5. A Finalidade da Guerra, o Direito de Guerra e a Legitimidade dos Conflitos
O Direito Internacional foi concebido para regular as relações entre os Estados, incluindo a complexa questão dos conflitos armados. Tais conflitos frequentemente emanam de disputas e interesses divergentes, sendo abordados, em graus variados de eficácia, por normas internacionais. Embora a preferência seja invariavelmente por soluções pacíficas, certos diferendos, historicamente, não encontraram resolução sem o recurso à guerra.
O ordenamento jurídico internacional contemporâneo proíbe o uso da força como meio de solucionar disputas, incentivando o emprego de mecanismos pacíficos para evitar ações violentas e arbitrárias entre os países. Não obstante, o uso da força pode ser legalmente autorizado pelo Conselho de Segurança da ONU, órgão primariamente responsável pela manutenção da paz e segurança internacionais. Em etapas anteriores a um conflito armado, podem ser utilizados mecanismos de coerção como a retorsão, a represália e o rompimento de relações diplomáticas.
É importante notar que um conflito armado de caráter puramente interno a um Estado, envolvendo apenas civis, não se qualifica tradicionalmente como guerra no sentido interestatal, embora o Direito Internacional Humanitário possa regular aspectos de tais situações. Historicamente, a guerra não era universalmente vista como ilegal, mas sim como um atributo da soberania estatal. Atualmente, o Jus ad Bellum (o direito de recorrer à guerra) é reconhecido, mas sua legitimidade está condicionada à observância de critérios de justiça, licitude e conformidade com os tratados internacionais.
As Convenções de Haia de 1907 formalizaram importantes aspectos do direito de guerra (Jus in Bello), introduzindo princípios humanitários que continuam a balizar as ações dos beligerantes:
Limites em razão da pessoa: Proteção aos civis e proibição de ataques diretos contra eles.
Limites em razão do local: Os ataques devem ser dirigidos apenas a objetivos de relevância militar.
Limites em razão das condições (meios e métodos): Utilização de armas que não causem sofrimento desnecessário e proibição de certos métodos de combate.
O direito de guerra também contempla o princípio da neutralidade, permitindo a um Estado manter-se imparcial durante um conflito, protegendo sua integridade territorial e abstendo-se de tomar partido. Fundamentalmente, o Artigo 51 da Carta da ONU estabelece o direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva em caso de ataque armado, condicionando sua continuidade à ação do Conselho de Segurança e exigindo comunicação imediata das medidas tomadas.
Conflitos por poder e território figuram entre as causas mais antigas de guerra, com governos ou grupos buscando controlar áreas estratégicas para aumentar sua influência e segurança, como exemplificado pelas Guerras Napoleônicas ou pela anexação da Crimeia pela Rússia em 2014. Diferenças ideológicas e políticas também são causas comuns, podendo levar a guerras quando países ou facções internas divergem radicalmente sobre sistemas de governo, religião ou organização social, sendo a Guerra Fria um exemplo paradigmático.
5.1. A Ordem Jurídica Internacional e o Cenário Russo-Ucraniano
Conforme analisado em meu artigo "Direito internacional, direito de guerra e o atual cenário russo-ucraniano", o Direito Internacional Humanitário (DIH) é crucial, pois "regula a conduta dos beligerantes em conflitos armados, com o objetivo de limitar os efeitos da guerra por razões humanitárias". Ele sublinha que Estados e organizações internacionais, como sujeitos do Direito Internacional, possuem direitos e deveres, e o descumprimento destes acarreta responsabilidade pelos danos causados.
A invasão russa à Ucrânia serve como um exemplo contemporâneo contundente de como esses princípios são testados. A ação da Rússia levantou questões diretas sobre a responsabilidade internacional, dado que um Estado, por meio de seus órgãos, cometeu um ato ilícito. As sanções impostas por países ocidentais e pela União Europeia, juntamente com medidas como a expulsão de diplomatas, exemplificam mecanismos coercitivos que, embora possam ser considerados "mais imperfeitos" que os sistemas legais internos, buscam fazer valer as normas internacionais. A ausência de uma autoridade central no Direito Internacional, capaz de compelir os Estados a resolverem disputas, implica que as relações jurídicas internacionais se desenvolvem de forma predominantemente horizontal. A jurisdição da Corte Internacional de Justiça (CIJ), por exemplo, depende do consentimento explícito dos Estados envolvidos.
A questão do reconhecimento de Estados soberanos e a integridade territorial são vitais no conflito Russo-Ucraniano. A luta da Ucrânia por sua independência política e a não aceitação por outros Estados de territórios anexados pela Rússia têm implicações diretas na legitimidade e aplicação do Direito Internacional. A prolongada duração do conflito na Ucrânia evidencia a complexidade da aplicação prática dessas regras em um cenário onde "o poder é um elemento fundamental da política internacional".
