Capa da publicação Agressões contra vulneráveis agora têm penas mais duras
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Novos rumos da Justiça Penal: o fim da porta da frente para os agressores de vulneráveis

04/07/2025 às 21:09
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A Lei nº 15.163/2025 agravou as penas para crimes contra idosos, crianças e deficientes. Como ficam a fiança e os benefícios da Lei nº 9.099/95 após as mudanças?

Resumo: A promulgação da Lei nº 15.163, de 2025, representa um divisor de águas na legislação penal brasileira ao endurecer o tratamento jurídico dos crimes de abandono de incapaz, maus-tratos, artigos 133 e 136 respectivamente do CP, exposição de idosos a situações degradantes, artigo 99 do Estatuto da pessoa idosa; operou mudanças no artigo 90 da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência e modificações no artigo 230 do Estatuto da Criança e do Adolescente. As novas penas impõem reclusão severa aos infratores, afastando os benefícios da Lei nº 9.099/95 e proibindo a concessão de fiança pela autoridade policial. Este artigo realiza uma análise crítica dessas mudanças, destacando a nova política criminal de proteção aos vulneráveis e reforçando a necessidade de um sistema de justiça que não mais tolere a banalização da violência doméstica, institucional ou estrutural contra os mais frágeis da sociedade.

Palavras-chave: Código Penal; Estatuto do Idoso; Crimes contra vulneráveis; Fiança; Lei nº 9.099/95; Direito Penal; Política Criminal.


INTRODUÇÃO: A JUSTIÇA NÃO PODE MAIS SER LENIENTE

Nas linhas firmes da nova política criminal brasileira, uma nova página se abre. Com a entrada em vigor da Lei nº 15.163, de 2025, fruto do Projeto de Lei nº 4626/2020, o Estado brasileiro reforça seu compromisso inegociável com a tutela dos vulneráveis: idosos, crianças, pessoas incapazes, portadores de deficiência. A era da leniência jurídica, que por anos permitiu que criminosos saíssem pelas portas da frente das delegacias após praticarem crimes repugnantes contra os mais frágeis, chega ao fim.

O Código Penal foi redesenhado para endurecer as consequências jurídicas de condutas historicamente negligenciadas ou subestimadas pela legislação anterior. idosos. Destarte, a novíssima lei modificou as penas dos crimes de abandono de incapaz e de maus-tratos do CP, alterou a Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto da Pessoa Idosa), para modificar as penas do crime de exposição a perigo da saúde e da integridade física ou psíquica da pessoa idosa; modificou a Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), a fim de estabelecer penas para o crime de abandono de pessoa com deficiência que resulte em lesão corporal de natureza grave ou em morte, e a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para vedar a aplicação da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, em caso de apreensão indevida de criança ou de adolescente.


ANÁLISE CRÍTICA: O NOVO MARCO DE PROTEÇÃO JURÍDICA AOS VULNERÁVEIS

A transformação legislativa promovida pela Lei nº 15.163/2025 traduz um avanço civilizatório na tutela penal dos vulneráveis no Brasil.

No crime de abandono de incapaz, a pena-base subiu de seis meses a três anos de detenção para dois a cinco anos de reclusão, rompendo a histórica visão branda sobre a gravidade da conduta. Casos que resultarem em lesão corporal grave ou morte agora terão penas significativamente superiores, de até 14 anos de reclusão.

No crime de maus-tratos, o salto legislativo é igualmente expressivo: antes punido com pena de dois meses a um ano, agora o agente responde por reclusão de dois a cinco anos, agravando-se nos casos de lesão grave ou morte.

O Estatuto do Idoso, por sua vez, rompe com a simbólica pena de detenção, que pouco assustava os agressores de idosos. Agora, quem expuser a perigo a saúde física ou psíquica de um idoso, submetendo-o a condições degradantes, responderá por reclusão de dois a cinco anos, podendo a pena alcançar até 14 anos em caso de morte da vítima.

