Capa da publicação Teletrabalho e saúde mental: desafios pós-pandemia
Capa: Sora

O impacto das novas formas de trabalho nas relações trabalhistas.

Desafios e perspectivas no Brasil

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Resumo:


  • O artigo analisa os impactos das novas formas de trabalho, com destaque para o teletrabalho e as relações laborais brasileiras.

  • Examina as mudanças decorrentes da Reforma Trabalhista de 2017 e do contexto da pandemia de COVID-19, avaliando a resposta da legislação e destacando a formalização do trabalho remoto.

  • Identifica os principais desafios enfrentados pelos trabalhadores, com especial atenção aos efeitos na saúde mental, como isolamento, sobrecarga, dificuldade de desconexão e pressão por disponibilidade constante.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A Reforma Trabalhista e a pandemia ampliaram o teletrabalho no Brasil. Como a legislação protege o trabalhador diante do estresse, burnout e isolamento?

Resumo: Este artigo analisa os impactos das novas formas de trabalho, com ênfase no teletrabalho e nas relações laborais brasileiras. O estudo examina as mudanças decorrentes da Reforma Trabalhista de 2017 e do contexto da pandemia de COVID-19, avaliando a resposta da legislação e destacando a formalização do trabalho remoto. Identificam-se os principais desafios enfrentados pelos trabalhadores, com especial atenção aos efeitos na saúde mental. Fatores como isolamento, sobrecarga, dificuldade de desconexão e pressão por disponibilidade constante contribuem significativamente para o aumento de estresse, ansiedade e exaustão.

Palavras-chave: Teletrabalho, Reforma Trabalhista, Pandemia, CLT.


1. INTRODUÇÃO

O mundo do trabalho passou por transformações significativas durante a pandemia, quando o modelo tradicional de jornada fixa e local determinado foi substituído por modalidades mais flexíveis, com destaque para o teletrabalho. No entanto, essas mudanças trouxeram desafios jurídicos e sociais, especialmente no que se refere à proteção dos direitos trabalhistas e à regulamentação adequada dessas novas formas de trabalho.

Diante desse cenário, surgem questionamentos sobre a proteção dos direitos trabalhistas e a adequação da legislação brasileira a essas novas realidades. Este artigo busca analisar os impactos das novas formas de trabalho nas relações laborais, destacando os desafios e apontando possíveis caminhos para um futuro mais justo para os trabalhadores.

O presente trabalho tem como objetivo analisar os impactos nas modalidades de trabalho decorrentes da Reforma Trabalhista de 2017 e, subsequentemente, do contexto da pandemia de COVID-19. Pretende-se investigar se ocorreram transformações que provocaram mudanças significativas nas novas modalidades de trabalho. Para atingir esse objetivo, o estudo irá descrever as modificações que ocorreram no cenário laboral após a Reforma Trabalhista e durante o período pandêmico, relacionando-as com a contemporaneidade e destacando os impactos resultantes dessas transformações.

Para alcançar os objetivos, a metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica, com base em revisão de literatura de livros, periódicos e artigos científicos publicados em revistas eletrônicas. Os materiais foram selecionados conforme a relação de seus conteúdos com os descritores e o tema da pesquisa. Foram consultadas obras de autores clássicos e contemporâneos, e posteriormente foi realizada a organização lógica dos assuntos para a construção do texto.


2. A REFORMA TRABALHISTA DE 2017 E A REGULAMENTAÇÃO DO TELETRABALHO

O mundo vem passando por profundas mudanças, o que exige atualizações constantes na legislação para atender às novas realidades sociais e econômicas. No campo das relações laborais, essa necessidade já era discutida anos antes da sanção da Lei nº 13.467/2017 (KREIN; COLOMBI, 2019).

Nos anos 2000, o Brasil vivenciou um aumento do consumo e maior inclusão social, reflexo de uma reconfiguração das dinâmicas produtivas. Enquanto os trabalhadores ampliavam seu poder de compra, também enfrentavam jornadas mais longas e a expansão da terceirização. Nesse período, o governo e o Fórum Nacional do Trabalho propuseram, entre 2003 e 2005, uma reforma sindical e trabalhista, que, no entanto, não chegou a ser votada (TEIXEIRA, 2014 apud KREIN; COLOMBI, 2019).

