5. CONCLUSÃO
Indubitavelmente o legislador civil, imiscuindo-se na seara processual, teve em mente a racionalização do número de demandas e a celeridade da prestação jurisdicional quando da elaboração da norma posta no parágrafo único do art. 788, mormente porque imaginou que a maioria dos danos seria coberta tranquilamente pelo seguro obrigatório, evitando assim que a parte demandasse em face do segurado e este "chamasse" ao processo a seguradora, dificultando a fluidez processual.
Contudo, ao inverter a ordem natural das coisas criou uma modalidade de intervenção até então não prevista. É uma denunciação à lide às avessas, onde quem tem a relação de direito material com o autor é denunciado e não denunciante.
Não querendo admitir essa opinião, pode-se entender que se trata de uma nova espécie de chamamento ao processo como a já prevista no CDC. Entretanto, registre-se que a conclusão deste trabalho diverge do entendimento de Humberto Theodoro Júnior quando este diz que é nova hipótese de chamamento ao processo, porque esta assertiva dá a entender que é só mais uma possibilidade de ocorrência do instituto, mantidas as suas características e requisitos, o que não ocorre. Acaso se entenda a espécie como chamamento, se trata de novo instituto, posto que é o velho chamamento aplicado a situações onde, entre outras coisas, há relações materiais distintas e ampliação objetiva do processo. Repita-se, contudo que, na espécie, as semelhanças são maiores com a denunciação.
Denunciação à lide às avessas ou novo chamamento ao processo, certo é que a hipótese do art. 788, parágrafo único não se encaixa em nenhuma modalidade de intervenção de terceiros até então previstas no CPC.
6. REFERÊNCIAS
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 39ª ed. Rio de Janeiro: Forense, v. I, 2003.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. O novo Código Civil e as regras heterotópicas de direito processual. Disponível em : http://www.abdpc.org.br/artigos/artigo52.htm. Acesso em: 02 set. 2006, 11:55:00.
DIDIER JÚNIOR, Fredie. Direito processual civil. 5ª ed. Salvador: JusPODIVM, 2005.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, v. 3, 2002.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, v. 7, 2003.
TZIRULNIK, Ernesto. Do contrato de seguro de acordo com o novo Código Civil brasileiro. São Paulo: RT, 2003.
MARTINS, Rafael Tárrega. Seguro DPVAT. Campinas: LZN Editora, 2003.
CARVALHO, Daniel Luz Martins de.; CARVALHO, Manuela Ghissoni de. In: DIDIER JR., Fredie; MAZZEI, Rodrigo. Reflexos do Novo Código Civil no Direito Processual. Salvador: Juspodivum, 2006. p. 261-278.
RODRIGUES NETTO, Nelson. A figura do estipulante na ação direta da vítima no seguro obrigatório de responsabilidade civil. In: DIDIER JR., Fredie; WAMBIER, Tereza Arruda Alvin (Org.). Aspectos polêmicos e atuais sobre os terceiros no processo civil. São Paulo: RT, 2004. p. 697-720.
NOTAS
[1] THEODORO JR., Humberto. O Novo Código Civil e as regras heterotópicas de natureza processual. Disponível em: http://www.abdpc.org.br/artigos/artigos52.htm. Acesso em: 02 set. 2006, 11:55:00.
[2] RODRIGUES NETTO, Nelson. In: DIDIER JR., Fredie; WAMBIER, Tereza Arruda Alvim. Aspectos polêmicos e atuais sobre os terceiros no processo civil e assuntos afins. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.
[3] CARVALHO, Daniel Luz Martins de.; CARVALHO, Manuela Ghissoni de. In: DIDIER JR., Fredie; MAZZEI, Rodrigo. Reflexos do Novo Código Civil no Direito Processual. Salvador: Juspodivum, 2006.
[4] "Houve época em que, na doutrina pátria, se apresentava como tema de grande relevância a completa e perfeita distinção entre as normas de direito civil, até mesmo porque diversa era a competência constitucional para legislar acerca de cada um desses ramos do direito. Enquanto, no regime da 1ª Constituição Republicana, o direito privado se inseria na competência legislativa da União Federal, o direito processual ordinariamente deveria ser legislado pelos Estados. Diante do risco de invasão de competência era muito importante a caracterização de cada novo preceito normativo, já que sob o rótulo de lei civil poder-se-ia estar criando ou inovando regras de processo, ou vice versa, gerando de qualquer maneira preceitos inconstitucionais e, portanto, inválidos.
