro, que, embora não impeça manifestações individuais de fé, exige das instituições públicas uma postura de neutralidade, garantindo espaço igualitário a todas as convicções.


6. Conflito de Direitos Fundamentais e a Proporcionalidade Jurídica

Diante do conflito entre a liberdade religiosa dos atletas e a necessidade de neutralidade institucional nas competições, o Direito Constitucional brasileiro recorre ao princípio da proporcionalidade. Esse princípio aplicado pelo Supremo Tribunal Federal em diversos julgamentos, exige que as limitações impostas a direitos fundamentais sejam justificadas por razões legítimas, adequadas ao fim pretendido, necessárias e proporcionais em sentido estrito.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Aplicado ao futebol, isso significa que uma manifestação religiosa não pode ser proibida de forma genérica ou automática. É preciso avaliar se ela interfere de fato na neutralidade do evento, se há risco de discriminação e se existem alternativas menos restritivas que garantam o equilíbrio entre direitos individuais e interesses coletivos.


7. Conclusão

A manifestação religiosa no futebol é um exercício legítimo da liberdade de crença e expressão garantidas pela Constituição e por tratados internacionais. No entanto, como todo direito fundamental, essa liberdade encontra limites quando passa a interferir no espaço coletivo, especialmente em competições oficiais regidas por normas que buscam preservar a neutralidade e a inclusão.

O desafio está em equilibrar o respeito à fé individual dos atletas com a responsabilidade institucional das entidades desportivas de garantir um ambiente plural e acolhedor. Cabe ao Direito — por meio de interpretações pautadas pela razoabilidade e pela proporcionalidade — traçar os limites entre a expressão legítima da fé e o uso indevido do espaço esportivo como palco de doutrinação religiosa.

A fé pode, sim, estar presente no campo, mas deve ser vivida com respeito à diversidade e sem a imposição de valores religiosos a terceiros. Em um país democrático e laico como o Brasil, o futebol continua sendo espaço de emoção, paixão e, por que não, de espiritualidade — desde que esta seja exercida com liberdade, responsabilidade e consciência dos limites jurídicos que regem a convivência social.


Referências

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.

BRASIL. Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992. Promulga a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm.

BRASIL. Decreto nº 592, de 6 de julho de 1992. Promulga o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1992/D0592.htm.

FIFA. Código Disciplinar da FIFA. Zurique, 2023. Disponível em: https://www.fifa.com/legal/regulations.


Notas

1 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Art. 5º, VI.

2 Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Promulgada pelo Decreto n.º 678/1992.

3 FIFA. Código Disciplinar da FIFA, ed. 2023, disponível em: https://www.fifa.com/legal.


Este artigo foi desenvolvido com o apoio de ferramentas de IA, utilizadas exclusivamente como auxílio na revisão textual e organização de ideias. Todo o conteúdo final reflete a análise e interpretação pessoal do autor.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Henrique Levy Pelegrino de Castro

Henrique Levy Pelegrino de Castro tem 22 anos e é estudante do 9º período de Direito na Universidade LaSalle do Rio de Janeiro. Iniciou sua trajetória jurídica na Defensoria Pública, onde atuou como estagiário de dezembro de 2021 a maio de 2023 — uma experiência que considera não apenas formativa, mas também transformadora em termos humanos. Posteriormente, trabalhou no gabinete da 31ª Vara Criminal da Comarca da Capital, ampliando sua vivência no Judiciário. Em 2024, estagiou na área criminal do escritório Serpa Madeira Advogados, especializado em Direito Penal Econômico. Atualmente, exerce suas atividades como estagiário no gabinete do vereador Daniel Marques, na Câmara Municipal de Niterói, onde tem aprofundado seus conhecimentos em Direito Público e no funcionamento da administração legislativa. Apaixonado por temas como Direito Constitucional, Desportivo, Penal, Administrativo e Canônico, busca conciliar teoria e prática com responsabilidade social e espírito crítico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO, Henrique Levy Pelegrino. Fé em campo: liberdade religiosa e seus limites no futebol profissional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7988, 15 mai. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/113944. Acesso em: 5 dez. 2025.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos