5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao final desse presente estudo, percebe-se a relevante dimensão, no contexto caririense, que o assassinato de José Duarte Pinheiro em 17 de março de 1857 provocou. A partir da análise de material bibliográfico e documental, restou evidente que o crime em questão abalou o Cariri cearense, terra já “acostumada” com muitos crimes, pelo fato de o assassínio ter sido perpetrado por um cidadão pobre em detrimento de um cidadão mais abastado.
De todo o modo, levando em consideração o contexto das lutas de classes, foram analisadas as diferentes hipóteses para as razões dos homicídios e se averiguou quais eram as mais plausíveis. Percebeu-se que, no caso em questão, a segunda hipótese para o assassinato (diferenças políticas entre vítima e algoz) era a menos plausível, em razão da disparidade econômica entre os dois indivíduos: um era um rico proprietário (José Duarte Pinheiro) e que, portanto, podia votar, enquanto que o outro, o homicida (João Dias de Oliveira), era um pobre livre o que, por sua vez, o caracterizaria como dependente de José Duarte. Desse modo, a outra hipótese (primeira) parece mais factível, já que a defesa da honra reside num interesse de classe relevante para os grupos subalternos, mesmo não estando diretamente ligada a fatores econômicos. Assim, é possível compreender que tal assassínio pode sim ser analisado por uma visão epistemológica marxista (contexto da luta de classes) adaptada à realidade sertaneja.
Por fim, quanto ao julgamento do homicida (João Dias de Oliveira), observou-se a pouca independência do poder judiciário local (juízes de direito eram todos nomeados pelo Imperador e estavam à mercê dos conchavos políticos locais). Por ser José Duarte Pinheiro um liberal e a política local ser dominada por conservadores, é possível compreender a hipótese do Jornal “O Araripe” de que a condenação do algoz de José Duarte (João Dias de Oliveira) ter sido atenuada por fatores políticos.
REFERÊNCIAS
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SCHWARZ, Roberto. Essencial: Roberto Schwarz. 1 ed. São Paulo: Penguin-Companhia, 2023.
Notas
1 Conforme consta no registro de óbito:
“José Duarte Pinheiro, branco, idade quarenta e nove anos, casado que era com Maria Isabel Tavares, morador que era no Sítio da Páscoa desta Freguesia do Crato faleceu, digo, foi assassinado em dezassete de março de mil oitocentos e cinquenta sete com um tiro que imprimiu duas balas no peito direito em dezassete de março de mil oitocentos e cinquenta sete, sem confissão, foi sepultado no dia seguinte no Cemitério Público desta cidade envolto em hábito preto e encomendado solenemente por mim Pároco abaixo assinado do que para constar mandei fazer este assento em que assino. Manoel Joaquim Aires do Nascimento (Pároco)”.
DEPARTAMENTO HISTÓRICO DIOCESANO PADRE ANTÔNIO GOMES DE ARAÚJO, Assentamentos de óbitos (1857), Crato: [s.n.], 1857.
2 Conforme consta no registro de casamento:
"Em treze de novembro de mil oitocentos e quarenta e quatro, no sítio Guaribas, desta freguesia do Crato, depois de feitas as denúncias de estilo, em presença das testemunhas abaixo assinadas, casei e dei bênçãos nupciais a José Duarte Pinheiro com Maria Isabel Tavares; e para constar fiz este assento. Padre Manoel Joaquim Aires do Nascimento (Pároco)”.
DEPARTAMENTO HISTÓRICO DIOCESANO PADRE ANTÔNIO GOMES DE ARAÚJO, Assentamentos de Casamentos (1844), [s.l.]: Crato, 1844..