Em 2013, decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) contrariaram posicionamentos tradicionais do Tribunal Superior do Trabalho (TST), como a aceitação de acordos coletivos em detrimento da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a revogação da ultratividade das cláusulas. O processo de flexibilização das normas continuou, impulsionado tanto por acordos sindicais quanto por transformações econômicas. Na prática, os empregadores passaram a exigir alterações formais nas normas reguladoras (KREIN; COLOMBI, 2019).

A crise econômica e política de 2015 contribuiu para o avanço de propostas que enfraqueciam direitos trabalhistas, como o Projeto de Lei 4330/2004, sobre terceirização. Após o impeachment em 2016, setores empresariais intensificaram o apoio a medidas que promoviam maior maleabilidade nas normas de contratação (KREIN; COLOMBI, 2019).

A Reforma Trabalhista de 2017, introduzida pela Lei nº 13.467, trouxe mudanças significativas na dinâmica entre empregadores e empregados. Algumas alterações serviram apenas para legitimar práticas até então irregulares. A legislação foi apresentada como uma atualização das regras vigentes, introduzindo novas formas contratuais, com destaque para o regime de teletrabalho, conforme estabelecido no Art. 75-A:

Art. 75-A .A prestação de serviços pelo empregado em regime de teletrabalho observará o disposto neste Capítulo.

Art. 75-B.Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.

Parágrafo único. O comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho.’

Art. 75-C. A prestação de serviços na modalidade de teletrabalho deverá constar expressamente do contrato individual de trabalho, que especificará as atividades que serão realizadas pelo empregado.

§ 1º Poderá ser realizada a alteração entre regime presencial e de teletrabalho desde que haja mútuo acordo entre as partes, registrado em aditivo contratual.

§ 2º Poderá ser realizada a alteração do regime de teletrabalho para o presencial por determinação do empregador, garantido prazo de transição mínimo de quinze dias, com correspondente registro em aditivo contratual. (BRASIL,2017)

Vale destacar que o trabalho remoto pode ocorrer de diferentes formas, considerando o local principal do teletrabalhador e o nível de conexão online entre este e seu empregador. Dessa forma, quanto ao local, o teletrabalho pode ser classificado como:

[...] em domicílio (home office): quando o trabalhador fixa o local de trabalho em sua residência, instalando ali pequena estação com acesso a meios de comunicação e utilizando de estrutura própria ou cedida pela empresa para prestar os serviços contratados. - em centros satélites: locais para trabalho pertencentes ao empregador, que não se constituem filiais (em seu conceito civil-fiscal). Estes locais não possuem estrutura organizacional (não há chefias, subordinados etc.), sendo meros espaços de apoio para prestação de serviços pertencentes unicamente à empregadora. - em telecentros: que diferem dos anteriores pelo fato de serem compartilhados (estrutura e recursos) entre duas ou mais empresas. - em telecottages: espaços (também) para trabalho, situados em regiões rurais ou de difícil acesso e, normalmente, de menor escolaridade, quase se confundindo com os telecentros, não fosse o particular de sua localização e a possibilidade de parcerias público-privadas para sua instalação (uma vez que a estrutura poderá servir, também, à educação e capacitação da população regional, contribuindo para o desenvolvimento de políticas públicas de emprego, por exemplo, notoriamente na modalidade EAD). Sua virtude é atrair mão de obra qualificada, naturalmente migrante aos grandes centros urbanos, para regiões que potencialmente sofrem com o êxodo laboral. - Móvel (ou nômade): nele não há determinação quanto ao local de prestação do serviço. Qualquer lugar pode ser espaço de trabalho, desde que o teletrabalhador disponha das ferramentas necessárias para tal (atualmente, um smartphone atende bem estas necessidades)

(FINCATO 2011 apud FINCATO, 2020 p. 36-48, p. 41-42.)

Hazan e Morato (2018) apresentam três requisitos para a caracterização do teletrabalho: a realização da atividade fora das instalações do empregador, o uso de meios telemáticos e a distinção em relação ao trabalho externo. Assim, o empregado pode comparecer às dependências do empregador para executar tarefas específicas, sem que isso descaracterize a natureza do teletrabalho. Por essa razão, essa modalidade, considerando o critério temporal, é classificada como permanente quando o tempo trabalhado remotamente ultrapassa 90% da jornada laboral.

As transformações nas relações laborais, impulsionadas por avanços tecnológicos e novas dinâmicas sociais — como a popularização do teletrabalho —, evidenciaram uma necessidade crítica: aprofundar a compreensão das especificidades de cada forma de atuação profissional. Esse entendimento detalhado é a base para a elaboração e constante atualização de normas e diretrizes regulatórias que sejam, de fato, eficazes. Não basta apenas criar regras; é imperativo que essas disposições reflitam a realidade dos trabalhadores, contemplando os riscos e desafios específicos, sejam eles físicos, ergonômicos ou, cada vez mais, psicossociais (FINCATO, 2011 apud FINCATO, 2020).


3. PANDEMIA E A SAÚDE MENTAL

A pandemia da COVID-19 impôs o trabalho remoto a milhões de brasileiros. Para muitos, essa modalidade foi uma experiência inédita, vivenciada de forma abrupta durante os primeiros meses de isolamento. Observou-se um aumento significativo na adoção do trabalho em casa, seguido por uma diminuição gradual à medida que as restrições foram sendo flexibilizadas. É importante ressaltar que, mesmo com seu crescimento contínuo, o acesso ao teletrabalho não foi universal. Ele se configurou como um privilégio para determinadas categorias de trabalhadores formais, tanto do setor público quanto do privado, geralmente com maior nível de escolaridade (ANTUNES et al., 2023).

A transição para o trabalho remoto impactou a saúde dos profissionais de diversas maneiras. A mudança de rotinas, o prolongamento das jornadas, o aumento da pressão por parte dos empregadores e a dificuldade em separar vida profissional e pessoal contribuíram para um desequilíbrio significativo. O isolamento também afetou negativamente a interação social, prejudicando o compartilhamento de conhecimentos. A comunicação entre colegas passou a ocorrer por meio de plataformas digitais, o que levou à sensação de “desumanização do trabalho” (ANTUNES et al., 2023, p. 6).

Segundo Antunes et al. (2023, pp. 6–7):

[...] A desorganização temporal, a extensão das jornadas de trabalho, a intensificação do trabalho, o aumento das cargas de trabalho, a invasão das ferramentas de comunicação e a interação online no domicílio, além da participação compulsória (estar sempre disponível), nos leva a indagar se estamos caminhando para uma maior precarização do trabalho. No caso brasileiro, este fator também pode estar associado à retirada da proteção da duração da jornada no teletrabalho (inciso III, Art. 62, Lei Nº. 13.467/2017). O legislador, ao desconsiderar os avanços tecnológicos que permitem aos empregadores controlar a localização do trabalhador, as atividades que estão desempenhando e os horários de início e fim do expediente, retira o direito à proteção da jornada de 8 horas diárias e 44 horas semanais prevista no art. 7º da Constituição Brasileira.

A partir do exposto, podemos perceber que, apesar da flexibilidade inerente ao trabalho remoto, muitos trabalhadores experimentaram um aumento da pressão, com metas mais exigentes e uma carga horária significativamente ampliada, o que pode ocasionar a precarização das condições laborais (ANTUNES et al., 2023).

O crescimento acelerado do teletrabalho durante a pandemia impulsionou o aumento de doenças relacionadas ao ambiente profissional. Sem tempo para adaptação, grande parte da população passou a desempenhar suas funções em espaços improvisados. As consequências diretas foram o desenvolvimento de posturas inadequadas, a intensificação de esforços físicos, a sobrecarga de atividades e a insuficiência de períodos de descanso (VIEIRA; DE BARROS, 2025).

