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A eficácia das normas jurídicas segundo a Teoria Geral do Direito

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11/08/2025 às 00:27
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Validade e eficácia são inseparáveis no Direito. Quando a norma é ineficaz, compromete a legitimidade do ordenamento?

Resumo: O ordenamento jurídico, segundo a Teoria Pura do Direito de Hans Kelsen, é concebido para ter eficácia social. Todavia, nem sempre o que propõe a norma se adequa ao mundo dos fatos. Cada norma ineficaz afeta, em grau variável, a legitimidade de todo o ordenamento jurídico. Validade e eficácia são conceitos difíceis de separar. Para que haja eficácia, é necessário o pressuposto da validade. A norma inválida não deve produzir efeitos. Existem, entretanto, situações em que os efeitos normativos convalescem em nome da segurança jurídica, conforme a legislação vigente. O que se pretende neste trabalho, além de esclarecer esses conceitos, é pesquisar, tanto no campo da doutrina estrangeira quanto no da doutrina nacional, as razões e a forma como a eficácia ou a ineficácia das normas jurídicas atinge o mundo jurídico e a sociedade civil.

Palavras-chave: Teoria Geral do Direito. Eficácia das Normas jurídicas. Validade e eficácia das normas. Filosofia do Direito. Aplicabilidade das normas jurídicas . A Eficácia do Direito. Direito e Moral. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Sumário: Introdução. 1. O Estado e Direito. 1.1. A Relação entre o Direito e o Estado. 2. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 2.1. A Constituição de 1988 – perspectivas e conquistas. 2.2. O equilíbrio de poder no âmbito da Constituição da República Federativa do Brasil. 3. A eficácia do Direito. 3.1. Os fatores reais de poder e o poder normativo da Constituição. Considerações finais. Referências.


Introdução

O ordenamento jurídico é elaborado para ter eficácia. Existem normas destinadas a cada campo das relações sociais em uma sociedade cada vez mais complexa. As relações são orgânicas; a divisão social do trabalho, por exemplo, carece de um fundamento para que ocorra efetivamente. Todavia, nem sempre o que propõe a norma se adequa ao mundo dos fatos.

Cada norma ineficaz retira, em certa medida, a legitimidade de todo o ordenamento jurídico. Uma sociedade sem ordenamento é uma sociedade desorganizada. A organização é própria do comportamento humano. Se o ordenamento estatal carece de eficácia, a sociedade tende a organizar-se informalmente, buscando o máximo de efetividade possível.

Essa discussão deve ser feita socialmente para que o ordenamento jurídico alcance os fins para os quais foi instituído. O que se pretende neste trabalho é pesquisar, tanto no campo da doutrina estrangeira quanto no da doutrina nacional, as razões e a forma como a eficácia ou a ineficácia das normas jurídicas afeta o mundo jurídico e a sociedade civil.

A doutrina acerca da aplicação das normas merece ser debatida, no sentido de aperfeiçoar o ordenamento jurídico e garantir o Estado de Direito. O objetivo é provocar debates acadêmicos sobre a questão, trazendo respostas doutrinárias, mas também formulando perguntas, evitando apenas a reprodução organizada de conhecimentos de diversos autores clássicos como se fossem incontestáveis. Além disso, busca-se fornecer instrumentos de aperfeiçoamento legal para o nosso tempo, por meio da própria discussão acadêmica do tema.

Inicialmente, abordam-se conceitos básicos, como os de Estado e de Direito, e a relação entre esses elementos, preparando o campo discursivo para a análise proposta. No segundo capítulo, estuda-se o ordenamento pátrio segundo sua norma fundamental, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988), verificando quais são os instrumentos nela previstos para dar eficácia aos valores consagrados em suas normas.

No terceiro capítulo, com base na Teoria Geral do Direito, são esclarecidos os conceitos de validade e eficácia das normas, bem como a forma pela qual se aplicam os valores presentes na norma jurídica, especialmente no âmbito da norma fundamental. Esse conhecimento permite compreender por que existem fatos sociais que divergem do ordenamento jurídico e de que maneira esse ordenamento modifica e é modificado pelo poder político.

O direito positivo, conforme exposto na doutrina, deixa claros seus princípios de hierarquia normativa, utilizando instrumentos simples e respaldados no meio social. O reconhecimento da norma fundamental, a Constituição, remonta aos princípios do Estado moderno, evoluindo, em relação ao antigo regime, na forma de produção e aplicação das normas jurídicas e de seus valores.

O pensamento de Kelsen inspira-se em Kant no que se refere à construção da ideia de liberdade transcendental. No período pós-Revolução Francesa, consolidou-se o valor jurídico da liberdade, enfatizando-se os chamados direitos constitucionais de primeira geração: a liberdade de ir e vir, o direito à propriedade e à livre iniciativa. Na obra de Kelsen, Teoria Pura do Direito, encontra-se um dos grandes fundamentos do Estado moderno: o princípio da legalidade como centro de uma estrutura jurídica que tem como base a norma fundamental, tendo como último fundamento o próprio ordenamento jurídico. O fundamento da liberdade transcendental é, em muitas Constituições, igualmente essencial. O antropocentrismo e a democracia moderna dos últimos séculos colocaram a ideia de liberdade como alicerce do Estado, embora definindo esse conceito a partir de suas normas, de seus poderes e de sua ideologia.

A ideia de Estado é historicamente construída. Os conceitos doutrinários sobre ela são numerosos, oriundos de épocas distintas e muitas vezes divergentes. A teoria das normas de Kelsen tem o mérito de unir ordenamentos tão diversos em uma disciplina, na unidade do Direito. Isso possibilita a construção de instrumentos para o estudo do Direito Internacional e de Estados supranacionais, por exemplo. Neste trabalho, abordam-se conceitos ligados ao mundo jurídico e ao mundo sociológico, propedêutica indispensável para compreender a relação entre o Direito e o Estado, bem como a eficácia ou a ineficácia das normas jurídicas.


1. O Estado e Direito

O Estado, como ente complexo, pode ser analisado sob várias óticas científicas, tanto no que diz respeito ao seu conceito quanto à sua origem. Sobre esta última, resume bem a doutrina a professora mestra Larissa Castro, in verbis:

Teoria da origem familial do Estado. É das mais antigas teorias sobre a origem do Estado. Fundamentam seus autores, no desenvolvimento e ampliação da família. Baseiam-se essas teorias, hoje adotadas por poucos autores, nas tradições e mitos de civilizações antiguíssimas e dividem-se em duas correntes: teoria patriarcal e teoria matriarcal. A teoria patriarcal busca sustentar que o poder político é derivado de um núcleo familiar onde a autoridade suprema reside na figura do ascendente varão mais velho. A sociedade política em tal caso representa a ampliação da família patriarcal. A teoria matriarcal sustenta que a primeira organização familiar teria emergido da autoridade materna. Foi defendida por Durkheim. Fundamenta -se no fato de que a genitora representava a autoridade mais relevante de uma organização familiar primitiva. (CASTRO, 2015, p. 4)

A mencionada mestra também faz referência à teoria contratualista, in verbis:

Sob denominação de teorias racionalistas, agrupam-se todas aquelas que justificaram o Estado como de origem convencional (pactual, contratual), isto é, como produto da razão humana. São as chamadas teorias contratualistas ou pactistas. Partem de um estudo das primitivas comunidades em estado de natureza. Concluem seus autores que a sociedade civil (o Estado organizado) nasceu de um acordo entre os indivíduos. (CASTRO, 2015, p.4)

No âmbito conceitual, “Encontrar um conceito de Estado que satisfaça a todas as correntes doutrinárias é absolutamente impossível”, afirma Dalmo de Abreu Dallari (DALLARI, 2009, p. 116).

Dalmo de Abreu Dallari, em Elementos de Teoria Geral do Estado, apresenta seu conceito de Estado como “a ordem jurídica soberana que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território”. O Estado é conceituado por Duguit, conforme menciona Dallari, como uma força material irresistível, atualmente limitada e regulada pelo direito. Estão presentes no mesmo agrupamento os conceitos de Heller, Burdeau e Gurvitch (DALLARI, 2009, p. 116-119).

