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Direitos da(o) amante.

Na teoria e na prática (dos tribunais)

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16/07/2008 às 00:00

Resumo:


  • A infidelidade e os amores paralelos são temas antigos na história do casamento, fazendo parte da trajetória da humanidade.

  • A doutrina e a jurisprudência atualmente abordam a questão dos direitos da(o) amante, considerando a promoção constitucional da dignidade humana.

  • O poliamorismo é uma teoria que admite a coexistência de múltiplas relações afetivas paralelas, sendo um tema em ascensão no Direito e na sociedade contemporânea.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

6. A (o) Amante e o Supremo Tribunal Federal

Recentemente, sem por fim definitivamente à controvérsia no âmbito do Direito de Família, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário 397.762-8, negou à concubina de homem casado (com quem manteve relação afetiva por 37 anos) o direito de dividir pensão previdenciária com a viúva 21:

"O ministro Marco Aurélio (relator) afirmou em seu voto que o parágrafo 3º do artigo 226 da Constituição diz que a família é reconhecida como a união estável entre homem e mulher, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. Segundo o ministro, o artigo 1.727 do Código Civil prevê que o concubinato é o tipo de relação entre homem e mulher impedidos de casar. Neste caso, entendeu o ministro, a união não pode ser considerada estável. É o caso também da relação de Santos e Paixão.Os ministros Menezes Direito, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski acompanharam o relator. Lewandowski lembrou que a palavra concubinato — do latim, concubere — significa compartilhar o leito. Já união estável é "compartilhar a vida", salientou o ministro. Para a Constituição, a união estável é o "embrião" de um casamento, salientou Lewandowski, fazendo referência ao julgamento da semana passada, sobre pesquisas com células-tronco embrionárias".

Mas, demonstrando a magnitude do tema, a divergência acentuou-se no voto do Min. CARLOS BRITTO:

"Já para o ministro Carlos Britto, ao proteger a família, a maternidade, a infância, a Constituição não faz distinção quanto a casais formais e os impedidos de casar. Para o ministro, ‘à luz do Direito Constitucional brasileiro o que importa é a formação em si de um novo e duradouro núcleo doméstico. A concreta disposição do casal para construir um lar com um subjetivo ânimo de permanência que o tempo objetivamente confirma. Isto é família, pouco importando se um dos parceiros mantém uma concomitante relação sentimental a dois’. O ministro votou contra o recurso do estado da Bahia, por entender que as duas mulheres tiveram a mesma perda e estariam sofrendo as mesmas conseqüências sentimentais e financeiras".

Nota-se, pois, a influência da doutrina familiarista no voto deste último julgador, salientando a complexidade da matéria e a inequívoca ausência de consenso.


7. Conclusões e Conselho

Pois é.

Não é simples este delicado tema.

Longe de ser pacífica, a questão ainda passa por um processo de amadurecimento doutrinário e jurisprudencial, reclamando, no futuro, pronunciamento final do Plenário do Pretório Excelso.

Até lá, é papel de todos os cultores do Direito Civil enfrentar o tema de forma madura, sensata, não-discriminatória, e, acima de tudo, em harmonia com o principio matricial da dignidade humana aplicado nas relações de afeto.

Lembrando-se sempre de como é arriscado estabelecer uma regra geral para a vida afetiva, tão cheia de exceções.

Em conclusão, e se me permitem um conselho, sugiro que cultivemos sempre a fidelidade a dois em nossas vidas, pois, certamente, assim, teremos mais paz e tranqüilidade.

E que Deus nos ouça!

E o nosso coração também...


Notas

  1. Vale lembrar que o Código Civil deixou clara a distinção entre "concubinato", relação não-eventual entre pessoas impedidas de casar (amantes), e "companheiros", integrantes da união estável: "Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato".

  2. http://globoreporter.globo.com/Globoreporter/0,19125,VGC0-2703-16395-4-265921,00.html, acessado em 13 de julho de 2008.

  3. http://sistemas.aids.gov.br/imprensa/Noticias.asp?NOTCod=62009, acessado em 13 de julho de 2008.