No regime de diversidade de competência legislativa não se admite, obviamente, que um Código Civil se ocupe de matéria típica de direito processual, e tampouco um Código de Processo Civil pode aventurar-se a disciplinar assuntos próprios do direito material privado.
Uma vez, porém, que a ordem constitucional tenha unificado, como se dá na atual Carta Magna brasileira, a competência para legislar sobre direito privado e direito processual, é de todo irrelevante o fato de uma norma rotulada de lei civil conter algum preceito de natureza processual, ou um Código de processo civil incluir em seu texto alguma regra própria da lei material civil.
Sobrevindo, então, um Código Civil, como o de 2.002, importa estar atento o processualista para verificar se no novo estatuto de direito privado não constou alguma regra que possa ter cunho processual e que seja diversa da que anteriormente vigorava no bojo do Código de Processo Civil.
Qualquer conflito normativo entre os dois estatutos legais não se resolverá pela especialização da lei, nem pela pesquisa da natureza intrínseca do preceito, mas pelos princípios do direito intertemporal consagrados pela Lei de Introdução[4][1]. A lei nova revoga a anterior, desde que tenha cuidado do mesmo tema, de maneira diversa, pouco importando o tipo de Código dentro do qual o preceito inovativo tenha sido editado[4][2].
Daí o interesse que, após o advento do Código Civil de 2.002, tem se verificado, entre os processualistas, à procura de artigos que de alguma forma tenham instituído regras de natureza processual inovadoras e, assim, tenham derrogado, em algum ponto, o Código de Processo Civil[4][3].
Aliás, sem embargo da autonomia científica do estudo do direito processual, a moderna doutrina do processo não se cansa de ressaltar seu caráter instrumental, o que o coloca em irrecusável simbiose junto ao direito material. Na verdade, é hoje mais relevante destacar os pontos de contato entre os dois grandes segmentos da ordem jurídica do que isolá-los em compartimentos estanques, de bela configuração acadêmica, mas de escassa repercussão para a função prática ou de resultado que do direito processual se espera na pacificação social e na realização efetiva do direito material.
"Daí por que" - lembra LEONARDO JOSÉ CARNEIRO DA CUNHA - "o direito processual sofre ingentes influxos do direito material, com a estruturação de procedimentos adequados ao tipo do direito material, adaptando a correlata tutela jurisdicional. Não é estranho, inclusive, haver normas processuais em diplomas de direito material e, de outro lado, normais materiais em diplomas processuais (chamadas pela doutrina de normas heterotópicas"[4][4]."
[5] Fere o art. 7° da Lei Complementar n° 95/98.
[6] Theodoro (2006) defende o pagamento direto da seguradora à vítima também nos casos de seguro facultativo.
[7] "O contrato de seguro é aquele pelo qual uma das partes (segurador) se obriga para com outra (segurado), mediante o pagamento de um prêmio, a garantir-lhe interesse legítimo relativo a pessoa ou a coisa e a indenizá-la de prejuízo decorrente de riscos futuros, previsto no contrato (CC, art. 757; RSTJ, 106:225)." DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, v. 3, 2002, pág. 457.
[8] Entende-se por seguro de responsabilidade civil aquele em que "o segurado se garante contra indenizações que deva pagar a terceiros, resultante de atos por que deva responder", podendo contemplar o risco de danos que podem ocorrer em pessoas ou coisas materiais. Fonte: CARVALHO, Daniel Luz Martins de.; CARVALHO, Manuela Ghissoni de. In: DIDIER JR., Fredie; MAZZEI, Rodrigo. Reflexos do Novo Código Civil no Direito Processual. Salvador: Juspodivum, 2006, pág. 263.
[9] São aqueles "cuja contratação é imposta a todos os proprietários de determinados bens ou àqueles que exercem certa atividade definida em lei, com vistas a garantir os danos causados a pessoas ou coisas decorrentes da existência ou utilização do bem por seu proprietário ou do exercício da atividade por seu titular." Fonte: KRIGER FILHO, Afonso. O contrato de seguro no direito brasileiro. Niterói: Labor Júris, 2000, pág. 145.
[10] Resp. 401.487-SP, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 30.08.2003.
[11] Súmula 246 do STJ.