Existem, entretanto, teorias que dão primazia ao elemento jurídico — denominadas teorias jurídicas —, mas que não desconsideram totalmente a presença da força no Estado, nem o fato de este ser uma sociedade política. Essas teorias afirmam que todos os demais elementos têm existência fora do Estado, mas só se compreendem como parte dele após sua integração em uma ordem jurídica. O mesmo ocorre com a força, que, para essas correntes, integra-se ao Estado na forma de Poder. Del Vecchio e Jellinek exprimem conceitos essencialmente jurídicos (DALLARI, 2009, p. 116).

No capítulo VI, item 6, de Teoria Pura do Direito, Hans Kelsen aborda a identidade do Estado e do Direito. Aponta, inicialmente, o Estado como ordem jurídica e preleciona que o conhecimento do Estado, não contaminado por elementos ideológicos, liberto de toda metafísica e de toda mística, não pode ser apreendido de outro modo senão concebendo uma figura social como uma ordem de conduta humana (KELSEN, 1998, p. 316).

O Estado, ainda, é usualmente concebido como organização política; porém, isso exprime apenas que o Estado é uma ordem de coação. O elemento político dessa organização, especificamente, consiste na coação exercida de indivíduo a indivíduo e regulada por esse ordenamento nos atos de coação por ele estatuídos — atos estes vinculados aos pressupostos definidos pela ordem jurídica.

Como organização política, o Estado é uma ordem jurídica; todavia, nem toda ordem jurídica constitui um Estado. Nem a ordem jurídica primitiva pré-estatal, nem a ordem jurídica internacional ou interestatal representam um Estado (KELSEN, 1998, p. 316-317).

Hans Kelsen conceitua, in verbis:

Para ser um Estado, a ordem jurídica necessita de ter o caráter de uma organização no sentido estrito da palavra, quer dizer, tem de instituir órgãos funcionando segundo o princípio da divisão do trabalho para criação e aplicação das normas que a formam; tem de apresentar um certo grau de centralização. O Estado é uma ordem jurídica relativamente centralizada. (KELSEN, 1998, p. 317).

Em suas Lições Preliminares de Direito, Miguel Reale afirma a existência de várias acepções para a palavra “Direito”. Acontece com ela o mesmo que ocorre com um vocábulo ligado à mudança no pensamento humano e na cultura: o passar dos séculos a molda, fazendo com que adquira muitas acepções, as quais devem ser discriminadas com cuidado (REALE, 2011, p. 61).

Uma boa maneira de esboçar seu conceito e iniciar seu estudo é recordar a teoria do mínimo ético. Essa teoria representa a relação entre Direito e Moral, traduzindo o mínimo de moral considerado obrigatório para que a sociedade possa sobreviver e manter o equilíbrio de poder. Sendo assim, o Direito não é algo distinto da Moral, mas uma parte desta (REALE, 2011, p. 42).

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A teoria do mínimo ético pode ser ilustrada por meio da imagem de dois círculos concêntricos: o círculo maior representando a Moral e o menor, o Direito. Haveria, portanto, um campo de ação comum a ambos, sendo o Direito envolvido pela Moral. De acordo com essa imagem, poderíamos dizer que tudo o que é jurídico é moral, mas nem tudo o que é moral é jurídico (REALE, 2011, p. 42).

Reale observa que, fora do moral, existe o imoral, mas também o considerado apenas amoral, ou indiferente à Moral. A mudança de normas técnicas, por exemplo — como as de trânsito ou de tráfego aéreo —, pode não influir de modo algum no campo moral. O autor aponta ainda diferenças em prazos processuais como normas amorais, bem como atos juridicamente lícitos que não o são do ponto de vista moral (REALE, 2011, p. 43). O eminente autor apresenta, então, uma proposta distinta à teoria do mínimo ético, utilizando-se dos mesmos instrumentos pedagógicos, in verbis:

Há, pois, que distinguir um campo de Direito que, se não é imoral, é pelo menos amoral, o que induz a representar o Direito e a Moral como dois círculos secantes. Podemos dizer que dessas duas representações – de dois círculos concêntricos e de dois círculos secantes – a primeira corresponde à concepção ideal, e a segunda, à concepção real, ou pragmática, das relações entre o Direito e a Moral. (REALE, 2011, p. 43).