  4. E o exemplo poderia ser dado perfeitamente com uma mulher. Vivemos a era da igualdade, não havendo mais espaço para imposição da predominância masculina. Aliás, não existe mais ambiência para determinadas correntes de pensamento da nossa doutrina, como a esposada pelo grande WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, estrela na nossa constelação de civilistas, quando afirma: "Entretanto, do ponto de vista puramente psicológico, torna-se sem dúvida mais grave o adultério da mulher. Quase sempre, a infidelidade no homem é fruto de capricho passageiro ou de um desejo momentâneo. Seu deslize não afeta de modo algum o amor pela mulher. O adultério desta, ao revés, vem demonstrar que se acham definitivamente rotos os laços afetivos que a prendiam ao marido e irremediavelmente comprometida a estabilidade do lar. Para o homem, escreve SOMERSET MAUGHAM, uma ligação passageira não tem significação sentimental, ao passo que para a mulher tem" (in Curso de Direito Civil, 2º volume, Direito de Família, 35ª ed., São Paulo: Saraiva, 1999, pág. 117. Nos dias de hoje, ainda que a infidelidade masculina seja muito mais freqüente, todos nós, homens e mulheres, estamos sujeitos à desvios e tropeços de conduta na relação a dois, afigurando-se arriscado estabelecer, em nosso sentir, ainda que em nível psicológico, uma escala de gravidade. Ou você concorda com o Prof. BARROS MONTEIRO?...

  5. Interessa notar que o art. 1.724, regulador dos deveres dos companheiros, utiliza o conceito mais amplo de "lealdade", o qual, inequivocamente, compreende o compromisso de fidelidade sexual e afetiva durante toda a união.

  6. O próprio Superior Tribunal de Justiça já admitiu responsabilidade civil pela traição, por conta do reconhecimento de dano moral: "Um pai que, durante mais de 20 anos, foi enganado sobre a verdadeira paternidade biológica dos dois filhos nascidos durante seu casamento receberá da ex-mulher R$ 200 mil a título de indenização por danos morais, em razão da omissão referida. O caso de omissão de paternidade envolvendo o casal, residente no Rio de Janeiro e separado há mais de 17 anos, chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) em recursos especiais interpostos por ambas as partes. O ex-marido requereu, em síntese, a majoração do valor da indenização com a inclusão da prática do adultério, indenização por dano material pelos prejuízos patrimoniais sofridos e pediu também que o ex-amante e atual marido da sua ex-mulher responda solidariamente pelos danos morais. A ex-mulher queria reduzir o valor da indenização arbitrado em primeiro grau e mantido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Por 3 a 2, a Terceira Turma do STJ, acompanhando o voto da relatora, ministra Nancy Andrighi, rejeitou todos os pedidos formulados pelas partes e manteve o valor da indenização fixado pela Justiça fluminense. Segundo a relatora, o desconhecimento do fato de não ser o pai biológico dos filhos gerados durante o casamento atinge a dignidade e a honra subjetiva do cônjuge, justificando a reparação pelos danos morais suportados. Em seu voto, a ministra Nancy Andrighi destacou que a pretendida indenização por dano moral em decorrência da infidelidade conjugal foi afastada pelo Tribunal de origem ao reconhecer a ocorrência do perdão tácito, uma vez que, segundo os autos, o ex-marido na época da separação inclusive se propôs a pagar alimentos à ex-mulher. Para a ministra, a ex-mulher transgrediu o dever da lealdade e da sinceridade ao omitir do cônjuge, deliberadamente, a verdadeira paternidade biológica dos filhos gerados na constância do casamento, mantendo-o na ignorância. Sobre o pedido de reconhecimento da solidariedade, a ministra sustentou que não há como atribuir responsabilidade solidária ao então amante e atual marido, pois não existem nos autos elementos que demonstrem colaboração culposa ou conduta ilícita que a justifique. Para Nancy Andrighi, até seria possível vislumbrar descumprimento de um dever moral de sinceridade e honestidade, considerando ser fato incontroverso nos autos a amizade entre o ex-marido e o então amante. ‘Entretanto, a violação de um dever moral não justificaria o reconhecimento da solidariedade prevista no artigo 1.518 do CC/16’, ressaltou a ministra. (http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=84969&tmp.area_anterior=44&tmp.argumento_pesquisa=infidelidade, acessado em 13 de julho de 2008). Mais inovadora ainda é a notícia de indenização por infidelidade virtual: "A Justiça do Distrito Federal aceitou a troca de mensagens por e-mail entre um homem e sua amante como prova de adultério e condenou o homem a pagar indenização de R$ 20 mil por danos morais à ex-mulher. O autor da sentença, juiz Jansen Fialho de Almeida, titular da 2ª Vara Cível de Brasília, desconsiderou a alegação do homem de quebra de sigilo das mensagens eletrônicas, porque os e-mails estavam gravados no computador de uso da família e a mulher tinha acesso à senha do ex-marido. ‘Simples arquivos não estão resguardados pelo sigilo conferido às correspondências’, concluiu. Cabe recurso ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Para o juiz, o adultério foi demonstrado pela troca de mensagens eróticas. O dano moral se caracterizou porque, nas mensagens, o marido fazia comentários jocosos sobre o desempenho sexual da mulher, afirmando que ela era ‘fria’ na cama. ‘Se a traição, por si só, já causa abalo psicológico ao cônjuge traído, tenho que a honra subjetiva da autora foi muito mais agredida, em saber que seu marido, além de traí-la, não a respeitava, fazendo comentários difamatórios quanto à sua vida íntima, perante sua amante", decidiu Jansen de Almeida’ " (http://www.conjur.com.br/static/text/66569,1, acessado em 13 de julho de 2008).

