Capa da publicação Registro e batismo de bonecas? O fenômeno reborn no Direito
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Bebês reborn, realidade alternativa e limites jurídico-sociais.

Entre o afeto simbólico e o risco psicossocial nas plataformas digitais

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23/05/2025 às 08:54

Resumo:


  • O fenômeno dos bebês reborn transcende o colecionismo, sendo impulsionado por redes sociais e busca de afeto e maternidade simbólica.

  • As bonecas hiper-realistas tornam-se substitutos emocionais, levando a tentativas de reconhecimento legal e religioso, desafiando instituições.

  • Plataformas digitais amplificam a performatividade desses vínculos, normalizando-os e, por vezes, monetizando-os.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Bebês reborn podem ter registro civil ou batismo religioso? O artigo analisa os limites jurídicos, afetivos e bioéticos dessas práticas nas redes sociais.

Resumo: O crescente fenômeno dos bebês reborn, impulsionado por redes sociais e pela busca de afeto e maternidade simbólica, transcende o colecionismo, gerando complexas implicações. Estas bonecas hiper-realistas tornam-se substitutos emocionais, levando a tentativas de reconhecimento legal (registro civil) e religioso (batismo), práticas inviáveis que desafiam instituições. As plataformas digitais amplificam a performatividade desses vínculos, normalizando-os e, por vezes, monetizando-os. Este artigo analisa os impactos jurídicos, psicológicos, sociais e bioéticos, ponderando o potencial terapêutico dos reborns contra os riscos de dissociação, confusão entre realidade e fantasia, e banalização de ritos. Conclui-se pela legitimidade da afetividade simbólica, mas alerta-se para a necessidade de análise crítica e limites quando esta busca inserção indevida em esferas legais, religiosas e sociais, ressaltando o suporte à saúde mental e a reflexão sobre a influência digital.

Palavras-chave: Bebês Reborn. Afetividade Simbólica. Redes Sociais. Maternidade Performática. Registro Civil. Batismo Simbólico. Personalidade Jurídica. Saúde Mental. Dissociação. Bioética.


1. Introdução

O fenômeno dos bebês reborn, originalmente concebido como uma forma de arte hiper-realista, vem despertando profundas discussões interdisciplinares à medida que se consolida como um campo simbólico que mistura afeto, luto, consumo e representações sociais de maternidade. No entanto, com o avanço das tecnologias digitais e a amplificação das redes sociais, especialmente Instagram, TikTok e YouTube, o uso dos reborn tem assumido contornos muito mais complexos, mobilizando afetos, práticas performáticas e até pleitos legais que extrapolam os limites do simbólico. O que antes era restrito ao ambiente privado de uma casa ou ateliê artístico passou a ocupar o espaço público digital com intensidade crescente, ganhando audiência, visibilidade e, em alguns casos, monetização.

Neste contexto, surgem questionamentos ético-jurídicos e psicossociais sobre os limites entre ficção e realidade. A tentativa de se atribuir identidade jurídica a esses objetos – por meio do pedido de certidão de nascimento em cartórios ou da realização de rituais religiosos como o batismo – é exemplo claro de como o uso simbólico pode migrar para um campo de disputa institucional. Por mais que os afetos envolvidos sejam genuínos, as estruturas legais e religiosas não estão preparadas (nem são concebidas) para reconhecer objetos inanimados como sujeitos de direitos ou portadores de fé. O direito brasileiro é claro ao definir que a personalidade jurídica nasce com o nascimento com vida, conforme o artigo 2º do Código Civil, tornando inviável qualquer tentativa de reconhecimento legal de uma boneca, por mais realista que ela pareça.

As plataformas digitais, por sua vez, intensificam essa dinâmica ao incentivar conteúdos de apelo emocional e visual. Influenciadoras digitais criam canais dedicados exclusivamente aos seus bebês reborn, promovem festas simbólicas, produzem vlogs de rotina e interagem com seguidores que compartilham da mesma fantasia ou se tornam consumidores de uma estética da emoção. Esta visibilidade, no entanto, gera uma normalização de comportamentos que podem, em alguns casos, ocultar quadros psicológicos complexos, como luto não elaborado, transtornos dissociativos ou compulsões afetivas. Psiquiatras e psicólogos vêm alertando para a necessidade de diferenciação entre o uso terapêutico dos reborn e a adoção de comportamentos que substituem a vida real por uma ficção afetiva.