A palavra “Direito”, como tratada no início deste tópico, possui várias acepções. “Ciência do Direito” é uma delas, traduzindo uma disciplina científica que, por muito tempo, recebeu o nome de Jurisprudência, designação utilizada no período romano. Atualmente, a palavra “jurisprudência” designa, estritamente, a doutrina firmada ao longo do tempo e coincidente com decisões judiciais ou administrativas (REALE, 2011, p. 62).

Dentro da “experiência jurídica”, o conceito implica a efetividade de comportamentos sociais em função de um sistema que também é designado “Direito”. O próprio ordenamento jurídico, em outra acepção, refere-se ao Direito que vigorou em períodos como o Império e a época colonial, caracterizando-se como fenômeno histórico-cultural. O estudo dessa experiência em seu desenvolvimento ao longo do tempo dá origem à História do Direito (REALE, 2011, p. 62-63).

O ideal de Justiça, relacionado à luta e aos embates pelo Direito, assume um caráter axiológico e também é expresso pela palavra “Direito”. Há, ainda, a perspectiva subjetiva, quando um sujeito de direito pode dispor do que lhe pertence (REALE, 2011, p. 63).

“O Direito é a ordenação bilateral atributiva das relações sociais, na medida do bem comum”, define Miguel Reale (REALE, 2011, p. 59). O autor explica que é característico do Direito ordenar a conduta de forma bilateral e atributiva, segundo uma proporção, para estabelecer relações de exigibilidade. A expressão “bem comum” busca traduzir a finalidade do Direito não como a simples satisfação recíproca entre indivíduos, mas como a busca de uma convivência ordenada voltada à coletividade.

O bem comum não é a soma dos bens individuais, nem a média do bem de todos; trata-se, rigorosamente, da ordenação daquilo que cada pessoa pode realizar sem prejuízo ao bem alheio, compondo harmoniosamente o bem de cada um com o bem de todos (REALE, 2011, p. 59).

O Direito, como ordenamento normativo, é um dos significados mais relevantes ligados à Teoria do Estado e à Política. Na condição de ordenamento coativo normativo, relaciona-se a expressões como “Direito positivo italiano”, abrangendo um conjunto de normas de organização e de conduta humanas. Nessa perspectiva positiva, constitui uma unidade, um sistema cujo objetivo é regulamentar as relações fundamentais para a convivência e sobrevivência sociais (BOBBIO et al., 2000, p. 349).

O jurista assevera que essas normas têm como finalidade precípua impedir ações que possam levar à destruição da sociedade. Ressalta que o caráter específico do ordenamento jurídico, frente a outros ordenamentos normativos — como moral social, costumes, jogos e desportos —, consiste no fato de que o Direito recorre, se necessário, à força física para garantir o respeito normativo e a eficácia. Afirma, ainda, que a ligação entre o Direito, visto como ordenamento normativo, e a Política torna-se tão estreita que leva a considerá-lo o principal instrumento pelo qual os vetores políticos, detentores do poder dominante em determinada sociedade, exercem o próprio domínio (BOBBIO et al., 2000, p. 349).

Dotado de diversas acepções, o Direito demonstra que seus conceitos fundamentais, atribuídos à mesma palavra ao longo do tempo, revelam aspectos ou elementos complementares na experiência jurídica. Um estudo minucioso dos diferentes sentidos do termo evidenciou três aspectos básicos presentes em qualquer momento da vida jurídica: o normativo, o axiológico e o fático. A estrutura tridimensional do Direito, ou sua tridimensionalidade, tem sido objeto de muitos estudos, culminando na formulação de uma teoria. Segundo Reale, onde quer que haja um fenômeno jurídico, há um fato subjacente, um valor e, por fim, uma norma ou regra. Esses elementos, dimensões ou fatores não existem separadamente, mas formam uma unidade concreta de coexistência (REALE, 2011, p. 62-67).

Esse processo jurídico obedece à forma denominada “dialética de implicação polaridade” ou “dialética de complementaridade”, que não se confunde com a dialética hegeliana ou marxista dos opostos. O fato e o valor se correlacionam, mantendo-se irredutíveis um ao outro (polaridade), mas exigindo-se reciprocamente (implicação). Dessa relação, origina-se a estrutura normativa de realização do Direito (REALE, 2011, p. 67).