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É importante considerar que o trabalho realizado em casa durante a pandemia se diferenciou do teletrabalho em condições normais, pois ocorreu de forma prolongada, involuntária e sob circunstâncias externas complexas. Essa conjuntura provocou níveis mais elevados de ansiedade entre os trabalhadores, agravados pelo contexto de crise sanitária e econômica vivenciado à época (BARROS et al., 2020 apud ANTUNES et al., 2023).

A ausência de limites claros entre o tempo dedicado ao trabalho e à vida pessoal pode levar à sobrecarga de tarefas, dificultando a desconexão e comprometendo o bem-estar emocional. O isolamento social, a falta de interação presencial com colegas e a pressão por disponibilidade constante são fatores cruciais para o aumento do estresse, da ansiedade e da exaustão mental. Diante desse cenário, torna-se essencial compreender os impactos do teletrabalho na saúde psicológica e buscar estratégias eficazes para mitigar seus riscos (DE MEDEIROS SIZENANDO; DE MEDEIROS TORRES, 2025).

A essa problemática somam-se os índices preocupantes de adoecimento por Síndrome de Burnout, a elevada prevalência de ansiedade e depressão, além do aumento nas reclamações trabalhistas que apontam doenças mentais ou emocionais relacionadas às exigências ocupacionais. Esses indicadores revelam que o ambiente de trabalho não apenas interfere nas condições financeiras, mas também exerce um impacto profundo na saúde física e emocional dos empregados. No contexto do home office, o isolamento social e a sensação de disponibilidade ininterrupta exacerbam esses desafios, evidenciando a urgência de políticas eficazes de proteção à saúde do trabalhador. Tais medidas são cruciais para prevenir o esgotamento extremo e garantir o bem-estar dos profissionais (DE MEDEIROS SIZENANDO; DE MEDEIROS TORRES, 2025).

Diante do exposto, o acompanhamento contínuo das legislações brasileiras relacionadas à segurança e à saúde no trabalho não é apenas uma formalidade, mas uma necessidade premente. É fundamental que normas como a NR-01 e a LDRT sejam constantemente avaliadas para garantir sua conformidade e relevância diante das rápidas transformações nas modalidades laborais. A evolução do mercado, impulsionada por novas tecnologias e formatos como o teletrabalho, acarreta impactos significativos na vida e na saúde dos trabalhadores, tanto física quanto mentalmente. Manter a legislação atualizada permite que o arcabouço legal reflita a realidade contemporânea, protegendo adequadamente os indivíduos e promovendo ambientes laborais mais seguros e saudáveis — independentemente de onde as atividades profissionais sejam executadas (BARROS et al., 2020 apud ANTUNES et al., 2023; BRASIL, 2023; BRASIL, 2024).


4. DESAFIOS JURÍDICOS DO TELETRABALHO NO CENÁRIO PÓS-PANDÊMICO

O teletrabalho oferece diversas vantagens, como o aumento da eficiência, a redução de custos para empresas e funcionários, a diminuição do trânsito e a melhora na qualidade de vida dos trabalhadores. Contudo, essa modalidade também apresenta desvantagens, incluindo o isolamento do colaborador — que pode prejudicar seu desenvolvimento profissional e o trabalho em equipe —, além de elevar o risco de vazamento de dados e gerar custos adicionais com equipamentos (SANTOS; FALCÃO, 2024).

Embora tenha sido formalmente reconhecido no sistema jurídico brasileiro pela Reforma Trabalhista de 2017, foi somente com a pandemia da COVID-19 que o teletrabalho se popularizou no país. No entanto, a legislação já apresentava sinais dessa modalidade: o artigo 6º da CLT, em sua redação de 2011, já fazia referência ao trabalho realizado fora das dependências do empregador, incluindo a distância e o domicílio, com destaque para a menção aos meios telemáticos em seu parágrafo único. Diante disso, a interpretação mais adequada do artigo 6º indica que, ao analisar casos de teletrabalho, o magistrado trabalhista deve, primeiramente, verificar a existência de acordos de jornada e determinar se o empregado está sujeito a horários fixos ou se sua atuação é aferida com base na entrega de relatórios e resultados. Em ambas as situações, contudo, uma legislação mais específica seria desejável. O ideal seria a criação de uma norma dedicada ao teletrabalho, considerando a diversidade de aplicações tecnológicas envolvidas (BRASIL, 2011; BRASIL, 2017; SANTOS; FALCÃO, 2024).

