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O paradoxo do Direito do Trabalho frente ao desaparecimento de seu objeto:

o desemprego estrutural como efeito da globalização

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Depara-se hoje a Humanidade com um novo ciclo de relações interindividuais que convencionou-se chamar globalização, que representa, na realidade representa o novo paradigma de pensamento científico, com profundas implicações em todas as ciências, especialmente as ciências humanas.

Este texto visa expor as consequências, em nosso entendimento, do processo de globalização sobre o Direito do Trabalho, frente ao reposicionamento do emprego na Nova Ordem Mundial, que vem ser a reorganização da geopolítica mundial pautada pelo processo de globalização.

Considerando, a título de definição, que a globalização corresponde aos efeitos da Terceira Revolução Industrial, da formação de blocos econômicos e áreas de livre comércio e da interdependência dos mercados mundiais, há agora que se definir o que entendemos por:

- a Terceira Revolução Industrial: entende-se por Terceira Revolução Industrial a implementação de processos informatizados de produção(automação e robotização) e das técnicas de engenharia genética e de telecomunicações no processo industrial na maioria dos países;

- a formação de blocos econômicos e áreas de livre comércio: tal base conceitual fia-se pela crescente aglutinação de países em blocos e áreas de livre comércio com índice da globalização;

- a interdependência dos mercados mundiais: por este conceito, a globalização resultaria da crescente interdependência dos mercados físicos e financeiros do mundo.

Entretanto, destacamos um quarto elemento que consideramos como essencial para uma pálida idéia do que seja globalização:

- fator tecnológico: a tecnologia, aplicada tanto à produção como ao comércio, é o grande traço diferenciador da globalização em relação aos momentos econômicos que a precederam; mais que um facilitador, a tecnologia é um fator determinante de novas opções e comportamentos, antes impensáveis dada a imensa dificuldade técnica.


Desse modo, afirma-se que, mais que um processo econômico, a globalização é um novo ciclo de relações interindividuais que abrange não só o aspecto econômico, mas também o social, o político e o jurídico.

Porém, se por um lado a globalização representa um novo ciclo de relações interindividuais em um mundo crescentemente integrado e automatizado, por outro lado também representa um novo conjunto de variáveis às quais o ser humano está sendo submetido.

Tanto o fator tecnológico, que permite maior automatização das fábricas e mesmo alterações estruturais do processo produtivo, como o fluxo global de mercadorias geram, em vários países do mundo uma forma de desemprego que representa a mais grave conseqüência sócio-econômica da globalização: o desemprego estrutural.

Entende-se por desemprego estrutural aquele desemprego em que a vaga de trabalho é definitivamente substituída por um processo mecânico ou então, devido a uma reorganização do esquema de trabalho, é eliminada definitivamente; é o ovo da serpente da globalização.

Tratando-se de fato que gera enorme intranqüilidade social, o desemprego tem sido alvo de políticas sociais na maioria dos países do mundo; porém, também é caldo de cultura de outros reflexos sociais da globalização.

O nacionalismo e a xenofobia, expressões comuns pelo planeta afora, do descontentamento popular com as dificuldades geradas pelo desemprego estrutural global, expressões que ora voltam-se contra o estrangeiro imigrante, ora contra as minorias étnicas. Nos países em que a divisão entre o Estado e a religião não é clara, o fundamentalismo tem lugar de destaque.

É fato notório, em termos de geopolítica, que o fator desemprego é elemento potencialmente desestruturador da arquitetura social, já que é indicador de instabilidade no processo produtivo e afeta diretamente toda a conjuntura da sociedade, já que a perda do emprego representa o aparecimento de uma massa potencialmente destrutiva, se socialmente considerada.

Não é novidade a ocorrência de crises de desemprego na conjuntura do processo produtivo; são elementos intrínsecos à própria atividade produtiva e possuíam um caráter cíclico, isto é superada a crise, era superado o desemprego.

Mesmo o trabalhador que definitivamente, por um motivo ou outro, perdesse o emprego, poderia encontrar outro semelhante, dada a tosca especialização de até alguns anos atrás.

Porém, esse era um conceito vinculado a uma estrutura produtiva que não conheceu o extraordinário avanço tecnológico atualmente experimentado, avanço esse que possibilita a mudança de paradigmas no processo, tornando a produção crescentemente automatizada e crescentemente reestruturada, seja pela remodelação dos produtos, seja pela reorganização da linha de produção.

Anteriormente ao atual paradigma de desemprego, os trabalhadores desempregados poderiam permanecer nessa condição por um tempo variável, conforme o tempo e o local; porém, atualmente, a condição de desempregado tende a ser mais ou menos permanente.

Em sendo um processo relativamente rápido, o desaparecimento de vagas ocorre, quase ao mesmo tempo, na maior parte das empresas, tendo em vista a necessidade da concorrência pela produção mais eficiente. Então, há uma falta generalizada de vagas, que não serão substituídas; daí a característica de permanência e velocidade do desemprego estrutural.

Ainda em comparação ao desemprego "clássico", o desemprego estrutural guarda outra diferença, que consiste na insubstitucionalidade do emprego contemporâneo, devido à crescente necessidade de especialização de certas ocupações. Tal fato deve-se também à tecnologia, que, cada vez mais sofisticada, exige maior conhecimento técnico dos usuários.

