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Falta disciplinar grave como fator de interrupção de lapso temporal de cumprimento de pena.

Interpretação equivocada da LEP

08/07/2008 às 00:00
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Resumo: A interrupção de lapso de tempo de cumprimento de pena privativa de liberdade em virtude de prática de falta disciplinar de natureza grave dentro de unidade prisional representa uma equivocada interpretação do sistema progressivo brasileiro, por confundir inadvertidamente a regressão de regime como uma forma de punição.


Introdução

A reforma do sistema penal, ocorrida em 1984, se deu pela edição das Leis 7.209/84 e 7.210/84. A primeira, como se sabe, modernizou a Parte Geral do Código Penal, enquanto a segunda instituiu a Lei de Execuções Penais no ordenamento jurídico, jurisdicionalizando, doravante, o jus exequendi estatal, outrora relegado apenas à discricionariedade da administração penitenciária.

Dentre as inovações promovidas pela nova sistemática se encontra o sistema progressivo de penas, antes não previsto.

Desta forma, a partir da referida reforma, a execução penal no Brasil se divide, no que tange à pena privativa de liberdade, em três regimes: fechado, semi-aberto e aberto, não sendo possível mais imaginar uma o cumprimento de uma reprimenda de modo estático.


Os Efeitos da Falta Disciplinar Grave no Sistema Progressivo

É cediço que muitos juízes e tribunais pátrios, máxime o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, utilizam a falta disciplinar de natureza grave praticadas por reeducandos dentro do sistema prisional (artigos 50 a 52 da Lei de Execuções Penais – LEP) como fator de interrupção de lapso temporal para a progressão de regimes, livramento condicional e até mesmo indulto/comutação de penas.

Não é demais lembrar que as normas que tratam dos institutos despenalizadores na execução penal, por se relacionarem diretamente com o jus exequendi estatal, têm a natureza jurídica de lei penal e a elas, portanto, aplicam-se os limites traçados pelos princípios e remédios constitucionais pertinentes ao tema.

O argumento utilizado para embasar a referida interrupção é o de que a LEP prevê a regressão do sentenciado que está em regime prisional mais brando (artigo 118, inciso I) quando este comete falta disciplinar grave e, ipso facto, não seria justo, em uma interpretação tacanha da lei, se o reeducando que cumpre pena no regime fechado não sofresse a interrupção de lapso para eventual promoção de regime.

Esta corrente parte do entendimento equivocado de que a regressão é uma punição ao condenado por pena privativa de liberdade e de que a progressão de regime, em uma lógica comezinha, é um benefício previsto na Lei de Execuções Penais.

Ainda que aludido entendimento representasse a exegese correta do sistema progressivo da LEP, seria forçoso ainda reconhecer que a interrupção de lapso por falta grave seria um desvirtuamento teratológico do sistema penal e dos princípios garantistas adotados pela Carta Magna e pela própria LEP, na medida em que se aplicaria uma analogia in malam parte proscrita pela dogmática penal moderna.

Neste sentido:

"Por outro lado, ao juiz que vai aplicar as leis penais é proibido o emprego da analogia ou da interpretação com efeitos extensivos para incriminar algum fato ou tornar mais severa sua punição. As eventuais falhas da lei incriminadora não podem ser preenchidas pelo juiz, pois é vedado a este completar o trabalho do legislador, para punir alguém". (DELMANTO, Celso. Código penal comentado. 5ª ed. atual. e ampl., Rio de janeiro: Renovar, 2000, p. 04).

Contudo, como já ressaltado, os entendimentos de que a regressão é punição e de que a progressão de regimes é benefício são manifestamente incorretos, pois os referidos institutos são formas de execução da pena privativa de liberdade, em que a ausência ou a presença do mérito do sentenciado será sempre o fator preponderante para o magistrado decidir num ou noutro caso.

Neste sentido se posiciona a doutrina pátria:

"Se por um lado o mérito do condenado, detectado no cumprimento da pena, autoriza a progressão até que alcance a liberdade definitiva, a ausência de mérito é causa determinante de sua regressão, que implicará a ordem inversa da progressão". (MARCÃO, Renato. Curso de execução penal. 4ª ed. Ver. e atual., São Paulo: Saraiva, 2007).

Corroborando esta posição, podem ser citados também vários tópicos da Exposição de Motivos da LEP, como os abaixo transcritos, in verbis:

n. 118

"O projeto dispõe que o regime inicial de execução da pena privativa de liberdade é o estabelecido na sentença de condenação, com a observância do art. 33 e seus parágrafos do Código Penal (art. 110). Mas o processo de execução deve ser dinâmico, sujeito a mutações. As mudanças no itinerário da execução consistem na transferência do condenado de regime mais rigoroso para outro menos rigoroso (progressão) ou de regime menos rigoroso para outro mais rigoroso (regressão)" (sem destaque no original).

n. 119 "A progressão deve ser uma conquista do condenado pelo seu mérito e pressupõe o cumprimento mínimo de um sexto da pena no regime inicial ou anterior. A transferência é determinada somente pelo juiz da execução, cuja decisão será motivada e precedida da Comissão Técnica de Classificação (...)" (sem destaque no original).

n. 120 "Se o condenado estiver no regime fechado não poderá ser transferido diretamente para o regime aberto. Esta progressão depende do cumprimento mínimo de um sexto da pena em regime semi-aberto, além da demonstração do mérito, compreendido tal vocábulo como aptidão, capacidade e merecimento, demonstrados no curso da execução" (sem destaque no original).

Conquanto a Exposição de Motivos de uma lei não possua qualquer força normativa, tampouco vinculante, é inquestionável seu caráter de vetor interpretativo, no qual o hermeneuta poderá buscar o melhor sentido da norma para aplicá-la ao caso concreto.

Por outro lado, seguindo este entendimento de que tanto a regressão como a progressão são formas de execução de pena, chega-se à fácil conclusão de que o sistema da LEP não prevê a interrupção de lapso por falta grave, nem mesmo com a regressão de regime.

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Com efeito, o que a LEP exige, quando o magistrado determina a regressão do sentenciado, para uma nova progressão de regime, é o cumprimento de novo lapso temporal pela pena remanescente, da mesma forma que ocorre com o sentenciado promovido do regime fechado para o semi-aberto, pois para que este consiga uma nova progressão, doravante para o regime aberto, é necessário também o cumprimento de novo lapso temporal pela pena remanescente; e, nesta última hipótese, ninguém se atreve a dizer que houve interrupção de lapso.

Destarte, a necessidade de cumprimento de um novo lapso temporal em caso de regressão, como requisito objetivo exigido pela lei para uma nova progressão de regime, nada mais é do que uma decorrência lógica deste instituto, cuja natureza jurídica, repita-se mais uma vez, é de forma de execução da pena privativa de liberdade.

Acentue-se, por oportuno, que interpretar a regressão por falta grave como punição ao sentenciado é ratificar um intolerável bis in idem, uma vez que o mesmo já terá cumprido uma das penas previstas no artigo 53 da LEP e, seguindo este entendimento, seria punido novamente, agora pelo retorno ao regime mais grave.

Outrossim, não é de olvidar-se que, pelo Regimento Interno Padrão dos Estabelecimentos Prisionais do Estado de São Paulo (RIPEPESP), cuja natureza é de norma infra-legal emanada do Governo do Estado, o sentenciado que comete uma falta disciplinar, seja leve, média ou grave, deverá cumprir um período de reabilitação, durante o qual a unidade prisional onde o mesmo cumpre sua reprimenda não poderá atestar o seu bom comportamento (artigos 68 e seguintes) e, conseqüentemente, não terá preenchido o requisito legal de ordem subjetiva para a consecução de sua progressão de regime.

Nada mais lógico e natural, uma vez que o cometimento de falta disciplinar dentro do sistema prisional se coaduna indelevelmente com o requisito subjetivo, ou seja, o comportamento carcerário do sentenciado e não com o requisito objetivo (cumprimento do lapso temporal).

Obviamente que esta natureza jurídica da regressão e da progressão de regime não dá discricionariedade ao juiz da execução para deferir ou indeferir indiscriminadamente referidos institutos, pois o mesmo sempre estará sempre cingido pelas regras dos artigos 112 e 118 da LEP, além dos princípios previstos no arcabouço jurídico-penal brasileiro. Sendo assim, v.g., quando o sentenciado preencher os requisitos objetivo e subjetivo destacados no artigo 112 da LEP terá adquirido inexoravelmente o direito de progredir de regime.

Por tudo isto, mostra-se evidente que a prática reiterada e difundida por muitos juízes e tribunais pátrios de interromper o tempo de cumprimento da pena privativa de liberdade para efeito de progressão, pela prática de falta grave disciplinar por reeducandos que se encontram no regime fechado, é teratológica, decorrendo de uma equivocada interpretação dos institutos da regressão/progressão de regimes.

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Sobre o autor
Alexandre Orsi Netto

Defensor Público do Estado de São Paulo. Bacharel em Direito pela Faculdades Integradas de Itapetininga (SP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ORSI NETTO, Alexandre. Falta disciplinar grave como fator de interrupção de lapso temporal de cumprimento de pena.: Interpretação equivocada da LEP. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1833, 8 jul. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11469. Acesso em: 22 nov. 2024.

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