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Primeiros apontamentos sobre o novo rito do júri (Lei nº 11.689/08)

04/07/2008 às 00:00
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Há aproximadamente dois anos (acossado pelos ataques do PCC à Capital paulista em 2006 e pela morte do menino João Hélio, no Rio de Janeiro, em 2007), o Congresso Nacional tem se debruçado na análise do "pacote da segurança pública" – um conjunto de projetos de lei relacionados ao tema que, de chofre, tem acarretado alterações no processo penal brasileiro.

A primeira lei sancionada pelo Presidente da República, nesse contexto, recebeu o número 11.689/08 e foi publicada em 10 de junho do corrente ano, com vacatio legis de 60 (sessenta) dias.

Trata o referido diploma de uma ampla e profunda reformulação do rito a ser obedecido no processo e julgamento dos crimes de competência do Tribunal do Júri.

A primeira alteração reside logo no artigo inaugural e prevê a citação do réu para que, em 10 (dez) dias, responda a acusação por escrito. Cuida-se, in casu, da introdução, no procedimento do Júri, da defesa preliminar, instrumento já utilizado, por exemplo, no âmbito dos processos afeitos a entorpecentes e vigente, também, nos casos de competência originária dos Tribunais (Lei nº 8.038/90).

A seguir, após a defesa, em cujo bojo deverá ser deduzida toda espécie de tese defensiva (e, por isso mesmo, ela é obrigatória – art. 408), inovou uma vez mais o legislador ao prever, no artigo 409, a réplica do Ministério Público ou do querelante (nas hipóteses de ação penal privada subsidiária da pública e de conexão entre crime doloso contra a vida e outro sujeito a ação penal privada), também à semelhança do que ocorre nos feitos que tramitam sob as regras da Lei nº 8.038/90.

Porém, talvez a maior novidade seja aquela que tem lugar no artigo 411, e que determina a realização de audiência una de instrução, debates e julgamento. Sendo assim, em uma mesma oportunidade o Juiz togado (que poderá ser o Presidente do Tribunal do Júri ou outro, a quem a lei de organização judiciária local atribuir competência para cuidar da 1ª fase do procedimento) procederá à oitiva do ofendido, das testemunhas de acusação e de defesa (nesta ordem), colherá esclarecimentos dos peritos (se for o caso, evidentemente), efetuará acareações, reconhecimento de pessoas e coisas, colherá o interrogatório do réu e determinará a realização de debates orais (alegações finais orais proferidas pelos representantes da acusação e da defesa, pelo prazo de 20 minutos cada, prorrogáveis por mais 10; havendo assistente de acusação, este terá a palavra por 10 minutos, também prorrogáveis, logo após a fala do Ministério Publico).

Encerrados os debates, poderá o Juiz proferir decisão imediatamente ou em 10 (dez) dias. Refere-se a lei, neste passo, à decisão de pronúncia, impronúncia, absolvição sumária ou desclassificação; deve-se ressaltar que, de acordo com as novas regras, a decisão de pronúncia nada mais será do que a decisão de recebimento da denúncia! Vale dizer: o juiz somente deliberará acerca da viabilidade da ação penal após a dilação probatória referida.

Importante asseverar, a esse propósito, que o novo regramento pretende imprimir celeridade ao procedimento, consignando, verbi gratia, que nenhum ato será adiado (salvo quando imprescindível a prova faltante – e isso é óbvio), que o magistrado determinará a condução coercitiva de ausentes e que poderá inquirir testemunhas que comparecerem, independentemente da suspensão da audiência.

Prevê, outrossim, um prazo máximo para conclusão dessa fase inicial: 90 (noventa) dias. Tal dispositivo, entretanto, tem caráter meramente pedagógico, já que em várias comarcas o acúmulo de feitos inviabilizará o cumprimento do interregno.

Ainda na parte relativa à instrução inicial, houve o legislador por bem em admitir, expressamente, as figuras da emendatio libeli e mutatio libeli (art. 411, § 3º).