Outra mudança significativa, foi a do artigo 90 do Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei 13.146, de 2015. O citado dispositivo legal estabelece a conduta delituosa de abandonar pessoa com deficiência em hospitais, casas de saúde, entidades de abrigamento ou congêneres. A pena era de reclusão de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, e multa. Com a nova lei a pena passa para reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Se do abandono resulta lesão corporal de natureza grave a pena será de reclusão, de 3 (três) a 7 (sete) anos, e multa. Por sua vez, se do abandono resulta morte, a pena será de reclusão, de 8 (oito) a 14 (quatorze) anos, e multa. Nas mesmas penas incorre quem não prover as necessidades básicas de pessoa com deficiência quando obrigado por lei ou mandado.      

A última modificação se deu no artigo 230 do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nº 8.069, de 1990. A conduta criminosa do ECA consiste em privar a criança ou o adolescente de sua liberdade, procedendo à sua apreensão sem estar em flagrante de ato infracional ou inexistindo ordem escrita da autoridade judiciária competente. A pena é de detenção de seis meses a dois anos. Saiu o parágrafo único para criar os §§ 1º e 2º. Assim, incide na mesma pena aquele que procede à apreensão sem observância das formalidades legais. E ao crime previsto neste artigo não se aplica a Lei 9.099, de 1995.

Essas mudanças trazem repercussões processuais significativas:

1. Fim dos benefícios da Lei nº 9.099/95:

Com o novo comando normativo, os crimes previstos no Estatuto da Pessoa idosa e aos crimes praticados com violência contra a pessoa idosa, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, conforme previsão no parágrafo único do artigo 94 do Estatuto da pessoa idosa;

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Outrossim, para o crime previsto no artigo 230 do ECA, a novíssima lei previu a inaplicabilidade da Lei nº 9.099, de 1995.

2. Impossibilidade de fiança pelo Delegado de Polícia (Art. 322, CPP):

Como as novas penas ultrapassam o teto de quatro anos de reclusão, o delegado de polícia ficará impedido de arbitrar fiança em sede policial, transferindo a competência exclusivamente para o Poder Judiciário.

A nova lei materializa o rompimento com a lógica do “crime sem consequência”, e inaugura uma nova era de efetividade e rigor na tutela penal dos vulneráveis.


CONCLUSÃO: O FIM DA IMPUNIDADE VELADA E O RENASCIMENTO DA JUSTIÇA PROTETIVA

A partir da vigência da Lei nº 15.163/2025, o criminoso que atentar contra a integridade física ou psíquica de incapazes, pessoas idosas e pessoas portadoras de deficiência, nos crimes que tiveram suas penas recrudescidas, e que por consequência ultrapassaram a 04 anos de prisão não mais sairá pelas portas da frente da delegacia de polícia como se nada tivesse acontecido.

O sistema de justiça criminal brasileiro envia, assim, uma mensagem clara e inequívoca: “A dignidade dos vulneráveis é inegociável.” Não haverá mais espaço para a leniência, para os arremedos de justiça ou para os atalhos procedimentais que outrora banalizavam crimes de profunda gravidade social.

A Constituição da República de 1988, ao estabelecer como fundamentos da República a dignidade da pessoa humana e como objetivos fundamentais a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, inspira esse novo momento da política criminal.

Os tempos mudaram. Agora, é a vez da Justiça erguer-se com a força da lei para proteger aqueles que mais necessitam: os idosos, os incapazes, os vulneráveis. Que esta transformação seja não apenas legislativa, mas também cultural, ética e moral, como um verdadeiro renascimento da Justiça protetiva em nosso país.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Senado Federal, 1988.

BRASIL. Código Penal Brasileiro. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940.

BRASIL. Código de Processo Penal Brasileiro. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941.

BRASIL. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais.

BRASIL. Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003. Estatuto do Idoso.

BRASIL. Lei nº 15.163, de 2025. Disponível em <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2025/lei/L15163.htm>. Acesso em 04 de julho de 2025.


Texto ajustado com apoio técnico da IA ChatGPT. Acesso em 04 de julho de 2025.

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Sobre o autor
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

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