Além disso, há um componente ético que envolve a banalização de ritos religiosos. O batismo, em especial, tem sido reproduzido em contextos simbólicos que desafiam a doutrina teológica de diversas religiões. Igrejas tradicionais não reconhecem a legitimidade de rituais aplicados a objetos, pois pressupõem fé, consciência e espiritualidade, elementos inexistentes em uma boneca.

Do ponto de vista sociológico, o fenômeno dos bebês reborn também revela um aspecto importante da sociedade contemporânea: o desejo de controle sobre as experiências afetivas, a estetização da maternidade e a criação de vínculos substitutivos em um mundo cada vez mais marcado pela solidão e pela fragmentação das relações humanas. O reborn não chora, não adoece, não morre, não contradiz – é um “bebê ideal” que pode ser personalizado, vestido, amado e exibido sem as dificuldades inerentes à maternidade real.

A partir dessas observações, o presente artigo busca analisar as repercussões sociais, jurídicas e psicológicas do uso dos bebês reborn em contextos que envolvem tentativas de reconhecimento jurídico, celebrações religiosas e exposições em plataformas digitais. Para isso, adota-se uma abordagem interdisciplinar, com fundamentos no direito civil, na psicologia clínica, na teologia e na sociologia das mídias. A investigação busca compreender como o afeto simbólico coexiste com a racionalidade jurídica e os riscos sociais e individuais ao transpor a fantasia para marcos institucionais. Parte-se da premissa de que o uso dos reborn como forma de acolhimento emocional pode ser legítimo e até terapêutico, mas que requer limites claros quando começa a demandar reconhecimento legal ou eclesiástico.

Dessa forma, este estudo pretende contribuir com o debate acadêmico e profissional ao iluminar um tema ainda pouco explorado, mas de crescente relevância na sociedade contemporânea. A naturalização das práticas com bebês reborn nas redes sociais, a tentativa de inseri-los em sistemas jurídicos e religiosos, e os riscos de patologização ou descompasso com a realidade são questões que exigem reflexão crítica, formulação de políticas públicas e orientação adequada tanto para usuários quanto para profissionais que atuam nas áreas de saúde, direito, mídia e espiritualidade. A experiência humana com o simbólico é legítima, mas não deve ser confundida com a realidade objetiva, especialmente quando essa confusão ameaça impactar normas jurídicas, princípios éticos e o bem-estar social coletivo.


2. As (i)legalidades simbólicas: registro civil e batismo de bebês reborn no contexto jurídico brasileiro

O presente capítulo examina os contornos jurídicos e as repercussões legais que envolvem a tentativa de atribuir personalidade civil ou reconhecimento religioso a bonecos hiper-realistas conhecidos como bebês reborn. Para tanto, subdivide-se a análise em dois grandes blocos: o primeiro dedicado à tentativa de registro civil desses bonecos como se fossem pessoas reais; o segundo voltado ao batismo simbólico ou sacramental, prática que tem se intensificado nas redes sociais. Ambos os fenômenos, embora simbolicamente carregados de afeto e luto, carecem de respaldo jurídico ou canônico e suscitam controvérsias quanto à distorção de institutos legais e religiosos consolidados.

2.1. A impossibilidade jurídica do registro civil de bebês reborn: entre a afetividade simbólica e os limites da personalidade

O registro civil de pessoas naturais no Brasil é regulado pela Lei nº 6.015/1973, que estabelece os atos essenciais para a constituição formal da personalidade jurídica. Nos termos do artigo 2º do Código Civil brasileiro, a personalidade civil do ser humano começa com o nascimento com vida, sendo possível, inclusive, a tutela de direitos do nascituro sob determinadas condições legais. No entanto, é juridicamente impossível estender essa personalidade a um objeto inanimado, ainda que este imite com fidelidade um ser humano. Bebês reborn, por mais realistas que sejam, são obras artísticas, não seres humanos vivos, e, por isso, não podem ser sujeitos de direito, nem figurar nos assentos oficiais do registro civil.

Mesmo assim, alguns relatos têm surgido na mídia e nas redes sociais de pessoas que comparecem a cartórios com intenção de registrar seus bebês reborn, apresentando nomes, datas simbólicas de nascimento e exigindo certidões semelhantes às emitidas para recém-nascidos. Essas demandas, apesar de não prosperarem juridicamente, revelam um importante deslocamento do simbólico para a estrutura normativa estatal, que não está preparada para esse tipo de pleito. Em geral, os cartórios recusam o registro com base na ausência de nascimento com vida, conforme exigência legal, mas há casos em que atendentes confeccionam documentos simbólicos não-oficiais (como “certidões de nascimento fictícias”), o que pode gerar confusão sobre a legalidade de tais atos e sobre os limites da atuação dos serviços notariais.

A tentativa de registro não se limita a um desejo performático, mas está geralmente associada a vínculos emocionais profundos, especialmente em mulheres que sofreram perda gestacional, infertilidade ou luto por filhos falecidos. Nesses casos, o bebê reborn passa a representar um substituto emocional, e o desejo de formalizar sua existência por meio de documentos legais traduz a busca por validar essa experiência de afeto perante a sociedade. O problema jurídico surge quando essa simbolização afetuosa demanda um reconhecimento institucional incompatível com o ordenamento jurídico vigente, o que pode gerar precedentes perigosos, fragilizar conceitos legais e comprometer a segurança jurídica.

Em termos doutrinários, a personalidade jurídica pressupõe a capacidade de direitos e deveres, algo que não pode ser atribuído a um objeto. Permitir o registro de um reborn seria equiparar um boneco a um ser humano, o que colide frontalmente com princípios jurídicos como a dignidade da pessoa humana, a verdade registral e a própria função pública dos cartórios. Embora o afeto de quem solicita o registro seja digno de respeito, a resposta institucional não pode ultrapassar os marcos da legalidade.

Por fim, é preciso destacar que a busca pelo registro legal de reborns revela uma necessidade emocional legítima, mas que deve ser acolhida por outras vias, como o acompanhamento psicológico, o acolhimento religioso simbólico (sem efeitos jurídicos), e a produção de documentos artísticos ou afetivos no âmbito privado. A fronteira entre a vida e a arte, entre o afeto e o direito, deve ser preservada para garantir a integridade dos sistemas normativos e o respeito à realidade material da personalidade civil.

2.2. O batismo de bebês reborn: entre o rito simbólico, o afeto e a teologia canônica

Em paralelo à tentativa de registro civil, outro fenômeno vem chamando atenção: o batismo simbólico de bebês reborn , realizado por meio de vídeos nas redes sociais, cerimônias íntimas ou até rituais públicos conduzidos por figuras religiosas não institucionalizadas. Esse tipo de batismo, muitas vezes acompanhado por padrinhos, trajes litúrgicos, velas e orações, visa conferir um reconhecimento espiritual ou cerimonial à boneca, imitando a estrutura sacramental tradicional de religiões cristãs, sobretudo do catolicismo e de igrejas protestantes históricas. No entanto, essa prática levanta questões teológicas e eclesiásticas profundas, além de suscitar preocupações sobre a banalização dos sacramentos.

Do ponto de vista doutrinário, a Igreja Católica não admite o batismo de objetos ou de seres inanimados, pois o sacramento pressupõe a existência de um ser humano dotado de alma, consciência espiritual e vocação à vida cristã. Conforme o Código de Direito Canônico, o batismo é o rito que incorpora a pessoa à comunidade cristã, apaga o pecado original e inaugura sua vida espiritual. Batizar uma boneca, portanto, é visto como heresia, farsa ou, no mínimo, como um gesto sem validade sacramental. Igrejas evangélicas históricas seguem a mesma lógica, considerando o batismo uma expressão de fé consciente ou, no caso infantil, um ato de consagração familiar real, aplicado a crianças vivas.

Mesmo diante dessas normativas, alguns religiosos independentes ou espiritualistas vêm celebrando batismos simbólicos como forma de acolher emocionalmente mulheres enlutadas ou que projetam maternidade nos bebês reborn. Esses batismos não têm reconhecimento eclesial, mas têm forte impacto emocional e estético, sendo amplamente compartilhados em redes sociais, às vezes com mais de um milhão de visualizações. A repetição midiática dessas cenas contribui para normalizar o rito simbólico e, em certa medida, esvaziar sua sacralidade original.

