5. Conclusões.
A temática já foi devidamente apreciada pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça que ao julgar o EREsp 1.518.169/DF, entendeu que a regra geral da impenhorabilidade de salários, vencimentos, proventos etc., prevista no artigo 833, IV, do CPC/2015, pode perfeitamente ser excepcionada a fim de satisfazer crédito de natureza não alimentar, desde que preservado o suficiente para garantir a subsistência digna do devedor e de sua família, o que é exatamente a hipótese dos autos.
As normas constitucionais são inclusivas, isto é, aplicam-se a devedores e a credores, não havendo que se falar em dignidade da pessoa humana apenas para proteger a pessoa do devedor; o credor, no mais das vezes, também é um ser humano que carece da mesma proteção para a satisfação de seu crédito, não podendo a balança da justiça se inclinar para o lado contrário, sem maiores investigações; a Constituição Federal representa “termo unificador das normas que compõem um ordenamento jurídico”10 e daí nasce a necessidade de observância aos princípios positivados da dignidade da pessoa humana (do credor e do devedor), boa-fé, efetividade e celeridade processuais. Como preconizado por Mauro Cappelletti e Bryant Garth, em obra seminal, o acesso à justiça pode “ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretende garantir e não apenas proclamar os direitos de todos”.11
Bibliografia
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10ª Edição. Tradução: Maria Celeste C. J. Santos. Brasília/DF : Universidade de Brasília, 1999.
CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e Neoprocessualismo. Panóptica, Vitória/ES, Ano 1, Número 6, fev/2007.
CAPPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre/RS : Sérgio Antônio Fabris Editora, 2008.
CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. O Novo Processo Civil Brasileiro. Rio de Janeiro/RJ : Editora Forense, 2019.
GRINOVER, Ada Pellegrini. Ética, Abuso do Processo e Resistência às Ordens Judiciárias - O Contempt of Court. RePro 102.
MARINONI, Luiz Guilherme. O Direito à Adequada Tutela Jurisdicional. RT 663.
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Efetividade do Processo e Técnica Processual. RePro 20.
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Medidas Executivas Coercitivas Atípicas na Execução de Obrigação de Pagar Quantia Certa – Artigo 139, IV, do Novo CPC. RePro 265.
PEREIRA, Rafael Vasconcellos de Araújo. Processo Civil Aplicado. Brasília/DF : Virtual Editora, 2019.
WAMBIER, Luiz Rodrigues. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Anotações Sobre a Efetividade do Processo. RT 814.
ZAVASCKI, Teori Albino. Processo de Execução. Parte Geral. 3ª edição: revista, atualizada e ampliada. São Paulo/SP : Editora Revista dos Tribunais, 2004.
Notas
Teori Albino Zavascki ensina: “Débito e responsabilidade estão, quase sempre, concentrados em uma única pessoa: o próprio devedor (=titular do dever de prestar espontaneamente) suporta, em regra, com o seu patrimônio, aos atos da execução forçada. É o que se chama de responsabilidade executória primária, cuja sede normativa está localizada no art. 591 do CPC. Há situações, todavia, de responsabilidade secundária, em que “a responsabilidade se separa da obrigação e vai alcançar terceiro não devedor”, como no caso do sócio, quando o seu patrimônio se submete ao jugo da execução promovida contra a sociedade, ou do cônjuge, quando seus bens suportam a carga executiva de dívida contraída por seu marido ou por sua mulher.” ZAVASCKI, Teori Albino. Processo de Execução. Parte Geral. 3ª edição: revista, atualizada e ampliada. São Paulo/SP : Editora Revista dos Tribunais, 2004, pp. 193-194.︎
MARINONI, Luiz Guilherme. O Direito à Adequada Tutela Jurisdicional. RT 663/243-247.︎
GRINOVER, Ada Pellegrini. Ética, Abuso do Processo e Resistência às Ordens Judiciárias - O Contempt of Court. RePro 102/219.︎
CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. O Novo Processo Civil Brasileiro. Rio de Janeiro/RJ : Editora Forense, 2019, p. 159.︎
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Efetividade do Processo e Técnica Processual. RePro 20/200.︎
NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Medidas Executivas Coercitivas Atípicas na Execução de Obrigação de Pagar Quantia Certa – Artigo 139, IV, do Novo CPC. RePro 265.︎