[12] 1° TARJ, ADCOAS, 1982, n. 82.930
[13] RT, 443:292, 92:103, 86:93; Resp 401718/PR.
[14] Debate-se se se trata de oferta, gestão de negócios, declaração unilateral de vontade, direito direto e contrato.
[15] Por ser direito decorrente de norma jurídica genérica, abstrata e imperativa, não cabe ao beneficiário aceitar ou não suas condições, mas tão somente decidir de exige ou não (facultas agendi).
[16] O que não impede a vítima de demandar diretamente em face do segurado.
[17][13] "Nas hipóteses de denunciação da lide o terceiro interveniente não tem vínculo ou ligação jurídica com a parte contrária do denunciante na ação principal. A primitiva relação jurídica controvertida no processo principal diz respeito apenas ao denunciante e ao outro litigante originário (autor e réu). E a relação jurídica de regresso é exclusivamente entre o denunciante e o terceiro denunciado. Já no chamamento ao processo, o réu da ação primitiva convoca para a disputa judicial pessoa que, nos termos do art. 77, tem, juntamente com ele, uma obrigação perante o autor da demanda principal, seja como fiador, seja como coobrigado solidário pela dívida aforada. Vale dizer que só se chama ao processo quem, pelo direito material, tenha um nexo obrigacional com o autor" (THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 41.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, v. I, n. 123, p. 124. No mesmo sentido: DINAMARCO, Cândido Rangel. Direito Processual Civil. São Paulo: J. Bushatsky, 1975, n. 109 e 110, p. 172 e 174; SANTOS, Ernane Fidélis dos. Manual de Direito Processual Civil. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, v. I, p. 95).
[18][14] CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Algumas regras do Novo Código Civil e sua Repercussão no Processo cit., p. 80.
[19][15] Código de Defesa do Consumidor, art. 101: "(…) II - o réu que houver contratado seguro de responsabilidade poderá chamar ao processo o segurador, vedada a integração do contraditório pelo Instituto de Resseguros do Brasil. Nesta hipótese, a sentença que julgar procedente o pedido condenará o réu nos termos do art. 80 do Código de Processo Civil. Se o réu houver sido declarado falido, o síndico será intimado a informar a existência de seguro de responsabilidade facultando-se em caso afirmativo, o ajuizamento de ação de indenização diretamente contra o segurador, vedada a denunciação da lide ao Instituto de Resseguros do Brasil e dispensado o litisconsórcio obrigatório com este".
[20][16] CUNHA, Leonardo José Carneiro da, op. cit., p. 81
[21] Apesar de o renomado professor ter realizado um cotejo da hipótese normativa com outras modalidades de intervenção de terceiro, o que mais interessa ao trabalho foi é a discussão se se trata de chamamento ao processo ou denunciação da lide, vez que não há doutrinador a defender ser o parágrafo único do art. 788 hipótese de outra espécie de intervenção de terceiro.
[22] DIDIER JÚNIOR, Fredie. Direito Processual Civil. 5ª ed. Salvador: JusPODIVM, 2005, pág. 276.
[23] Consubstanciado na possibilidade de vir a sofrer prejuízos jurídicos com a prolação de decisão contra o assistido.
[24] Com quem não tem vínculo de direito material.
[25] Contra quem, em regra, a seguradora não tem direito de regresso, mas há exceções.
[26] "Normalmente, o caso seria de extinção do processo por carência de ação, mas, por questões de economia, aproveita-se o processo pendente e corrige-se o equívoco." Noutro trecho, mesma página, ele diz que a nomeação é um dever processual do réu, que, se deixar de fazer ou fizer a pessoa diversa, "estará propiciando o prosseguimento de um processo inútil ao fim visado[...]".DIDIER JÚNIOR, Fredie. Direito Processual Civil. 5ª ed. Salvador: JusPODIVM, 2005, pág. 296.
[27] DIDIER JÚNIOR, Fredie. Direito Processual Civil. 5ª ed. Salvador: JusPODIVM, 2005, pág. 335.
[28] DIDIER JÚNIOR, Fredie. Direito Processual Civil. 5ª ed. Salvador: JusPODIVM, 2005, pág. 313, nota de rodapé n° 603.
[29] Não se pode exigir a satisfação da condenação inteira pela seguradora, acaso a condenação ultrapasse os limites do contrato ou da lei.