Artigo Destaque dos editores

A legitimidade ativa da defensoria pública na tutela coletiva do meio ambiente

Exibindo página 2 de 3

Resumo:

SUMÁRIO:



  • Análise da legitimidade ativa nas ações coletivas, com foco na pertinência temática e tendências atuais.

  • Estudo sobre a Defensoria Pública como instrumento de acesso à Justiça, especialmente para os economicamente vulneráveis.

  • Exame da legitimidade ativa e pertinência temática da Defensoria Pública nas ações coletivas, incluindo a tutela do meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

5. O direito difuso ao meio ambiente ecologicamente equilibrado

Não é por acaso que a Constituição Federal de 1988 é chamada de "Verde". De fato, o meio ambiente representa um dos direitos fundamentais mais bem protegidos pelo Constituinte de 1988, representando uma preocupação constante no âmbito de variados setores e micro-sistemas jurídicos por ela regulamentados [28]. "Toma consciência de que a ‘qualidade do meio ambiente se transformara num bem, num patrimônio, num valor mesmo, cuja preservação, recuperação e revitalização, se tornaram num imperativo do Poder Público, para assegurar a saúde, o bem-estar do homem e as condições de seu desenvolvimento. Em verdade, para assegurar o direito fundamental à vida" [29].

Porém, a definição de meio ambiente, em termos legais, já tinha contornos trazidos pela Lei nº 6.938/81, que definira a Política Nacional do Meio Ambiente, segundo a qual meio ambiente representa "o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas".

A doutrina, por sua vez, consagra uma concepção mais ampla de meio ambiente, englobando o meio ambiente natural, o meio ambiente cultural, o meio ambiente artificial ou humano e o meio ambiente do trabalho.

Independentemente dessas nuanças, o fato é que a Constituição Federal prevê o meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental de todos, por isso, intangível por eventual alteração em seu texto, um bem de uso comum do povo e pressuposto inelidível à sadia qualidade de vida, atribuindo aos cidadãos e ao Poder Público, de forma solidária e concorrente, o dever de protegê-lo e preservá-lo, dentro de um sistema de desenvolvimento sustentável (artigo 225).

Essa previsão advém de um processo histórico de afirmação, que se inicia nos anos 70, com a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, em Estocolmo (1972) e é ratificado em 1992, no Rio de Janeiro, na Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, diante de um contexto mundial extremamente preocupante, que coloca em xeque a própria sobrevivência da espécie humana no planeta Terra. "Se neste período de nossas vidas assistimos a surtos de progresso em vários setores da atividade humana, paralelamente, ou em decorrência, assustamo-nos com fenômenos preocupantes, tais, por exemplo, os riscos globais que ameaçam não somente a espécie humana, mas o ecossistema planetário" [30].

Portanto, a consagração ética e jurídica, bem como a efetivação da proteção ao meio ambiente, em nível nacional e internacional, representam condições à manutenção da vida humana na terra. De fato, "o reconhecimento do direito a um meio ambiente sadio configura-se, na verdade, como extensão do direito à vida, quer sob o enfoque da própria existência física e saúde dos seres humanos, quer quanto ao aspecto da dignidade de sua existência – a qualidade de vida-, que faz com que valha a pena viver" [31].

Por isso, o caráter difuso do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o dever da coletividade, em concorrência com o Poder Público, em protegê-lo e preservá-lo, instituindo, na verdade, um verdadeiro sistema de tutela participativa e não-excludente.


6. A Defensoria Pública como instrumento de defesa do meio ambiente

Portanto, diante desse sistema integrado de proteção, não há como excluir a legitimidade ativa da Defensoria Pública na defesa do direito difuso ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Ora, se a toda coletividade compete a defesa e a preservação do meio ambiente, não há razão para suprimir da Defensoria Pública, como autêntica instituição democrática e social, o poder-dever de participar ativamente dessa rede de proteção, mormente se levarmos em consideração a atual situação de degradação dos ecossistemas mundiais, regionais e locais. "De fato, a comunidade, através de suas instituições, movimentos populares e organizações intermediárias, envolve-se cada vez mais com a problemática ambiental. Isso decorre da tomada de consciência da situação, do amadurecimento político das instituições e das pessoas, assim como da estimulante solidariedade com a Terra, ‘nossa casa’" [32] (destaque nosso).