Nesse contexto, Sahid Maluf apresenta brevemente algumas divisões gerais do Direito: Direito Natural e Direito Positivo; Direito Público e Direito Privado. Afirma que cada um dos ramos derivados do Direito Positivo se subdivide em outros. O Direito Público se divide em Internacional e Interno, sendo este subdividido em Constitucional, Administrativo, Penal, Processual ou Judiciário, Trabalhista e Financeiro. Já o Direito Privado divide-se em Internacional e Interno, sendo o interno classificado como Civil ou Comercial (empresarial). O autor ressalta que considerou apenas os ramos principais do Direito Público Interno que constituem disciplinas autônomas nos currículos das faculdades (MALUF, 2009, p. 9).

1.1. A Relação entre o Direito e o Estado

Em Teoria Geral do Estado, Sahid Maluf expõe a relação entre Estado e Direito. Afirma que o Estado é uma organização destinada a manter, pela aplicação do Direito, as condições universais de ordem social. Já o Direito é o conjunto das condições existenciais da sociedade, que cabe ao Estado assegurar. Para o estudo do fenômeno estatal, tanto quanto para a iniciação na ciência jurídica, o primeiro problema a ser enfrentado é o das relações entre Estado e Direito (MALUF, 2009, p. 1).

Na introdução de Elementos de Teoria Geral do Estado, Dalmo de Abreu Dallari afirma que esse estudo não se enquadra no âmbito das matérias estritamente jurídicas. Entre os objetos da Teoria Geral do Estado, não deixa de apreciar os aspectos jurídicos, mas, além disso, aborda também aspectos não jurídicos. Dedica-se ao estudo do Estado em sua totalidade, detendo-se apenas quando surge o direito legislado, ou seja, formalmente positivado (DALLARI, 2009, p. 2).

Prosseguindo sua introdução, Dallari aponta que, no século XIX, desenvolveu-se, especialmente na Alemanha, um trabalho de sistematização jurídica dos fenômenos políticos. Teve especial importância a obra de Gerber, Fundamentos de um Sistema de Direito Político Alemão, publicada em 1865, que exerceu grande influência sobre outro notável alemão, Georg Jellinek, a quem se deve, afinal, a criação de uma Teoria Geral do Estado como disciplina autônoma, tendo por objeto o conhecimento do Estado. A obra fundamental de Jellinek, intitulada precisamente Teoria Geral do Estado, foi publicada pela primeira vez no ano de 1900, alcançando, desde logo, notável repercussão (DALLARI, 2009, p. 5).

Sahid Maluf, em obra previamente citada, demonstra como se organizam os posicionamentos sobre a fonte da norma em três grupos: monismo, dualismo e paralelismo.

A teoria monística — também chamada monista ou do estatismo jurídico — considera que o Direito e o Estado confundem-se em uma só realidade. Afirma que existe apenas o Direito estatal, sendo este a única fonte do Direito. Nessa perspectiva, a teoria monista atribui ao Estado a exclusividade da “força coativa”. Tem como precursores Hegel, Hobbes e Jean Bodin; foi desenvolvida por Rudolf von Ihering e John Austin, alcançando sua máxima expressão com a escola técnico-jurídica liderada por Jellinek e com a escola vienense de Hans Kelsen (MALUF, 2009, p. 1).

A teoria dualística — ou dualista, também chamada pluralística — sustenta que o Estado e o Direito são realidades distintas, independentes e inconfundíveis. Para os dualistas, o que provém do Estado é apenas uma categoria do Direito: o direito positivo. Além dele, existem os princípios do direito natural, as normas de direito costumeiro e as regras firmadas na consciência coletiva, que tendem a adquirir positividade e que, nos casos omissos, devem ser acolhidas pelo Estado para receber juridicidade. No campo do Direito não escrito, inclui-se também o Direito canônico, que independe da força coativa do poder civil, sendo apontadas diversas situações por seus defensores (MALUF, 2009, p. 2).

O dualismo — ou pluralismo —, partindo de Gierke e Gurvitch, ganhou força com a teoria de Léon Duguit, que condenou formalmente a concepção monista, admitiu a pluralidade das fontes do Direito positivo e demonstrou que as normas jurídicas têm origem no corpo social, segundo menciona Maluf (MALUF, 2009, p. 2).

Maluf acrescenta que o pluralismo se desdobrou nas correntes sindicalistas e corporativistas e, principalmente, no institucionalismo de Hariou e Rennard, culminando com a relevante e vigorosa doutrina de Santi Romano, que lhe conferiu alto grau de precisão científica (MALUF, 2009, p. 2).

Após o desenvolvimento da teoria dualista, surge a teoria do paralelismo, que vê o Estado e o Direito como realidades distintas, porém interdependentes. Procurando solucionar a antítese monismo-dualismo, adota a concepção racional da “graduação da positividade jurídica”. Entre seus defensores, destaca-se Giorgio Del Vecchio, eminente mestre de Filosofia do Direito na Itália (MALUF, 2009, p. 3).

Para esses pensadores, a teoria do pluralismo reconhece a existência do Direito não estatal. Vários centros de determinação jurídica surgem e se desenvolvem fora do Estado, obedecendo a uma graduação de positividade. Sobre todos esses centros particulares do ordenamento jurídico, prepondera o Estado como centro de “irradiação da positividade” (MALUF, 2009, p. 3).

A concepção do Estado como pessoa jurídica é uma questão amplamente discutida nos âmbitos jurídico, sociológico e político. Dallari afirma que tal concepção representa um extraordinário avanço no sentido da disciplina jurídica do interesse coletivo. Essa noção de personalidade jurídica do Estado também promove a conciliação entre o político e o jurídico. A ideia do Estado como pessoa jurídica já aparece na obra de Savigny (DALLARI, 2009, p. 121).

Ao discorrer sobre o Estado como pessoa jurídica — isto é, como sujeito titular de direitos e deveres —, Kelsen compara o referido problema àquele que se coloca para a corporação como pessoa jurídica. Afirma que o Estado também é uma corporação: uma comunidade constituída por uma ordem normativa que cria órgãos, os quais funcionam segundo a divisão do trabalho (KELSEN, 1998, p. 321).

A ordem jurídica constitutiva do Estado, para se diferenciar da ordem internacional, é denominada nacional, estadual ou estatal (KELSEN, 1998, p. 321). O jurista conclui que:

Assim como a corporação constituída por um estatuto fica subordinada à ordem jurídica estadual que lhe impõe deveres e confere direitos – tratando-a como uma pessoa jurídica – assim também o Estado pode ser olhado como estando subordinado à ordem jurídica internacional que, tratando-o como uma pessoa jurídica, lhe impõe deveres e confere direitos. E, assim, tal como sucede em relação à corporação que se encontra subordinada à ordem jurídica estadual, também em relação ao Estado, como corporação submetida ao Direito Internacional, pode fazer-se distinção entre deveres e direitos externos e internos: os primeiros são estatuídos pelo Direito internacional, os outros são estatuídos pela ordem jurídica estadual. (KELSEN, 1999, p. 321-322).

Essas teorias, chamadas ficcionistas, entendem a personalidade jurídica do Estado como uma ficção jurídica, produto de uma convenção que se justifica apenas por motivos de conveniência prática. Todavia, outra ordem de teorias — as denominadas realistas — afirma a existência real do Estado como pessoa jurídica (DALLARI, 2009, p. 122).

Segundo Dallari, a visão realista de caráter científico acerca da personalidade jurídica do Estado é criação de publicistas alemães, entre os quais se destacam Albrecht, Gerber, Gierke, Laband e Jellinek (DALLARI, 2009, p. 122).

Este trabalho adota a concepção da personalidade jurídica do Estado, a fim de possibilitar as análises necessárias sobre a existência, validade e eficácia do direito por ele produzido.

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Sobre o autor
Heros Hegel Ladeia Maciel

Especialista em Direito Constitucional e Tributário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACIEL, Heros Hegel Ladeia. A eficácia das normas jurídicas segundo a Teoria Geral do Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8076, 11 ago. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/114645. Acesso em: 5 dez. 2025.

Mais informações

Trabalho elaborado como atividade do curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), em abril de 2018.

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