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Súmula vinculante: teoria e prática

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24/06/2008 às 00:00
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4. As Súmulas Vinculantes e as primeiras reações

Idealmente, para seus defensores, partindo do pressuposto de ser a súmula o conjunto das teses jurídicas reveladoras da jurisprudência predominantede determinado tribunal, aquelas adotadas como vinculantes, como apontado anteriormente, seriam as a serem seguidas rigorosamente, conforme estabelecido no texto constitucional e na lei que regulamentou sua aprovação.

Ou seja, somente seriam "vinculantes" as súmulas aprovadas observando as disposições constitucionais e legais seguintes:

a)após reiteradas decisões;

b)sobre matéria constitucional;

c)aprovada por dois terços dos membros do Supremo Tribunal Federal;

d)tendo por objeto a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja, entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública, controvérsia atual que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre idêntica questão.

Essa a "teoria", quando posta em prática, quase sempre se mostra diferente.

Não se deve olvidar que o efeito vinculante dessas súmulas não se restringe somente aos demais órgãos do Poder Judiciário, mas também se aplica em relação à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

As três primeira Súmulas Vinculantes foram discutidas e aprovadas em 30 de maio de 2007, e todo o teor dessas discussões foi publicado no Diário Oficial da União de 13 de agosto de 2007, p. 18 a 23, sendo interessante conhecer os debates havidos naquela sessão de aprovação.

Constata-se, por exemplo, que apenas uma delas foi aprovadas unanimemente. Em duas das três, o Ministro Marco Aurélio divergiu.

As súmulas (as antigas, sem efeito vinculante) vinham desempenhado importante papel na aplicação da Justiça em nosso país, pois, desde 1963. A filosofia do Direito Romano por nós adotada, recebeu forte influências do Direito Francês, do Direito Alemão e do de outros países onde vigora o chamado direito anglo-saxônico. Isso não é de hoje, e quem acompanha os julgamentos do STF pela TV Justiça há de notar o que se traz de Direito estrangeiro e de Direito Comparado na fundamentação de cada Voto.

Contudo, não deve ter causado surpresa que surgissem manifestações contrárias à adoção das Súmulas Vinculantes, muitas dessas manifestações anteriormente, mesmo, à inclusão delas no nosso texto constitucional

Algumas podem ser meros estudos acadêmicos, ou destinadas a suscitar discussão ou provocar polêmica; outras, expressando ou repisando posições de quem sempre fora contrário à uniformização da jurisprudência. Não falta quem as considere não passarem de instrumento a serviço do arbítrio do poder executivo, se destinarem ou terem como inevitável conseqüência um grande prejuízo, com o envelhecimento e congelamento do Judiciário e a limitação do poder de juízes e tribunais decidirem conforme suas convicções.

Como eu escrevi no artigo de 12/6/2008 citado de início,

"Outros doutrinadores e magistrados entendem que é uma "ceifa" à liberdade de o juiz julgar conforme sua consciência, seu saber jurídico; que esclerosa a Justiça e manieta os juizes das instâncias inferiores; limita a ação da base da magistratura e vai contra a independência do magistrado, além de promover o engessamento da jurisprudência; viola a independência jurídica do juiz; robotiza as decisões dos nossos magistrados de 1º Grau; (....)".

Sustentam esse opositores mais ferrenhos às Súmulas Vinculantes que, uma vez sumulada, a matéria dispensa a presença do magistrado para decidir a causa, restabelecendo, quem sabe, a Lei das XII Tábuas (Leges duodecim tabularium ou Lex decemviralis) do antiquíssimo Direito Romano, que Jayme de Altavila ("Origem dos direitos e dos povos", Ícone editora, São Paulo) afirma ter sido o código "mais sucinto, mais autoritário e mais sincero" que já existiu.

Caso esteja de acordo com o disposto em Súmula Vinculante, o juízo a que a causa foi distribuída não tem alternativa à simples aplicação do conteúdo sumulado, sob pena de ver sua decisão impugnada por via de reclamação constitucional, feita diretamente ao Supremo Tribunal Federal.

Tudo fazia crer que a adoção de Súmulas Vinculantes teria relevante papel apenas para evitar que matérias já reiteradamente decididas voltassem a dar origem a recursos a todas as instâncias judiciais.

Se as 740 súmulas do STF levaram 40 anos para serem aprovadas, a prática que estamos observando é que a atual composição da Supremo vem se valendo do permissivo constitucional para tentar "cortar o mal pela raiz", sumulando de forma vinculante a maioria de suas decisões. Em menos de dois meses, do final de abril até o começa de junho, foram aprovadas mais sete ou oito (quando este artigo estiver publicado, possivelmente, outras terão sido aprovadas).

O Conselho Federal da OAB já resolveu questionar uma delas, a de nº. 5 (coincidentemente, o tema de meu artigo anterior). Ministros há que parecem estar se sentindo desconfortáveis com o arroubo verificado em propor nova Súmula Vinculante a cada processo ou grupo de processos julgado. Na assentada de 18 de junho último, a Ministra Cármen Lúcia valeu-se de um regozijo incontido de minutos antes, ao votar, do Ministro Carlos Britto ("essa decisão é inédita"), para repetir atitude antes assumida por outros pares, e indagar se estaria mesmo sendo observada a exigência constitucional de "reiteradas decisões", ou se isso poderia ser entendido ao se julgar de uma só vez cinco, dez ou mil processos da pauta temática.

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Uma dessas novas Súmulas Vinculantes, a de nº. 7, foi por transformação de uma das antigas, não vinculantes, de nº. 648 da própria Corte. Mesmo quanto a essa transformação, deve-se consignar a reiterada posição que vem adotando o Ministro Marco Aurélio, vencido todas as vezes no ponto, ao questionar, como regra, que "deva ser observado, na proposta de súmula vinculante, um procedimento mínimo, abrindo-se um processo administrativo para apreciação do verbete quanto à matéria e ouvindo-se a Comissão de Jurisprudência da Corte", como se pode ler no Informativo do STF nº. 510.

O Supremo Tribunal Federal, se não moderar esse ímpeto vinculante, pode desmerecer, involuntariamente, aquele instituto, ou torná-lo menos respeitado, enfraquecendo e desvalorizando as boas intenções e os anseios dos que propugnaram por seu advento. O Poder Executivo, ao abusar das Medidas Provisórias, claramente (e o próprio Egrégio STF já o declarou em entusiástico Voto do Ministro Celso de Mello), banalizou uma medida que fora imaginada para ser usada "em caso de relevância e urgência" (CF/88, art. 62).

Seria o caso de se indagar: por que não dar efeito vinculante a todas as 740 súmulas do STF? O desgaste e a crítica tenderiam a ser menores, porquanto se tem um consenso de que elas resultaram da amadurecida e demorada reflexão, em numerosos casos julgados, como se depreende da leitura do texto constitucional que as introduziu em nossa legislação. Da forma como está sendo feito, parece que são casuísticas e açodadas, tal como me pareciam ser as primeiras criticas às Súmulas Vinculantes.

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Sobre o autor
João Celso Neto

advogado em Brasília (DF)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CELSO NETO, João. Súmula vinculante: teoria e prática. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1819, 24 jun. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11425. Acesso em: 24 abr. 2024.

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