Portanto, como acima anotamos, existe uma forte tendência doutrinária e jurisprudencial no sentido de ampliar a legitimidade ativa nas ações coletivas, seja por meio de acréscimos ao rol legal de legitimados, seja pela flexibilização do juízo da pertinência temática. Com a Defensoria Pública o raciocínio não é diferente, possuindo tal instituição legitimidade ativa para tutelar, em âmbito coletivo, qualquer direito difuso, inclusive o meio ambiente pois, de qualquer forma, os "necessitados serão beneficiados com tal atuação, ainda que não exclusivamente. Realmente, como bem observam Fredie Didier e Hermes Zaneti, "a decisão poderá beneficiar a todos, indistintamente, necessitados ou não. Qualquer indivíduo poderá valer-se da sentença coletiva para promover sua a sua liquidação e execução individual. Não se pode confundir o critério para a aferição da capacidade de conduzir o processo coletivo, com a eficácia subjetiva da coisa julgada coletiva. A tutela coletiva é sempre coletiva: tutela-se o direito da coletividade, beneficiando-se, por conseqüência, todos os seus membros. Não se pode confundir a legitimação extraordinária para a tutela dos direitos coletivos (pertencente sempre a uma coletividade) com a legitimação extraordinária para a tutela dos direitos individuais" [33].

Em suma, suprimir da Defensoria Pública a legitimidade ativa para tutelar um direito difuso, como é o meio ambiente, significaria anular o acesso à justiça daquela coletividade de necessitados que se beneficiaria da sentença coletiva, hipótese atualmente odiosa e não mais admitida pelo atual sistema de ações coletivas no Brasil.

Porém, cumpre admitir que a Lei Estadual Paulista nº 988/06 dispõe que é atribuição institucional da Defensoria Pública do Estado promover a "tutela do meio ambiente, no âmbito de suas finalidades institucionais" (artigo 5º, inciso VI, "e"), das quais a principal é a tutela jurídica dos necessitados (artigo 2º).

Entretanto, como o meio ambiente é um interesse difuso e, por isso, indivisível, não se limita a determinado grupo ou coletividade, o que nos leva a concluir que o citado dispositivo legal merece uma interpretação sistemática e ampliativa. Mas, mesmo que assim não se entenda, a legitimidade ativa está garantida, pois, como acima dissemos, dentre os beneficiados, com certeza estarão os economicamente necessitados, o que atende ao pressuposto legal.

Outrossim, não podemos negar que a parcela da sociedade que carece de maiores recursos financeiros está mais vulnerável e exposta às conseqüências oriundas da degradação ambiental, qualquer que seja a espécie do meio ambiente destruído (natural, cultural, histórico ou artificial).

Imagine o desmatamento em uma encosta que causa, na época das águas, o deslizamento de várias casas, cujos proprietários variam entres pessoas pobres e ricas, no sentido legal dos termos. Os ricos poderão transferir seus domicílios para outros imóveis que eventualmente possuam. Os pobres ficarão desabrigados. É um exemplo simples, mas que reflete a realidade brasileira de extrema desigualdade social. Esse mesmo raciocínio pode ser aplicado em outros casos trágicos, como nas enchentes decorrentes dos lixos lançados e acumulados nos rios, que atingem as populações ribeirinhas e acabam deixando os moradores desabrigados e despidos de seus pertences pessoais atingidos pelas águas.

Portanto, conclui-se que a tutela do meio ambiente beneficia a todos, mas principalmente os economicamente hipossuficientes.

Outro argumento que legitima a atuação da Defensoria Pública na defesa meio ambiente é o princípio do desenvolvimento sustentável que, por sua vez, representa o instrumento de adequação/compatibilização do processo de crescimento econômico com a proteção do meio ambiente, visando à sadia qualidade de vida das futuras gerações.

Consiste no equilíbrio entre crescimento econômico e proteção ambiental. É inegável que os sujeitos obrigados a atender a esse princípio sejam, em geral, aqueles que detêm capital para investimento econômico e que os "credores" são aqueles desprovidos desse capital, dos quais, a grande maioria, são "necessitados", marginalizados do sistema de industrialização e comercialização, cumprindo a Defensoria Pública o papel de exigir o cumprimento desse tão importante preceito constitucional (artigo 225).

Portanto, por todos esses motivos, não há como suprimir dessa Instituição Democrática a legitimidade ativa na tutela coletiva do meio ambiente.


7. Conclusão

A título de arremate, a pertinência temática é o liame substancial entre os fins institucionais e o objeto da tutela pretendida. Não se confunde com a representatividade adequada, tendo em vista a origem teleológica diversa desses institutos.

A pertinência temática, de raiz liberal-individualista, como espécie de limitação ao direito de ação coletiva, deve ter uma verificação flexível e ampla, sob pena de sacrificarmos o direito fundamental de acesso à Justiça.

Aliás, a legitimidade ativa da Defensoria Pública para propor ações coletivas, inclusive na tutela dos interesses difusos, segue a mesma tendência de ampliação, com a supressão gradativa dos obstáculos a ela impostos, num processo claro de democratização da Justiça, como forma de concretização dos direitos fundamentais e realização dos objetivos da República Federativa do Brasil.

