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Inglaterra rediscute a descriminalização da maconha

21/06/2008 às 00:00
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A criminalização da posse de drogas para uso próprio é um tema muito complexo. Há vários modelos de política criminal nesse assunto. Os Estados Unidos se posicionam claramente pela criminalização (droga é um problema de Direito penal). Na Europa (de um modo geral) o assunto é tratado como uma questão de saúde pública (e particular). Lá se adota a política da redução de danos. Não se trata de um tema de competência da Justiça penal. A polícia não tem muito que fazer em relação ao usuário de drogas (que deve ser encaminhado para tratamento, quando o caso).

No Brasil temos o seguinte: a Lei 6.368/1976 enfocava esse fato como crime e o punia com pena de prisão (de seis meses a dois anos de detenção). Depois da Lei 11.343/2006 (no seu art. 28 passou a cominar penas alternativas, abandonando a velha política da pena de prisão) surgiu uma grande polêmica na doutrina e na jurisprudência. Três posições se destacam: (a) do STF (Primeira Turma – RE 430.105-RJ, rel. Min. Sepúlveda Pertence), entendendo que se trata de crime; (b) Luiz Flávio Gomes admitindo que se trata de uma infração penal sui generis (cf. GOMES et alii, Lei de Drogas Comentada, 2.e.d, São Paulo:RT, 2007, p. 145 e ss.) e (c) Alice Bianchini (para quem o fato não é crime nem pertence ao Direito penal).

A 6ª Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo (rel. José Henrique R. Torres) considerou que portar droga para uso próprio não é delito (caso Ronaldo Lopes – O Estado de S. Paulo de 23.05.08, p. A1). Mas se trata de um julgado minoritário.

Particularmente no diz respeito à maconha a Europa (quase unanimemente) não segue a política norte-americana (de repressão penal e policial). O porte para uso da maconha é visto como infração puramente administrativa. Em outras palavras: o porte de maconha para uso próprio foi descriminalizado.

O atual Governo britânico, entretanto (de tendência direitista, conservadora), acaba de voltar atrás em sua política de descriminalização da maconha. Walter Oppenheimer (em EL PAÍS de 08.05.08, p. 38) informa que o Governo tomou essa decisão, que agora vai para o Parlamento. A palavra final é do Parlamento, que pode (ou não) reclassificar a maconha (que na atualidade está no grupo C: drogas leves). Pretende-se que ela volte para o grupo B (drogas intermediárias).

Por quais motivos o governo conservador inglês atual deseja a mudança? Por razões políticas, puramente (ou seja: conquista de mais votos, simpatia com a mídia conservadora, satisfação dos votantes repressivos etc.). O Conselho Assessor sobre o Mau Uso de Drogas não concorda com essa alteração de posição. Para ele não há razão técnica ou científica para modificar a política de descriminalização da maconha. Sua periculosidade continua idêntica a um tranqüilizante e nada tem a ver com as drogas pesadas (cocaína, LSD, heroína, crack etc.). De outro lado, a maconha tem pouca importância no desenvolvimento de enfermidades psicotrópicas.

Na origem da descriminalização da maconha está a posição da própria polícia inglesa que dizia: porque perder tanto tempo com o usuário de drogas, se existem crimes graves que devem merecer a sua atenção. O retrocesso inglês, destarte, fundamenta-se numa orientação política (conservadora). A mídia que segue esta linha vinha fazendo muitas críticas à política (liberal) do governo anterior. O atual governo, assim, está jogando para essa mídia, para a parte conservadora da população.

A maior crítica contra essa nova postura (repressiva) do governo inglês reside na sua falta de base científica. Dizem: "se é para seguir a mídia conservadora, troquem os conselhos assessores por donos dos respectivos jornais".

Conclusão: é impressionante como a política criminal não consegue se desvincular da política partidária e ideológica. Cada pessoa, cada partido, tem sua visão do mundo. Assumido o poder, troca-se a política anterior para satisfazer seus interesses partidários. Nem sempre a ciência e a razoabilidade guiam as decisões governamentais. O vai-e-vem na questão das drogas reflete bem essa pendularidade das políticas públicas. Enquanto isso o chamado homo sapiens continua sabendo muito pouco sobre elas, sobre a prevenção do seu uso etc. De uma verdadeira política preventiva sobre o uso de drogas não se tem notícia. No dia em que se alcançar isso vai ser possível liberar totalmente a droga (como já se liberou o cigarro, a bebida alcoólica etc.).

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Sobre o autor
Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Luiz Flávio. Inglaterra rediscute a descriminalização da maconha. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1816, 21 jun. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11413. Acesso em: 20 dez. 2024.

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