A noção de que "o objetivo final da política internacional é a aquisição de poder e ações internacionais dos Estados são reguladas pelo princípio da acumulação de poder" é observável na postura de certos Estados, que utilizam ameaças para "intimidar inimigos". Este é o caso de países que buscam "manter o direito à autodeterminação" e se opõem à interferência externa, muitas vezes sendo "atacados" por essa postura. Apesar dos desafios, a importância da ordem jurídica internacional reside em estabelecer uma "nova moralidade global baseada na soberania nacional e nos direitos do Estado", com ênfase nos direitos humanos e no Estado de Direito constitucional. Contudo, a realidade do poder nas relações internacionais desafia essa "nova ética da globalização", tornando o cenário russo-ucraniano um laboratório contínuo para os limites e a eficácia do Direito Internacional.
6. Game of Thrones e Geopolítica Contemporânea: Reflexões Sobre Alianças, Conflitos e Estratégias Globais
As reflexões propostas em "Game of Thrones e geopolítica contemporânea" oferecem uma lente interpretativa para as dinâmicas da política internacional, utilizando a série ficcional como uma analogia para as disputas de poder, alianças e táticas que moldam o cenário global. Esta abordagem pode iluminar aspectos do confronto entre Irã e Israel e o contexto mais amplo de competição por influência no Oriente Médio e além.
A disputa hegemônica entre Estados Unidos e China pode ser comparada à luta pelo Trono de Ferro. Os Estados Unidos, como potência estabelecida (Cersei Lannister), que moldaram a ordem liberal pós-Segunda Guerra Mundial, empregam sua força militar, econômica e diplomática para preservar sua posição. A China, em rápido crescimento econômico e buscando maior protagonismo global (Daenerys Targaryen, que "procura estabelecer uma nova configuração de poder" e está disposta a "tomar medidas drásticas"), desafia esse domínio através de iniciativas como o "Belt and Road". Esta competição, estendendo-se à tecnologia e à esfera militar, reflete a busca por influência em um sistema internacional em transformação, onde atores como Irã e Israel também navegam suas próprias "lutas pelo poder" regionais, por vezes alinhando-se ou colidindo com os interesses dessas grandes potências.
A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e a União Europeia, alianças cruciais na arquitetura de segurança ocidental, enfrentam desafios à sua coesão em um mundo multipolar. Podem ser comparadas às "casas do Norte de Westeros – Stark, Bolton e Frey – [que] formam alianças instáveis para enfrentar ameaças externas". A OTAN, criada para conter a União Soviética (uma ameaça comparável aos Caminhantes Brancos), busca redefinir seu papel. Contudo, assim como alianças em Westeros se desfaziam quando interesses individuais se sobrepunham, a OTAN e a UE lidam com divergências internas, onde o interesse nacional pode prevalecer, como ilustrado pelas "traições de Roose Bolton" que enfraqueceram os Starks. A dinâmica de alianças e contra-alianças no Oriente Médio, envolvendo Israel, países árabes e o Irã com seu "Eixo da Resistência", também reflete essa complexidade e instabilidade.
A Rússia de Vladimir Putin, com sua política de projeção de "poder indireto" ou soft power assimétrico, é comparável a Lord Varys, o Mestre dos Sussurros. A Rússia emprega "manipulação da opinião pública, campanhas de desinformação, guerra cibernética e apoio a movimentos nacionalistas" para aumentar sua influência sem depender de confrontos diretos, similarmente a Varys, que operava nos bastidores. A anexação da Crimeia e as intervenções na Síria e Ucrânia exemplificam uma estratégia que "visa aumentar sua influência sem depender de confrontos diretos". No contexto do Oriente Médio, a Rússia desempenha um papel complexo, interagindo com todos os atores principais, incluindo Irã e Israel, buscando seus próprios objetivos estratégicos através de uma diplomacia multifacetada e, por vezes, de ações que espelham essa busca por influência sem engajamento militar massivo.
A Organização das Nações Unidas (ONU), concebida como guardiã da paz global para evitar conflitos de grande escala (assim como a Muralha em Westeros), frequentemente enfrenta limitações em sua capacidade de ação. Pode ser comparada à Patrulha da Noite, ressaltando que ambas são por vezes "negligenciadas e carecem de recursos suficientes para desempenhar plenamente suas funções". As grandes potências, ao priorizarem seus interesses nacionais, podem ignorar ou instrumentalizar a ONU, assim como "as casas de Westeros ignoraram os avisos sobre os Caminhantes Brancos". A dificuldade da ONU em implementar ações efetivas no conflito Irã-Israel, ou em outros focos de tensão no Oriente Médio, é acentuada pelo poder de veto de seus membros permanentes no Conselho de Segurança, refletindo divisões que impedem uma ação unificada, tal qual as divisões em Westeros.
A relação entre a Rússia e a OTAN é caracterizada por um contínuo jogo de influências e disputas, especialmente na Europa Oriental e na Eurásia. Após o colapso da União Soviética, a Rússia busca restabelecer sua influência, enquanto a OTAN expande sua presença. Esse conflito assemelha-se às disputas territoriais em Westeros, onde cada casa busca expandir suas terras. A expansão da OTAN é vista por Moscou como uma ameaça, e sua reação, como a anexação da Crimeia ou a guerra na Ucrânia, pode ser interpretada como uma tentativa de recuperar territórios e influências, similar "à de Stannis Baratheon em sua tentativa de retomar o Trono de Ferro". Embora focado na Europa, este "jogo de influências" tem repercussões globais, afetando o equilíbrio de poder e as atenções estratégicas que poderiam ser dedicadas a crises como a do Oriente Médio.