O meio ambiente ecologicamente equilibrado, por sua vez, é um direito difuso, cuja proteção é dever da coletividade em concorrência com o Poder Público, dentro de um sistema integrado de proteção participativa e não excludente. Nesse contexto constitucional e legal, a Defensoria Pública tem legitimidade ativa para propor ações coletivas para a proteção do meio ambiente, uma vez que os necessitados serão inexoravelmente beneficiados, mormente se considerarmos que eles são mais vulneráveis às conseqüências decorrentes da degradação ambiental.


7. Bibliografia

ABELHA, Marcelo. Ação Civil Pública e Meio Ambiente. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003.

ARENHART, Sérgio Cruz. Perfis da Tutela Inibitória Coletiva. São Paulo: RT, 2003.

ARMELIN, Donaldo. Legitimidade para agir no Direito Processual Civil Brasileiro. São Paulo: RT, 1979.

ARRUDA ALVIM, José Manoel de. Curso de Direito Processual Civil. São Paulo: RT, 1972.

ARRUDA ALVIM, Thereza. O direito processual de estar em juízo. São Paulo: RT, 1996.

BARBI, Celso Agrícola. Comentários ao código de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 10.ed., v.1.

BARROSO, Luis Roberto. A proteção coletiva dos direitos no Brasil e alguns aspectos da Class Action Norte-Americana. São Paulo: RT, 2005, Revista de Processo, v 130.

BASTOS, Márcio Thomaz. Manifestação sobre o II Diagnóstico da Defensoria Pública no Brasil promovido pelo Ministério da Justiça e pelo Programa das Nações Unidas pelo Desenvolvimento, 2006.

BORÓN, Atílio. In: GALLIEZ, Paulo. A Defensoria Pública. O estado e a cidadania. 3.ed. Rio de Janeiro: Lúmem Júris, 2006.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

BULOS, Uadi Lammêgo. Mandado de segurança coletivo. São Paulo: RT, 1996.

CALMON DE PASSOS, J.J. Mandado de segurança coletivo, mandado de injunção, habeas data. Rio de Janeiro: Forense, 1989.

CAPPELLETI, Mauro e CARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução e revisão: Ellen Gracie Northfleet. Sérgio Antônio Fabris, 1998.

CARNAZ, Daniele Regina Marchi Nagai. Legitimidade ativa da Defensoria Pública na ação civil pública. Revista de Processo, 2007, REPRO 149, p. 157.

CARNEIRO, Wálber Araújo. Artigo: Processo e hermenêutica: a produção do direito como compreensão.

DIDIER JUNIOR, Fredie; ZANETI JUNIOR, Hermes. Curso de Direito Processual Civil – Processo Coletivo. V.4. Salvador-BA: Editora Podivm, 2007.

______________________________________________. Artigo: A legitimidade da Defensoria Pública para a propositura de ações coletivas.

DINAMARCO, Cândido Rangel. A Reforma da Reforma. 5.ed. Malheiros, 2003.

GIDI, Antônio. A Class Action como instrumento de tutela coletiva dos direitos. São Paulo: RT, 2007,

GOMES JUNIOR, Luiz Manoel. Curso de Direito Processual Civil Coletivo. São Paulo: Editora SRS, 2008.

GRINOVER, Ada Pellegrini e CALMON, Petrônio (org.). Direito Processual Comparado. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. São Paulo: RT, 2003.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 11. Ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública. São Paulo: RT, 2002.

MARANHÃO, Clayton e CAMBI Eduardo. Artigo: Partes e terceiros na ação civil pública por dano ambiental. Revista de Processo, RT.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio. Manual do processo de conhecimento. São Paulo: RT, 2001.

MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 16.ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

MILARÉ, Édis (coord.). Ação Civil Pública. São Paulo: RT, 2000.

___________________. Direito do ambiente. 3. Ed. São Paulo: RT, 2004.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993.

NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 7.ed. São Paulo: RT, 2002.

ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Ação afirmativa – O conteúdo democrático do princípio da igualdade jurídica. Revista de Direito Público, n º 15/85.

ROCHA, Luciano Velasque. Ações Coletivas – O problema da legitimidade para agir. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

SADEK, Maria Tereza. Acesso à Justiça. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, 2001.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. 6. Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 20. Ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

VENTURI, Elton. Processo Civil Coletivo. São Paulo: Malheiros, 2007.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Aluísio Iunes Monti Ruggeri Ré

Defensor Público do Estado de São Paulo. Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela Universidade de Ribeirão Preto - UNAERP. Membro do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania da DPESP. Autor do livro "A responsabilidade civil como um sistema aberto" (Editora Lemos e Cruz, 2007) e de vários artigos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RÉ, Aluísio Iunes Monti Ruggeri. A legitimidade ativa da defensoria pública na tutela coletiva do meio ambiente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1823, 28 jun. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11409. Acesso em: 23 dez. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos