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A legitimidade ativa da defensoria pública na tutela coletiva do meio ambiente

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O texto estuda a legitimidade ativa da Defensoria Pública nas ações coletivas, mais especificamente a pertinência temática (o nexo entre o direito coletivo tutelado e os fins institucionais), sua natureza jurídica e as atuais tendências acerca das características de seu juízo de admissibilidade.

SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Pertinência temática e legitimidade ativa nas ações coletivas 3. A Defensoria Pública como instrumento de acesso à Justiça 4. Legitimidade ativa e pertinência temática da Defensoria Pública nas ações coletivas 5. O direito difuso ao meio ambiente ecologicamente equilibrado 6. A Defensoria Pública como instrumento de defesa do meio ambiente 7. Conclusão 8. Bibliografia.

RESUMO: No presente estudo, analisaremos as questões relativas à legitimidade ativa nas ações coletivas, mais especificamente aquelas atinentes à pertinência temática, sua natureza jurídica e as atuais tendências acerca das características de seu juízo de admissibilidade. Analisaremos também a legitimidade ativa da Defensoria Pública, a questão da pertinência temática, ou seja, o nexo entre o direito coletivo tutelado e os fins institucionais, que é prestar assistência jurídica aos economicamente vulneráveis. Verificaremos a legitimidade ativa da Defensoria Pública na tutela coletiva do meio ambiente.

RIASSUNTO: In presente studio, analizzaremo le questone relative alla legittimidà attiva nelle azioni collettive, più specificamente quelle relative al vincolo materiale, sua natura giuridica e le attuali tendenze relative le caratteri di sullo giudizio di ammissibilidà. Analizzaremo anche la legittimidà attiva della Avvocatura Pubblica, specificamente la questone delle vincolo materiale, ossia o vincolo fra il diritto collettivo e gli fini istituzionali, che è prestare assistenza giuridica ai economicamente vulnerabili. Analizzaremo alla legittimidà attiva della Avvocatura Pubblica nella difesa collettiva di mezzo ambiente.

PALAVRAS-CHAVE: ações coletivas – Defensoria Pública - legitimidade ativa – pertinência temática – meio ambiente.

PAROLE CHIAVE: azioni collettive – Avvocatura Pubblica - legittimidà attiva – vincolo materiale – mezzo ambiente.


1. Introdução

A legitimidade de agir é um dos temas nevrálgicos do direito processual coletivo. A complexidade aumenta quando se adentra na questão da pertinência temática.

Isso se deve a dois fatores principais. O primeiro fator, de natureza hermenêutica, está ligado à pretensão de tentar compreender os institutos do direito processual coletivo pelo prisma dos tradicionais dogmas do processo civil individual. "Essa recorrente insistência de considerável parcela dos juízes (e demais operadores do direito) em interpretar dispositivos e institutos repousantes na legislação relativa a direitos metaindividuais exclusivamente à luz da caracterização/concepção desses institutos segundo a sistemática – individualista, registre in passant – do CPC, olvidando-se da necessidade de levar em consideração, sobretudo, os princípios relativos aos direitos metaindividuais, revela uma evidente deficiência técnica na aplicação da legislação metaindividual. Urge, pois, sedimentar no meio forense uma principiologia própria e inerente aos direitos metaindividuais" [01]

O outro fator responsável por tornar o tema tão controvertido é a oposição entre a origem teleológica do instituto da pertinência temática, ligada a idéia de limitação, legado da doutrina individual-liberalista, e a atual tendência no sentido de flexibilizar tal pressuposto de legitimidade, como forma de ampliar a efetivação do direito de ação coletiva.

Essa contradição torna-se visível quando analisamos a legitimidade ativa da Defensoria Pública, e toda sua evolução na doutrina e na jurisprudência, cujos posicionamentos oscilam entre teses conservadoras/limitadoras e teses modernas/ampliativas, mormente quanto o debate envolve a pertinência temática, ou seja, o vínculo entre os fins institucionais da Defensoria Pública e os interesses coletivos a serem tutelados, dentre os quais se insere o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado que, vale a pena antecipar, possui algumas peculiaridades que o faz digno do que chamamos de "proteção integral e participativa não-excludente".