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Sobre o dispositivo legal, a jurisprudência diz o seguinte: “DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMBARGOS DE TERCEIRO. DOAÇÃO DE IMÓVEL. USUFRUTO VITALÍCIO. FRAUDE À EXECUÇÃO. RECURSO IMPROVIDO. I. CASO EM EXAME. 1. Agravo de instrumento contra decisão a qual indeferiu o pedido de efeito suspensivo em embargos de terceiro, onde o embargante busca impedir a penhora de imóvel recebido por doação com usufruto vitalício em favor da executada. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO. 2. A questão em discussão consiste em definir se a doação de imóvel a parente, com reserva de usufruto vitalício em favor da doadora/executada, realizada após a prolação de sentença condenatória, configura fraude à execução. III. RAZÕES DE DECIDIR. 3. A doação de imóvel a parente próximo, com reserva de usufruto vitalício em favor da executada, realizada após sentença condenatória, constitui forte indício de fraude à execução. 3.1. O vínculo familiar entre doador e donatário, aliado à reserva de usufruto vitalício, indica o conhecimento da emanda capaz de levar o alienante à insolvência, afastando a presunção de boa-fé do terceiro adquirente (Súmula 375/STJ). IV. DISPOSITIVO E TESE. 4. Recurso improvido. Tese de julgamento: "A doação de imóvel a parente, com reserva de usufruto vitalício em favor do doador/executado, efetuada após sentença condenatória, configura indício de fraude à execução, dispensando a averbação premonitória na matrícula do imóvel." Dispositivos relevantes citados: CPC, arts. 677, 678 e 792, IV. Jurisprudência relevante citada: STJ, Súmula 375; STJ, REsp 956.943/PR (Tema 243); TJDFT, 07028776720188070001, Rel. Des. Alfeu Machado, 6ª Turma Cível, DJE: 6/11/2018.” TJDFT, 2ª Turma Cível, Acórdão 1956862, Processo 0740171-49.2024.8.07.0000, Relator: Desembargador João Egmont, Julgamento: 11/12/2024, DJe: 21/1/2025; “APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. EMBARGOS DE TERCEIRO. IMÓVEL DOADO PELO EXECUTADO AO FILHO. FRAUDE À EXECUÇÃO. CONFIGURADA. CIÊNCIA SOBRE A EXISTÊNCIA DE AÇÃO QUE SERIA CAPAZ DE LEVAR O DEVEDOR À INSOLVÊNCIA. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 375 DO STJ. CONLUIO FRAUDULENTO. DEMONSTRADO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. 1. A sumula 375 do STJ determina que "o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente". 2. Nesse contexto, é preciso estabelecer parâmetros razoáveis para a adequada interpretação do enunciado trazido pela Súmula 375 do STJ, na medida em que a proteção de terceiros de boa-fé alcançada pelo referido verbete tem o condão de impedir que pessoas estranhas às relações do devedor sejam atingidas por atos exclusivos seus, tendo em vista que não tinham omo saber da existência de alguma ação que pudesse levá-lo à insolvência. 3. Entretanto, não é possível levar a cabo tal entendimento de modo a dar guarida a ações arquitetadas no seio da família, onde o imóvel é repassado para um filho embargante/apelante), com plena ciência da existência de ação que tramitava em desfavor do pai (doador/executado), com a anuência do irmão (outro filho do executado), que tomou ciência da ação logo após ela ser distribuída, tornando inaplicável a súmula 375 do STJ no presente caso. 4. O conluio fraudulento entre os familiares ficou demonstrado nos autos, na medida em que o executado buscou se desfazer de seus bens para evitar a constrição judicial para quitar a dívida objeto da ação movida em seu desfavor, tanto é que, até o presente momento, não foi possível executar a sentença por não se encontrar bens do réu (pai do ora apelante) passíveis de penhora. 5. Havendo doação de imóvel para descendente em tempo que corre ação judicial contra o devedor capaz de levá-lo à insolvência, estará caracterizada a fraude contra credores, ainda mais quando não fica demonstrada a intenção do devedor de quitar a sua dívida, tendo em vista que, desde o processamento da ação de origem em 2007, a parte autora busca satisfazer o seu crédito, porém, sem êxito, sendo que a doação do imóvel penhorado, que é objeto dos presentes embargos de terceiro, só ocorreu no ano de 2008. 6. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Sentença mantida.” TJDFT, 5ª Turma Cível, Acórdão 1297850, Processo 07336708620188070001, Relator: Desembargador Robson Barbosa de Azevedo, Julgamento: 4/11/2020, DJE: 17/11/2020.︎
WAMBIER, Luiz Rodrigues. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Anotações Sobre a Efetividade do Processo. RT 814/67.︎
PEREIRA, Rafael Vasconcellos de Araújo. Processo Civil Aplicado. Brasília/DF : Virtual Editora, 2019, p. 234.︎
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10ª Edição. Tradução: Maria Celeste C. J. Santos. Brasília/DF : Universidade de Brasília, 1999, p. 49.︎
CAPPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre/RS : Sérgio Antônio Fabris Editora, 2008, p. 9.︎