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Alguns teólogos e psiquiatras expressam preocupação com essa tendência. De um lado, há o risco de profanação ou desvio de sentido dos ritos religiosos, o que pode gerar desconforto nas comunidades de fé. De outro, há o perigo de reforçar delírios ou desconexões com a realidade, especialmente em pessoas que sofrem com transtornos afetivos ou perdas não elaboradas. O uso do reborn como “filho espiritual” pode parecer terapêutico em um primeiro momento, mas sem orientação adequada, pode intensificar o isolamento ou alimentar fantasias disfuncionais.

Em suma, o batismo de reborns é uma expressão simbólica de afeto e luto, mas deve ser claramente separado do sacramento religioso verdadeiro, tanto para preservar o sentido espiritual dos ritos quanto para proteger emocionalmente os indivíduos envolvidos. O acolhimento pastoral pode ser legítimo, mas precisa ser conduzido com responsabilidade, clareza e, se necessário, com suporte psicológico.


3. As redes sociais como palco de afeto, fantasia e performatividade: o universo dos bebês reborn na era digital

Com a ascensão das plataformas digitais como espaços de sociabilidade e expressão afetiva, o fenômeno dos bebês reborn ganhou proporções significativas, indo além do nicho artístico ou terapêutico. Nas redes sociais, especialmente no YouTube, TikTok e Instagram, usuários passaram a criar perfis dedicados exclusivamente à “maternidade reborn”, documentando rotinas simuladas, “cuidados” diários, passeios públicos com carrinhos de bebê e até cerimônias de batismo e registros simbólicos. Esse tipo de conteúdo viraliza com facilidade, despertando sentimentos diversos no público: desde empatia e acolhimento até estranhamento e críticas. Este tópico examina como a performatividade digital em torno dos reborns transforma experiências subjetivas em fenômenos coletivos, com impactos na saúde mental, nas dinâmicas de consumo e nas fronteiras entre realidade e ficção.

3.1. Maternidade performática e afetividade exibida: a viralização de experiências com reborns nas redes sociais

As redes sociais proporcionaram um ambiente fértil para que experiências privadas ganhassem visibilidade pública. No caso dos bebês reborn, esse processo se materializa por meio da chamada “maternidade performática”, na qual os cuidadores – em sua maioria mulheres – assumem posturas maternas diante da câmera, como se estivessem interagindo com filhos reais. Alimentação simulada, troca de roupas, consultas médicas fictícias, passeios no parque e até mesmo reações emocionais diante de “doenças” dos reborns são exibidas para milhares de seguidores. Os vídeos são produzidos com linguagem afetiva, com falas como “meu bebê está doentinho hoje” ou “vamos para o primeiro dia de aula”.

Esse tipo de conteúdo, ainda que encenado, tem alto poder de engajamento. Essas cenas podem gerar ternura ou fascínio no público, especialmente em quem vivencia perda gestacional, infertilidade ou solidão. Entretanto, há um fenômeno preocupante de hiperidentificação emocional, no qual a espectadora não apenas se comove com a história, mas passa a reproduzir padrões similares, investindo emocional e financeiramente em sua própria experiência reborn. Assim, a maternidade simbólica deixa de ser apenas uma terapia ou hobby para tornar-se uma identidade digital performada e monetizada.

A monetização é um elemento central. Influenciadoras do segmento reborn frequentemente fazem parcerias com fabricantes de bonecos, vendem acessórios personalizados, oferecem “certidões simbólicas” e até cursos para “como cuidar do seu reborn”. O algoritmo das plataformas impulsiona esse tipo de conteúdo, uma vez que ele mistura emoções intensas com elementos visuais delicados e altamente compartilháveis. A “economia da fofura” se entrelaça à lógica de capital afetivo e simbólico, transformando o luto ou a carência afetiva em produto vendável.

Há, contudo, limites éticos relevantes. A simulação de emoções com objetos pode sugerir, para alguns públicos, uma substituição da realidade por fantasias persistentes. Psicólogos e psiquiatras alertam que, sem acompanhamento adequado, essas práticas podem reforçar quadros de negação da perda, dificuldades de socialização real e até transtornos dissociativos. Em casos extremos, há mulheres que deixam de interagir com familiares ou com filhos reais para dedicarem-se exclusivamente aos reborns, sendo necessário intervenção clínica.