A transição para um sistema internacional multipolar, onde potências regionais como Índia, Brasil e Turquia assumem papéis mais proeminentes, encontra paralelo no final de Game of Thrones, onde o poder, antes centralizado, fragmenta-se "entre várias casas e líderes regionais, refletindo uma descentralização do poder global". A ascensão da Índia, por exemplo, é comparada a Bran Stark, que com "habilidades únicas [...] desempenha um papel essencial no novo equilíbrio de poder". Essa multipolaridade é evidente no Oriente Médio, onde atores como Irã e Israel, além de potências como Turquia e Arábia Saudita, buscam afirmar sua autonomia e influência, desafiando as estruturas tradicionais de poder e moldando a geopolítica regional de forma cada vez mais complexa.
No mundo real, alianças como a OTAN e a União Europeia enfrentam desafios, assim como as casas de Westeros. Os Estados Unidos, como a Casa Lannister, buscam manter sua posição, enquanto a China, como Daenerys, busca alterar a ordem. A Rússia, com táticas subversivas, espelha os métodos de Lord Varys e Petyr Baelish. No final da série, o poder é fragmentado, similar ao cenário internacional atual, onde a hegemonia unipolar é contestada. A "imprevisibilidade das alianças e das traições", central em Westeros, serve como um lembrete das constantes mudanças no cenário geopolítico, inclusive nas tensas relações entre Irã e Israel, onde alianças táticas e rivalidades profundas coexistem.
7. Conclusão
A escalada entre Irã e Israel, marcada pelo ataque direto iraniano em resposta ao bombardeio de sua embaixada em Damasco, representa um ponto de inflexão na complexa geopolítica do Oriente Médio. Este evento não é um fato isolado, mas a externalização de uma intrincada rede de guerras por procuração, motivações estratégicas de dissuasão e uma perigosa calibração de força que visou transmitir mensagens políticas e militares significativas sem, contudo, desencadear uma guerra total. O Hamas, neste contexto, embora com agenda própria, atua como um ator tático relevante para o Irã, inserido no "Eixo da Resistência" que busca desafiar a ordem regional e a influência ocidental.
A ação iraniana foi motivada pela percepção de um ataque direto à sua soberania nacional, levando à invocação do direito de legítima defesa sob o Artigo 51 da Carta da ONU. No entanto, a legalidade, necessidade e, sobretudo, a proporcionalidade de sua resposta massiva, assim como a legalidade do ataque inicial atribuído a Israel e a validade de sua justificativa de legítima defesa preventiva, permanecem intensamente debatidas na comunidade internacional. A análise à luz de princípios estratégicos clássicos, como os articulados por Sun Tzu, revela uma lógica subjacente às ações de ambos os lados, focada na gestão de riscos e na busca por alcançar objetivos de segurança e poder com custos gerenciáveis, por vezes aspirando a "obter a vitória sem lutar" no sentido de evitar uma conflagração devastadora. A estratégia iraniana de guerra por procuração, seguida pela "demonstração de capacidade" direta, reflete essa busca por resultados com envolvimento direto minimizado, visando à dissuasão.
Os impactos para a paz e segurança internacionais são alarmantes. O risco de uma guerra regional generalizada, impulsionado por erros de cálculo e pela fragilidade das comunicações, é considerável. A corrida armamentista na região, incluindo a potencial aceleração de programas nucleares, emerge como uma consequência direta do aumento das tensões, ameaçando os regimes de não proliferação. O Direito Internacional e a ordem baseada em regras encontram-se sob severa pressão, com precedentes perigosos sendo estabelecidos quando Estados agem unilateralmente. A erosão da legalidade e a desvalorização da proibição do uso da força pavimentam o caminho para um cenário global mais imprevisível.
Compreender a dinâmica dessas interações estratégicas é fundamental para lidar com os conflitos modernos. Isso inclui a ascensão do terrorismo e a frequente ineficácia de respostas militares diretas, bem como a complexidade de aplicar o Direito Internacional e o Direito Humanitário em meio a questões de soberania e poder, onde a responsabilização internacional é desafiadora.
A resposta da comunidade internacional, liderada por potências globais, é crucial para a desescalada. O foco deve recair sobre a contenção, a diplomacia e a reafirmação do Direito Internacional. A verdadeira "Arte da Guerra", como sugerem os estrategistas clássicos, reside em evitar o conflito sempre que possível e em resolver disputas por meios pacíficos. O futuro do Oriente Médio e da segurança global dependerá da capacidade dos atores estatais e internacionais de aplicar princípios de cautela e cálculo estratégico para reverter o ciclo de retaliação, investindo na diplomacia e na reconstrução da confiança, antes que o tabuleiro geopolítico regional e global mergulhe em um abismo de consequências imprevisíveis.
Referências Bibliográficas
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