2. Pertinência temática e legitimidade ativa nas ações coletivas

A pertinência temática significa o nexo material entre os fins institucionais do legitimado ativo e a tutela pretendida na ação coletiva [02].

Pedro da Silva Dinamarco [03] assevera que consiste na "proteção específica daquele bem que é objeto da ação civil pública ajuizada pela associação, ou com ela compatível". Nas palavras de Motauri Ciocchetti de Souza [04], representa a "harmonização entre as finalidades institucionais das associações civis ou órgãos públicos legitimados e o objeto a ser tutelado na ação civil pública".

A pertinência temática não se confunde com a representatividade adequada, muito embora alguns autores insistem em incluir a primeira como requisito da segunda. Por exemplo, o autor Elton Venturi [05], quando trata do tema representatividade adequada, expõe que "tal controle revela-se, na prática, muito mais de ordem formal que propriamente substancial, incidindo, para além da constatação da constituição válida e regular da entidade autora, também sobre a verificação do nexo de pertinência temática existente entre suas finalidades estatutárias ou institucionais e o objeto da tutela instrumentalizado pela demanda coletiva".

Alguns tribunais também não têm acertado nos seus posicionamentos. Senão vejamos. "Ausência de representatividade adequada do grupamento substituído processualmente, pela associação de moradores e amigos do Jardim Botânico, diante da não ocorrência de congruência entre o objeto pretendido e os fins estatutários da entidade civil, sendo imprescindível o requisito da pertinência temática" [06].

Entretanto, tais institutos não se confundem. Destarte, a representatividade adequada é um dos requisitos da class action norte-americana, que significa a aptidão técnica, institucional e financeira do órgão ou entidade que vale-se da tutela coletiva. Sua finalidade é qualificar o pólo ativo para fins de se evitar demandas coletivas precárias que poderiam prejudicar a coletividade, eis que a coisa julgada naquele sistema não é secundum eventum litis. No sistema brasileiro, ao contrário, não se cogita de representatividade adequada [07], eis que existe um rol legal de legitimados e a coisa julgada coletiva não prevalece para prejudicar qualquer interessado.

"Esta uma das notas distintivas entre o modelo norte-americano puro e a recepção brasileira, aqui a coisa julgada terá extensão erga omnes ou ultra partes secundum eventum litis, estendendo seus efeitos apenas para beneficiar os titulares dos direitos individuais. Muito embora não se possa repetir a demanda coletiva, nem mesmo com a propositura por outro legitimado, as demandas individuais não ficam prejudicadas em caso de improcedência (mérito) das ações coletivas" [08].

No sistema norte-americano, a coisa julgada vincula qualquer interessado, ainda que não tenha participado da ação coletiva, seja para beneficiar, seja para prejudicar. Portanto, a adequada representação significa exigir que o autor seja potencialmente apto a defender direitos alheios, como corolário dos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório. "Esse requisito é essencial para que haja o respeito ao devido processo legal em relação aos membros ausentes e, conseqüentemente, indispensável para que eles possam ser vinculados pela coisa julgada produzida na ação coletiva. Afinal, se os membros ausentes serão vinculados pelo resultado de uma ação conduzida por uma pessoa que se declara representante dos seus interesses, conceitos básicos de justiça impõem que essa representação seja adequada" [09].

No sistema brasileiro, o que se exige é apenas o nexo entre a finalidade ou os objetivos institucionais do ente que figura no pólo ativo e o objeto da demanda, como uma forma de limitar o elenco de legitimados ativos, tendo em vista que a tutela coletiva representava, quando de sua criação no Brasil, uma quebra de paradigmas, ou para tentar adequar a legitimidade da tutela coletiva ao conceito geral de legitimidade ad causam do Processo Civil tradicional, como uma espécie de adaptação do novo às regras gerais previstas nos artigos 6° do Código de Processo Civil [10] e 76 do Código Civil de 1916 [11].

Essa ideologia individualista, tida como uma das fontes da pertinência temática, é facilmente observada nas palavras de Clóvis Bevilácqua [12], que almejava um utópico "direito privado puro", livre dos interesses públicos ou coletivos: "Outra controvérsia, a que pôs termo, foi referente à persistência das ações populares, que, no Direito romano, tinham por objeto a defesa dos bens públicos. Na organização jurídica ‘moderna’, os atos que davam causa às ações populares, passaram a constituir crimes reprimidos pelo Código Penal, sendo a matéria, ora de leis de polícia, ora de posturas municipais, e algumas vezes ofensas a direitos individuais".

Atualmente, como analisaremos, a doutrina e a jurisprudência, já livres dos grilhões desse ideal de pureza, têm flexibilizado a análise deste requisito de admissibilidade da legitimidade ativa, em contemplação aos princípios da máxima efetividade dos direitos individuais e coletivos, e ao direito ao amplo acesso à Justiça.

Nessa linha, decidiu o Superior Tribunal de Justiça [13]: "Processo Civil. Ação Civil Pública. Legitimidade ativa. Associação de bairro. A ação civil pública pode ser ajuizada tanto pelas associações exclusivamente constituídas para a defesa do meio ambiente quanto por aqueles que formadas por moradores de bairro, visam ao bem-estar coletivo, incluída evidentemente nessa cláusula a qualidade de vida, só preservada enquanto favorecida pelo meio ambiente"

Em outra oportunidade [14]: "Ação civil pública. Legitimidade. Fundação de assistência social à comunidade de pescadores. Defesa do meio ambiente. Construção. Fábrica de celulose. Embora não constando expressamente em suas finalidades institucionais a proteção do meio ambiente, é a fundação de assistência aos pescadores legitimada a propor ação civil pública para evitar a degradação ao meio ambiente em que vive a comunidade por ela assistida (...)".

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça [15] confirmou sua posição acerca do tema: "Processual Civil - Ação civil pública - Legitimidade de associação de moradores. 1. Legitimidade ativa, para propor ação civil pública, de associação cujo um dos objetivos estatutários é a proteção dos interesses dos moradores de bairro, encontrando-se abrangido neste contexto a defesa ao meio ambiente saudável, a qualidade de vida.(...)".

Assim, conclui-se que o juízo de verificação da pertinência temática há de ser o mais flexível e amplo possível, em contemplação ao princípio constitucional do acesso à Justiça, mormente se considerarmos a máxima efetividade dos direitos fundamentais. Aliás, Mauro Cappelleti e Bryant Carth [16] detectam três ondas renovatórias da Era Instrumentalista do Direito Processual, no sentido de assegurar o acesso à Justiça. A segunda onda, especificamente, representa exatamente a consagração das formas coletivas de se promover a tutela jurisdicional. "O acesso à Justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos".

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3. A Defensoria Pública como instrumento de acesso à Justiça

A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados. [17] Ela representa a forma pela qual o Estado Democrático de Direito promove a ação afirmativa, ou discriminação positiva, visando à inclusão jurídica daqueles econômica e culturalmente hipossuficientes, em observância ao disposto no artigo 5º, LXXIV, da Constituição Federal, que prevê o direito fundamental à assistência jurídica, cujos titulares são aqueles que comprovarem insuficiência de recursos, na forma prevista na Lei nº 1060/50, que estabelece o conceito jurídico de "necessitado".

Portanto, não se pode olvidar que a Defensoria Pública, como instrumento de ação afirmativa, visa à concretização do princípio da isonomia ou igualdade, na medida em que o Estado, por meio dela, trata desigualmente os desiguais (necessitados), almejando à igualdade de condições. Nas palavras da professora Carmen Lúcia Antunes Rocha, "a definição jurídica objetiva e racional de desigualdade dos desiguais, histórica e culturalmente discriminados, é concebida como forma de promover a igualdade daqueles que foram e são marginalizados por preconceitos encravados na cultura dominante da sociedade. Por esta desigualação positiva promove a igualação jurídica efetiva; por ela afirma-se uma fórmula jurídica para se provocar uma efetiva igualação social, política e econômica no e segundo o Direito, tal como assegurado formal e materialmente no sistema constitucional democrático. A ação afirmativa é, então, uma forma jurídica para se superar o isolamento ou a diminuição social a que se acham sujeitas as minorias" [18].

Em outras palavras, a Defensoria Pública é o instrumento pelo qual se garante o acesso à Justiça aos necessitados, desprovidos de recursos financeiros para custear os serviços prestados por um Advogado particular.

Entretanto, a Defensoria Pública não é apenas um órgão patrocinador de causas judiciais. É muito mais. É a Instituição Democrática que promove a inclusão social, cultural e jurídica das classes historicamente marginalizadas, visando à concretização e a efetivação dos direitos humanos, no âmbito nacional e internacional, à prevenção dos conflitos, em busca de uma sociedade livre, justa e solidária, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, com a erradicação da pobreza e da marginalização, em atendimento aos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, previstos no artigo 3º da Constituição Federal [19].

Realmente, nas palavras de Marcio Thomaz Bastos [20], "as instituições sólidas são os instrumentos que as democracias têm para se realizar enquanto tais. E as democracias, para abandonarem o rótulo de democracias formais, se tornando verdadeiras democracias de massas, devem construir instituições que consigam garantir a todos, sem discriminações, os direitos previstos nas constituições democraticamente escritas. (...) Não mais podemos nos preocupar só com o Estado Julgador e com o Estado Acusador, em detrimento do Estado Defensor".

Outrossim, a atuação da Defensoria Pública se torna ainda mais relevante em um Estado como o Brasil, que possui uma Carta Magna de caráter social, mas que carece de efetividade e concretude, em razão das forças neoliberais, que fazem dos princípios constitucionais dispositivos meramente programáticos, despidos de normatividade. Realmente, "a herança do neoliberalismo é uma sociedade profundamente desagregada e distorcida, com gravíssimas dificuldades em se construir, do ponto de vista da integração social, e com uma agressão permanente ao conceito e prática da cidadania. Talvez, a Defensoria Pública tenha vindo para ‘organizar esta cidadania’" [21].

Em suma, a Defensoria Pública apresenta-se como a Instituição garantidora do acesso à Justiça, não apenas no âmbito jurídico, mas também no social e cultural.


4. A legitimidade ativa e a pertinência temática da Defensoria Pública nas ações coletivas

Entretanto, para que esta Instituição cumpra satisfatoriamente seu papel, é preciso conquistar de certos meios ou condições de atuação. Dentre tais meios, insere a legitimidade ativa para a propositura de ações coletivas, e o processo de concretização desta legitimidade passou por uma evolução histórica composta por três fases sucessivas.

A primeira fase foi marcada pela negação da legitimidade ativa da Defensoria Pública [22]. Nesse período, considerava-se que a Defensoria Pública não era um ente público destinado especificamente à proteção dos direitos dos consumidores e, por isso, negava-lhe a legitimidade, por entenderem inaplicável o artigo 82, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor.

Em um segundo período, passou-se a admitir a legitimidade ativa da Defensoria Pública apenas para as ações coletivas que visavam à defesa dos direitos dos consumidores, em aplicação ao dispositivo legal acima citado. "A Defensoria Pública tem legitimidade, a teor do artigo 82, III, da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), para propor ação coletiva visando à defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogênios dos consumidores necessitados. A disposição legal não exige que o órgão da Administração Pública tenha atribuição exclusiva para promover a defesa do consumidor, mas específica, e o artigo 4º, XI, da LC 84/90, bem como o artigo 3º, parágrafo único, da LC 11.795/02 – RS, estabelecem como dever funcional da Defensoria Pública a defesa dos consumidores" [23].

O Superior Tribunal de Justiça também se pronunciara neste sentido: "O NUDECON, órgão especializado, vinculado à Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, tem legitimidade ativa para propor ação civil pública objetivando a defesa dos interesses da coletividade de consumidores que assumiram contratos de arrendamento mercantil, para aquisição de veículos automotores, com cláusula de indexação monetária atrelada à variação cambial [24].

Por derradeiro, chegamos à fase da legitimidade ativa positivada. Destarte, a Lei Complementar nº 988/06 do Estado de São Paulo dispõe que "a Defensoria Pública do Estado é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, e tem por finalidade a tutela jurídica integral e gratuita, individual e coletiva, judicial e extrajudicial, dos necessitados, assim considerados na forma da lei" (artigo 2º)destaque nosso.