Anteriormente, o desempregado da fábrica poderia encontrar ocupação no comércio ou no setor de serviços, mas tal opção deixou de existir no contexto contemporâneo em escala considerável, já que mesmo as atividades simples exigem pelo menos o grau médio de escolaridade.

A própria atividade industrial automatizada exige que os trabalhadores remanescentes possuam escolaridade suficiente para operacionalizar os maquinários, o que determina um aumento no grau de escolaridade do trabalhador médio, e reduz ainda mais o número de vagas.

Por outro lado, a formação de uma massa de excluídos em um mundo globalizado também provocará conseqüências jurídicas, que afetam especialmente no Direito do Trabalho.

Em termos de Direito Laboral, assisti-se ao crescente descrédito institucional deste ramo do Direto, frente à mudança do paradigma do mercado de trabalho, única forma de inserção direta na globalização para bilhões de seres humanos.

A globalização afronta o Direito do Trabalho em duas frentes: quando da eliminação do emprego através da automação e quando da divisão dos empregos ao redor do planeta.

O grande princípio norteador do Direito do Trabalho, o Princípio Tutelar, caducou com o modelo de produção que veio do século XIX e que perdurou até o final da 2º Guerra Mundial, sendo lentamente substituído a partir de então.

O trabalho, enquanto peça integrante do processo produtivo, necessitava da proteção estatal, por que era um recurso esgotável e com limitada capacidade de recuperação, e sua espoliação pelo capital punha em risco a própria manutenção da harmonia social. Grosso modo, esta foi a razão do nascimento do Direito do Trabalho.

Entretanto, o novo paradigma global veio e alterou as idéias e conceitos sobre as quais ergueram-se grande parte das instituições do dito mundo ocidental.

O paradigma do mercado de trabalho mudou com o conceito de globalização; o trabalho, que era protegido como forma de proteger a harmonia social e a própria sociedade, estava restrito aos limites do território sob jurisdição do Estado Nacional.

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Porém, o capital globalizado dispõe de trabalho, a preços vis, ao redor do globo, do Paquistão a Honduras, servindo-se das facilidades de transporte e comunicação oferecidas pela globalização.

Por outro lado, o emprego desaparece, ao ser substituído por uma máquina ou nova ordem na produção, desaparecendo um dos valores que o Direito do Trabalho protege. O novo paradigma global tem, às vezes, toques goliardescos de ironia; no caso em tela, observamos uma inversão do mecanismo de nascimento do Direito do Trabalho.

Inseridos na globalização, os Estados necessitam manter uma certa harmonia social, que em grande parte significa manter a produção material em certos níveis, compatíveis com os números absolutos da população.

Visando garantir tanto a permanência das empresas estrangeiras em seus territórios como a vinda de novos investidores, já que o capital globalizado é nômade e apátrida, os Estados reduzem os direitos trabalhistas, simplificam ao máximo os trâmites processuais e oferecem facilidades fiscais de modo a atrair possíveis investidores. Para garantir-se a quantidade, perde-se a qualidade do emprego.

O Estado, que criou o Direito do Trabalho como forma de manter a harmonia social, agora em nome desse mesmo valor, o está eliminando; em nome da manutenção do emprego, permitem-se flagrantes injustiças; em nome de salvaguardas à população, retira-se um de seus instrumentos de proteção.


Reforça-se, com tal constatação, inicialmente, o caráter paradoxal e intrínseco da globalização; intrínseco porque tanto a força integradora do processo, que lança a economia mundial em uma velocidade espantosa e acena com uma civilização mundial próspera e pacífica como a força fragmentadora, representada pelo desemprego estrutural, nacionalismos xenófobos e fundamentalistas são oriundos dos mesmos elementos.

Mais que uma nova fase do capitalismo mundial, a globalização representa, por si só, um fenômeno pautado pelo processo econômico , com profundos reflexos tanto no social como no cultural e político; trata-se de uma ruptura de padrões e postulados que cria um clima de incerteza planetário.

O agravamento das injustiças sociais no mundo é outra conclusão obtida do estudo da globalização; a exclusão social agrava-se à medida em que avança o processo de globalização, tanto em países que estão plenamente inseridos no processo, como naqueles que são meros espectadores da montagem da Nova Ordem Mundial.

A concentração de capital e conhecimento nas mãos das grandes empresas, o enfraquecimento dos Estados Nacionais e a conseqüente fluidez da situação global são outros pontos importantes que o estudo da globalização oferece, e no que concerne ao campo do Direito, especialmente o Direito do Trabalho, assisti-se ao início da luta de sobrevivência deste ramo do Direito frente a um universo em desencanto...

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Sobre o autor
Iwao Celso Tadakyio Mura Suzuki

advogado em São Paulo (SP), professor universitário, mestrando em Direito pela UNESP/Franca

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SUZUKI, Iwao Celso Tadakyio Mura. O paradoxo do Direito do Trabalho frente ao desaparecimento de seu objeto:: o desemprego estrutural como efeito da globalização. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 41, 1 mai. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1148. Acesso em: 4 nov. 2024.

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