A Medida Provisória nº 927/2020 (BRASIL, D.O.U., 2020), editada durante o estado de calamidade pública, estabeleceu, em seu artigo 4º, a seguinte disposição: “o empregador poderá, a seu critério, alterar o regime de trabalho presencial para o teletrabalho, o trabalho remoto ou outro tipo de trabalho a distância.” A MP não entrou em conflito com a CLT, mas teve o efeito de reduzir as exigências burocráticas vigentes naquele período (SANTOS; FALCÃO, 2024).

É sabido que cabe ao empregador garantir condições adequadas para o desempenho das atividades laborais. Uma das preocupações recorrentes é que, no contexto do teletrabalho, essa responsabilidade não seja devidamente cumprida, resultando em adoecimentos e afastamentos. O Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região já proferiu decisões sobre essa temática:

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. DOENÇA PROFISSIONAL. CULPA DO EMPREGADOR. EMPREGADO EM DOMICÍLIO. O fato de o empregado trabalhar em domicílio não constitui, por si só, motivo para eximir o empregador da observância das normas de segurança e medicina do trabalho, colocando o trabalhador à margem da proteção legal que deve abranger “todos os locais de trabalho”, sem distinção (artigo 154 da CLT). É certo que não há como exigir do empregador, em semelhante circunstância, a fiscalização cotidiana dos serviços prestados, inclusive quanto à efetiva observância pelo empregado das normas de segurança e medicina, mesmo porque a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem o consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial, nos termos da garantia estatuída no artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal. Essa particularidade, sem dúvida, constitui elemento que vai interferir na gradação da culpa do empregador em relação a eventual doença profissional constatada, mas não permite isentá-lo do cumprimento de obrigações mínimas, como a de instruir os empregados quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais, nos termos do artigo 157, II, da CLT, além de fornecer mobiliário adequado, orientando o empregado quanto à postura correta (artigo 199 da CLT), pausas para descanso, etc. Verificado o descumprimento dessas obrigações primordiais pelo empregador, em face da sua omissão negligente no tocante aos cuidados com a saúde da empregada, é inegável a sua culpa no surgimento da doença profissional constatada, incidindo sua responsabilidade pela compensação do dano moral sofrido pela obreira.

TRT-00208-2006-143-03-00-2-RO.

A decisão transcrita, ainda que pontual, foi favorável ao trabalhador, destacando a preocupação com o bem-estar e com a responsabilidade do empregador para com o empregado, mesmo quando este se encontrar fora das dependências da empresa.

Em 27 de novembro de 2023, o Ministério da Saúde publicou a Portaria GM/MS nº 1.999, que atualiza significativamente a Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT). Esta nova versão, que substitui a anterior, de 1999, expande o número de códigos de doenças de 182 para 347, refletindo uma incorporação mais abrangente das enfermidades associadas às condições laborais na atualidade (BRASIL, 2023).

A LDRT é uma ferramenta indispensável, que desempenha papel crucial na saúde do trabalhador. Ela qualifica a atenção integral, aprimora o diagnóstico e a elaboração de projetos terapêuticos, além de facilitar o reconhecimento da relação entre o adoecimento e o ambiente profissional. Essencialmente, a lista orienta ações de vigilância e promoção da saúde, ao mesmo tempo em que fortalece o desenvolvimento de políticas públicas voltadas ao bem-estar dos trabalhadores, consolidando-se como um pilar fundamental da saúde ocupacional no país (BRASIL, 2023).

A atualização da Portaria nº 1.999 foi resultado de um processo robusto e colaborativo, dividido em cinco etapas. O trabalho envolveu discussões em oficinas técnicas, revisões e contribuições de instituições relevantes, como os Centros de Referência em Saúde do Trabalhador, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) e representantes da academia. Ademais, o texto foi submetido a consulta pública, garantindo a participação social e a transparência do processo (BRASIL, 2023).