Estabelece ainda a aludida lei, em seu artigo 4º, como atribuições institucionais da Defensoria Pública do Estado, "representar em juízo os necessitados, na tutela de seus interesses individuais ou coletivos, no âmbito civil ou criminal, perante os órgãos jurisdicionais do Estado e em todas as instâncias, inclusive os Tribunais Superiores (III); promover a tutela individual e coletiva dos interesses e direitos da criança e do adolescente, do idoso, das pessoas com necessidades especiais e das minorias submetidas a tratamento discriminatório (VI, c); promover a tutela individual e coletiva dos interesses e direitos do consumidor necessitado (VI, d); promover a tutela do meio ambiente, no âmbito de suas finalidades institucionais (VI, e); promover ação civil pública para tutela de interesse difuso, coletivo e individual homogênio (VI, g)" destaque nosso.

Nesse processo de positivação legal, a Lei Federal nº 11.448/06 alterou a Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85) e, em seu artigo 5º, inciso II, passou a prever expressamente a legitimidade ativa da Defensoria Pública.

No tocante à pertinência temática, a questão é mais simples em relação aos direitos coletivos e direitos individuais homogênios, pois os interessados pela tutela jurisdicional coletiva, nesses casos, são susceptíveis de identificação e qualificação, devendo-os se enquadrar na situação jurídica de necessitados, conforme os critérios previstos em lei.

Em relação aos direitos difusos, a questão ainda é controvertida, pois existem aqueles que insistem em negar a legitimidade à Defensoria Pública e outros que afirmam ser ela ilimitada quando se tratar de direitos e interesses cujos titulares não possam ser identificados, pois, afinal, de qualquer forma, os necessitados seriam também beneficiados.

Aliás, como não poderia ser diferente, a pacificação parece estar mais próxima da ampla legitimidade [25]. "Temos, em princípio, que deve ser assegurada a legitimidade ampla da Defensoria Pública, não apenas para a defesa dos necessitados, considerando ser esta parte da Administração Pública, cuja legitimidade não possui restrições e, ainda, pelo fato de que na disciplina normativa da Lei da Ação Civil Pública, ao contrário das associações, (art. 5°, inciso V, alíneas "a" e "b"), não há qualquer limitação com relação à extensão da legitimidade" [26].

Aliás, o Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos, do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP, elenca o rol de legitimados ativos, dentre eles, "a Defensoria Pública, para a defesa dos interesses ou direitos difusos e coletivos, quando a coletividade ou os membros do grupo, categoria ou classe forem necessitados do ponto organizacional, e dos individuais homogênios, quando os membros do grupo, categoria ou classe forem, ao menos em parte, hipossuficientes" (artigo 20, IV). Note que, quando se fala em direitos difusos, não segue qualquer limitação.

Outrossim, nas palavras da Ministra Fátima Nancy Andrighi, "não se pode desconhecer a tendência cada vez mais acentuada em todo mundo, no sentido de facilitar o acesso à Justiça, desimpedindo-o de obstáculos de ordem patrimonial. Portanto, se atuação da Defensoria Pública ficar limitada, pela vedação (ou limitação) ao uso da ação civil pública, a parcela da população que não tiver condições de arcar com os custos do processo não terá acesso pleno ao Judiciário, direito constitucionalmente garantido" [27].

Portanto, percebemos uma tendência cada vez mais forte no sentido de ampliar a legitimidade ativa da Defensoria Pública, como forma de garantir o acesso à Justiça nos conflitos de massa.

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Sobre o autor
Aluísio Iunes Monti Ruggeri Ré

Defensor Público do Estado de São Paulo. Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela Universidade de Ribeirão Preto - UNAERP. Membro do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania da DPESP. Autor do livro "A responsabilidade civil como um sistema aberto" (Editora Lemos e Cruz, 2007) e de vários artigos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RÉ, Aluísio Iunes Monti Ruggeri. A legitimidade ativa da defensoria pública na tutela coletiva do meio ambiente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1823, 28 jun. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11409. Acesso em: 28 mar. 2024.

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