Por outro lado, comunidades virtuais de “mães reborn” também funcionam como espaços de acolhimento, nos quais mulheres compartilham histórias de dor e reencontro com o afeto. A prática simbólica, nesse sentido, atua como ritual de cura, ainda que encenado. A dificuldade está em distinguir quando essa experiência é funcional ou quando se torna impeditiva da vida real. As redes sociais, por não fazerem essa mediação, amplificam tanto os efeitos positivos quanto os disfuncionais.

3.2. Influenciadoras digitais e a estética da maternidade idealizada: comercialização, normatização e riscos psicossociais

Com o crescimento exponencial do conteúdo relacionado a bebês reborn nas redes sociais, emergiu um novo tipo de influenciadora digital: a “mãe reborn”, que constrói sua imagem pública com base na maternidade simbólica idealizada. Essas influenciadoras, muitas vezes com dezenas ou centenas de milhares de seguidores, criam narrativas que mesclam estética maternal, rotina cuidadosa e forte carga emocional, com vídeos editados em tons suaves, trilhas sonoras emocionantes e descrições carinhosas. A maternidade torna-se, nesse contexto, um produto visualmente agradável e aspiracional, o que reforça padrões irreais de afeto, cuidado e abnegação.

A figura da “mãe reborn” atua não só como criadora de conteúdo, mas como referência normativa para outras mulheres que desejam iniciar no “mundo reborn”. Seus vídeos frequentemente contêm tutoriais, conselhos sobre como criar vínculos com os bonecos e sugestões de consumo – desde roupinhas personalizadas até berços importados. Essa lógica consolida um mercado altamente segmentado e lucrativo, no qual a maternidade simbólica é estetizada, vendida e reproduzida.

Esse processo de normatização da maternidade estética, no entanto, tem efeitos colaterais. Ele pode alimentar comparações tóxicas entre usuárias, desencadear sentimentos de inadequação (“não sou uma boa mãe reborn”) e acentuar o consumo como forma de pertencimento. A maternidade, mesmo simbólica, torna-se um campo de competição visual e afetiva, em que o valor está na encenação da perfeição. O conteúdo, assim, pode deixar de ser terapêutico para se tornar opressivo, especialmente entre mulheres vulneráveis ou emocionalmente fragilizadas.

Do ponto de vista psicológico, há relatos de pacientes que desenvolveram quadros de dependência emocional dos reborns, com sintomas como isolamento, recusa em se separar do boneco, desenvolvimento de rotinas obsessivas e prejuízos em atividades da vida cotidiana. Psiquiatras destacam que, embora o uso terapêutico dos reborns possa ser benéfico quando supervisionado, o consumo desenfreado e a reprodução acrítica dos modelos exibidos nas redes podem desencadear ou agravar quadros clínicos. O algoritmo, por sua vez, não filtra contextos: ao identificar que o conteúdo gera engajamento, ele o reproduz massivamente, expondo públicos cada vez mais jovens ao fenômeno.

Por fim, o fenômeno evidencia uma lacuna de regulação e debate ético sobre os limites da exposição afetiva e simbólica nas redes. Não se trata de censurar a liberdade criativa ou o uso simbólico de reborns como forma de elaboração emocional, mas de reconhecer que o ambiente digital amplifica experiências humanas de maneira não controlada, com potencial de causar danos psíquicos e sociais. Urge que profissionais de saúde mental, educadores, juristas e as próprias plataformas iniciem um diálogo sobre responsabilidade emocional, estética e simbólica no uso desse tipo de conteúdo.

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Sobre o autor
Silvio Moreira Alves Júnior

Advogado; Especialista em Direito Digital pela FASG - Faculdade Serra Geral; Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela FASG - Faculdade Serra Geral; Especialista em Direito Penal pela Faculminas; Especialista em Compliance pela Faculminas; Especialista em Direito Civil pela Faculminas; Especialista em Direito Público pela Faculminas. Doutorando em Direito pela Universidad de Ciencias Empresariales y Sociales – UCES

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES JÚNIOR, Silvio Moreira. Bebês reborn, realidade alternativa e limites jurídico-sociais.: Entre o afeto simbólico e o risco psicossocial nas plataformas digitais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 7996, 23 mai. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/114011. Acesso em: 21 jun. 2025.

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