3 Conforme consta no Registro Paroquial de Terras:
“466 Declaro eu José Duarte Pinheiro, que como Tutor de meo filho Joaquim possuo nesta Freguesia do Crato, foreira a Municipalidade desta Cidade huma posse de terras de plantações; cujo Sitio; do Nascente extrema com terras do Sitio Olho da Agoa; ao Poente com terras de Guaribas; ao Sul com terras do Sitio São Gonçalo; e ao Norte extrema na Serra do Araripe. Ignoro, que braças tem o Sitio de largura, e de fundo. São Gonçalo oito de Março de mil e oito centos e cincoenta e sete. José Duarte Pinheiro”
“467 Declaro eu José Duarte Pinheiro, que possuo nesta Freguesia do Crato, foreira [Fl. 104v] municipalidade desta Cidade no Sitio Pascoa huma posse de terras de plantações; cujo Sitio: ao Nascente extrema com São Gonçalo: ao Poente com a Serra Araripe: ao Sul com Guaribas, e José Romão: ao Norte com o Sitio Olho da Agoa. Ignoro, que braças tem de largura, e fundo. Pascoa dois de Março de mil e oito centos e cincoenta e sete. José Duarte Pinheiro”
“468 Declaro eu José Duarte Pinheiro, que como Tutor de minha filha Francelina possuo nesta Freguesia do Crato, foreira a municipalidade desta Cidade huma posse de terras de plantações; cujo Sitio: do Nascente extrema com terras do Sitio Olho da Agoa: ao Poente com terras do Sitio Guaribas: ao Sul com terras do Sitio São Gonçalo: e ao Norte extrema na Serra Araripe. Ignoro, que braças tem o Sitio de largura, e fundos. São Gonçalo dois de Março de mil e oito centos e cincoenta e sete. José Duarte Pinheiro”
“469 Declaro eu José Duarte Pinheiro, que como Tutor de meo filho Antonio possuo nesta Freguesia do Crato, foreira a municipalidade desta Cidade, huma posse de terras de plantações; cujo Sitio: do Nascente extrema com terras do Sitio Olho da Agoa: ao Poente com terras do sitio Guaribas: ao Sul com terras do Sitio São Gonçalo: e ao Norte extrema na Serra Araripe. Ignor, que braças tem o Sitio de largura, e de fundos. Crato dois de Março de mil e oito centos e cincoenta e sete. José Duarte Pinheiro [Fl. 105]”
“470 Declaro eu José Duarte Pinheiro, que possuo nesta Freguesia do Crato, foreira a municipalidade desta Cidade no Sitio Guaribas huma posse de terras de plantações; cujo Sitio; ao Nascente extrema com José Romão; ao Poente com a Serra Araripe; ao Sul com Cajaseiras, e Bebida nova; ao Norte com o Sitio da Pascoa. Ignoro, que braças tem de largura, e fundo. Pascoa dois de Março de mil e oito centos e cincoenta e sete Jose Duarte Pinheiro”
REGISTRO PAROQUIAL DE TERRAS (1857), Documentação proveniente do Arquivo Público do Estado do Ceará - APEC., Crato: [s.n.], 1857.
4 Conforme consta no Registro de Batismos:
“Luiz, escravo, filho legítimo de Alexandre e Dionísia, escravos de José Duarte Pinheiro, nasceu a vinte e um de abril de mil oitocentos e cinquenta e um e foi batizado com os Santos Óleos nesta Matriz do Crato por mim Pároco abaixo assinado em vinte e cinco de maio do mesmo ano: foram seus padrinhos Idelfonso Tavares e Joanna Paulina Tavares do que para constar mandei fazer este assento em que assino. Manoel Joaquim Aires do Nascimento (Pároco)”.
DEPARTAMENTO HISTÓRICO DIOCESANO PADRE ANTÔNIO GOMES DE ARAÚJO, Assentamentos de batismos (1851), Crato: [s.n.], 1851.
5 Segundo a Constituição do Império (1824), poderiam votar:
Art. 94. Podem ser Eleitores, e votar na eleição dos Deputados, Senadores, e Membros dos Conselhos de Provincia todos, os que podem votar na Assembléa Parochial. Exceptuam-se I. Os que não tiverem de renda liquida annual duzentos mil réis por bens de raiz, industria, commercio, ou emprego. II. Os Libertos. III. Os criminosos pronunciados em queréla, ou devassa.
BRASIL, Constituição Política do Império do Brazil de 1824. Rio de Janeiro: 1824.
6 “No dia 17 de março deste anno, foi assassinado em um dos arrabaldes da cidade do Crato um cidadão respeitavel e distincto, o proprietario José Duarte Pinheiro, por um seo morador que revelando má conducta, e sendo por elle repreendido, tomou aggravo disso, e foi in continenti esperal-o de emboscada por um caminho onde devia passar, e ahi disparou-lhe uma tiro certeiro sobre o coração, de que lhe resultou uma morte instantânea”.
DIÁRIO DO RIO DE JANEIRO, Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: [s.n., s.d.].