E prosseguindo no judicium accusationis, constata-se que o artigo 415 está mais detalhado que o revogado artigo 411, no que concerne às hipóteses de absolvição sumária.

Novidade, também, no recurso cabível contra decisão de impronúncia ou de absolvição sumária – antes manejava-se Recurso em Sentido Estrito e agora deve-se utilizar a Apelação. Deve-se reconhecer, entretanto, que a alteração não se coaduna com o sistema recursal vigente, uma vez que tais juízos configuram meras prelibações, isto é, decisões interlocutórias que deveriam ser enfrentadas por Recurso em Sentido Estrito. Criou-se, portanto, exceção à sistemática do CPP, eis que o apelo destinava-se, via de regra, ao questionamento de decisões de mérito strictu sensu.

No respeitante à intimação da decisão de pronúncia, verifica-se que foi eliminada a chamada "crise de instância", situação ocorrente quando o réu pronunciado por crime inafiançável não era encontrado para referida cientificação, o que ocasionava a suspensão do processo até sua localização. Com o advento do parágrafo único do artigo 420, será possível a intimação por edital, modificação eficaz no combate à impunidade, sem sobra de dúvida.

Quanto à segunda fase do rito – o judicium causae – a primeira diferença a ser observada diz respeito à supressão do libelo (e como conseqüência, da contrariedade ao libelo). Segundo a lei em testilha, ao receber os autos, o Presidente do Tribunal do Júri determinará a intimação da acusação e da defesa para apresentação do rol das testemunhas (até cinco) que pretendem ouvir em plenário, juntada de documentos e requerimento de diligências.

Relativamente aos jurados, houve um redimensionamento do número dos alistados anualmente, tendo em vista o aumento populacional do país, além do aclaramento da função do magistrado no processo de recrutamento, constando do § 2º do artigo 425 o que na prática já se faz – envio de ofícios a associações de classe, clubes, universidades, sindicatos, etc, solicitando a indicação de pessoas aptas a assumir a condição de julgador leigo.

Outra importante alteração foi operada por intermédio do § 3º do artigo 126, de forma a incluir, entre as autoridades presentes no momento do sorteio dos jurados integrantes da lista geral, um representante da Secção local da OAB e outro da Defensoria Pública.

Ainda no tema "jurados": previu-se a dispensa automática daquele que serviu ao Júri nos 12 (doze) meses anteriores; a idade mínima caiu para 18 (dezoito) anos e a máxima elevou-se para 70 (setenta); o número mínimo de juízes de fato presentes para iniciar a sessão subiu para 25 (vinte e cinco); atualizou-se monetariamente a multa pelo não-comparecimento; criou-se a prestação de serviço alternativo para aqueles que, por convicções religiosas/filosóficas não quiserem exercer o múnus (dessa forma, doravante será possível o decreto de perda dos direitos políticos daquele que não aceitar a função de jurado e não cumprir a prestação alternativa); estabeleceu-se a condição de jurado como critério de desempate também em concursos públicos para provimento de cargos (e não apenas em licitações), bem como para efeito de promoção funcional ou remoção; estabeleceu-se isenção na prestação do serviço para duas novas categorias – servidores do Ministério Público e da Defensoria Pública; acrescentou-se entre os impedimentos a existência de união estável entre jurados; e inclui-se o teor da Súmula 206 do Supremo Tribunal Federal no inciso I do artigo 449.

Já nos procedimentos da sessão de julgamento, inovou o legislador ao permitir o julgamento à revelia do acusado de crime inafiançável que esteja solto e que tenha sido regularmente intimado.

No que tange às recusas imotivadas de jurados pretendeu-se evitar, na medida do possível, no caso de haver mais de um réu com advogados diferentes, técnica de defesa que, manejando as mencionadas negativas, permitia obter a cisão do julgamento inicialmente uno. Ocorre que agora somente se dará a separação se as recusas importarem na obtenção de menos de 7 (sete) jurados. Antes, bastava a discordância dos advogados acerca delas. Demais disso, o artigo 469 permite que as defesas convenham que um só defensor aceite ou rejeite jurados.