A revisão periódica e a ampliação da LDRT não apenas atendem a uma exigência legal, mas também permitem o acompanhamento das transformações nos processos produtivos do país. Essas mudanças podem acarretar novas consequências para a saúde dos trabalhadores, e a lista atualizada garante que essas realidades emergentes sejam reconhecidas e tratadas de forma adequada (BRASIL, 2023).

Em agosto de 2024, foi publicada a Portaria nº 1.419, que visa aprimorar e atualizar as normas regulamentadoras relacionadas à segurança e saúde no trabalho. Em essência, essa portaria foi criada para reforçar o gerenciamento de riscos ocupacionais, com o objetivo de proteger ainda mais os trabalhadores e adaptar as normas à realidade atual do mercado e das tecnologias. A análise da NR-01, que trata das disposições gerais e do gerenciamento de riscos ocupacionais, evidencia que a legislação vem buscando acompanhar as mudanças nas formas de trabalho e seus impactos na saúde dos trabalhadores (BRASIL, 2024a).

O teletrabalho acentua fatores que comprometem a saúde mental, como o isolamento, a sobrecarga, a dificuldade de desconexão e a pressão por disponibilidade constante. A inclusão dos riscos psicossociais na NR-01 reforça a responsabilidade do empregador em gerenciar esses aspectos também para os trabalhadores em regime remoto (BRASIL, 2024a).

Embora a NR-01 não trate especificamente do teletrabalho, ela estabelece princípios gerais de segurança e saúde no ambiente laboral. As novas exigências relativas ao gerenciamento de riscos psicossociais impactam diretamente a forma como as empresas devem garantir um ambiente saudável, mesmo que remoto. Para os teletrabalhadores, essa inclusão exige que as organizações adotem medidas práticas integradas ao Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR). Não basta apenas reconhecer os riscos, como isolamento, sobrecarga e dificuldade de desconexão; é necessário identificá-los, avaliá-los e implementar estratégias eficazes de prevenção e controle. Isso pode incluir a criação de políticas claras de desconexão, a promoção de uma comunicação transparente sobre expectativas e horários, a oferta de suporte psicológico e a capacitação de lideranças para gerenciar equipes remotas com foco no bem-estar mental. O objetivo é construir um ambiente de trabalho remoto que minimize os fatores de estresse e promova a saúde mental, refletindo o compromisso do empregador com a integridade global de seus colaboradores (BRASIL, 2024a).

Segundo o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, em declaração feita em 24 de abril de 2025: “Durante esse primeiro ano, será um processo de implantação educativa, e a autuação pela Inspeção do Trabalho só terá início em 26 de maio de 2026.” Na mesma ocasião, foi anunciado o lançamento do Guia de Informações sobre os Fatores de Riscos Psicossociais Relacionados ao Trabalho. Para garantir a clareza e combater a desinformação, o diretor do Departamento de Segurança e Saúde no Trabalho do MTE, Rogério Araújo, informou que um manual com orientações técnicas detalhadas será disponibilizado em até 90 dias. O objetivo do material é esclarecer os procedimentos e aspectos regulamentados, coibindo a atuação de profissionais que possam se beneficiar da ausência de informações claras. A portaria que oficializa essas definições será publicada em breve (BRASIL, 2025).

Compreende-se que grandes mudanças exigem um tempo de adaptação por parte das empresas e dos próprios trabalhadores, o que justifica a concessão de períodos de transição. No entanto, quando essas transformações decorrem de impactos negativos significativos e urgentes à saúde dos trabalhadores — como o aumento dos casos de sofrimento mental no contexto do teletrabalho, marcado pelo isolamento e pela sobrecarga —, a extensão desses prazos torna-se um ponto crítico. Diante de consequências já expressivas e em expansão, é imperativo que ações imediatas de cuidado e proteção à saúde dos profissionais afetados sejam priorizadas e implementadas com maior celeridade. A lentidão na aplicação efetiva das normas pode resultar em um custo humano elevado, reforçando a necessidade de equilibrar a gradualidade da adaptação com a urgência das medidas protetivas (BRASIL, 2025).

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