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Ao que parece, limitou-se, também, a leitura de peças, prática inútil e enfadonha, uma vez que o § 3º do artigo 473 circunscreveu os requerimentos de leitura às peças relacionadas às provas colhidas por carta precatória e às provas cautelares antecipadas ou não repetíveis.

De outro lado, reduziu-se o tempo destinado à dedução da acusação e da defesa – uma hora e meia, e uma hora para réplica/tréplica. Havendo mais de 1 (um ) acusado, duas horas e meia para acusação/defesa e duas horas para réplica e tréplica. Regulamentou-se, ademais, no artigo 497, inciso XII, a figura do aparte, delimitado em três minutos, os quais serão acrescidos ao tempo do aparteado.

Referindo-se à quesitação e à votação – tradicionais causas de anulação de sessões do Júri – a nova ordem simplificou ambos os procedimentos, trazendo o artigo 483 as balizas a serem obedecidas pelo Juiz-Presidente. Interessante notar que na ordem de questionamentos posta pelo novel diploma, a terceira pergunta endereçada aos jurados indagará se o réu deve ser absolvido, evitando-se, assim, em caso de resposta afirmativa, outros quesitos desnecessários. De resto, dando efetividade ao Princípio do Sigilo das Votações do Conselho de Sentença, estatui-se que, formada a maioria de quatro votos acerca de materialidade e autoria, não se colhem mais cédulas, obstando-se, portanto, a formação da unanimidade.

Havendo condenação, a prisão do acusado fica condicionada à presença dos requisitos da prisão preventiva e, resolvendo dúvida que assolava alguns, deferiu-se ao Juiz-Presidente a imposição de medida de segurança na hipótese de absolvição imprópria.

O desaforamento, por seu turno, recebeu discreta modificação: caberá o pedido se o julgamento não ocorrer num prazo de seis meses, contado do trânsito em julgado da decisão de pronúncia (antes o interregno era de um ano).

No que tange ao protesto por novo júri, foi ele extinto pelo artigo 3º da Lei em comento, o que foi motivo de aplauso de boa parte da comunidade jurídica, eis que, na prática, muitos juízes fixavam pena inferior a 20 (vinte) anos exatamente para evitar a realização de nova sessão de julgamento.

Dúvida que resta diz respeito ao reexame obrigatório da decisão que absolve sumariamente. Ocorre que não foi reproduzido o conteúdo do revogado artigo 411 que determinava a remessa ex officio do processo ao tribunal de apelação em situações de absolvição sumária. Poder-se-ia argüir a extinção pura e simples do "recurso obrigatório", mas o fato é que ele ainda consta do artigo 574, inciso II que, aliás, provavelmente por lapso do Legislativo, não foi corrigido, e continua se referindo ao art. 411, agora relacionado a audiência e não mais a absolvição sumária.

Finalmente, também espancando dúvidas, veio à lume o § 2º do artigo 492, segundo o qual caberá ao juiz togado aplicar os institutos despenalizadores da Lei 9.099/95 quando, ocorrendo desclassificação, houver infração de menor potencial ofensivo conexa.

Esses, em apertadíssima síntese, os novos traços do procedimento do Júri que, espera-se, sejam capazes de abreviar o tempo demandado para prestação jurisdicional, como pretendido pelo legislador, embora, como sói ocorrer no Brasil, o momento escolhido seja inadequado, posto que não se deve legislar, sobretudo em matéria criminal, sob o calor de pressões sociais.

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Sobre o autor
Ramon Gimenes Tavares

Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUC Campinas. Assessor de Procurador no Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TAVARES, Ramon Gimenes. Primeiros apontamentos sobre o novo rito do júri (Lei nº 11.689/08). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1829, 4 jul. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11460. Acesso em: 26 abr. 2024.

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