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  7. Parte da doutrina vai mais além, erigindo a monogamia como um princípio: "O princípio da monogamia, embora funcione como um ponto-chave das conexões morais, não é uma regra moral, nem moralista. É um princípio jurídico organizador das relações conjugais". PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Uma Principiologia para o Direito de Família - Anais do V Congresso Brasileiro de Direito de Família. Belo Horizonte: IBDFAM, 2006, págs. 848-849.

  8. "O Fim da Monogamia?", reportagem da Revista Galileu, publicação da Editora Globo, outubro de 2007, pág. 41. Outras regras do "poliamor" apresentadas na mesma matéria: "A filosofia do poliamor nada mais é do que a aceitação direta e a celebração da realidade da natureza humana; O amor é um recurso infinito. Ninguém duvida de que você possa amar mais de um filho. Isso também se aplica aos amigos; O ciúme não é inato, inevitável e impossível de superar. Mas é possível lidar muito bem com o sentimento. Os poliamoristas criaram um novo termo oposto a ele: compersion (algo como ‘comprazer’ em português). Trata-se do contentamento que sentimos ao sabermos que uma pessoa querida é amada por mais alguém; Segundo suas crenças, eles representam os verdadeiros valores familiares. Têm a coragem de viver um estilo de vida alternativo que, embora condenado por parte da sociedade, é satisfatório e recompensador. Crianças com muitos pais e mães têm mais chances de serem bem cuidadas e menos risco de se sentirem abandonadas se alguém deixa a família por alguma razão" (fl. 44)

  9. https://www3.tj.rs.gov.br/site_php/noticias/mostranoticia.php?assunto=1&categoria=1&item=9734, acessado em 13 de julho de 2008.

  10. O casamento putativo no Código Civil está previsto no art. 1.561: "Embora anulável ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé por ambos os cônjuges, o casamento, em relação a estes como aos filhos, produz todos os efeitos até o dia da sentença anulatória. § 1º Se um dos cônjuges estava de boa-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só a ele e aos filhos aproveitarão. § 2º Se ambos os cônjuges estavam de má-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só aos filhos aproveitarão".

  11. MADALENO, Rolf. Curso de Direito de Família. Rio de Janeiro: 2008, pág. 819.

  12. O Superior Tribunal de Justiça, no entanto, posto se trate de forte teoria na doutrina, enfrentando-a, não a aceitou: "União estável. Reconhecimento de duas uniões concomitantes. Equiparação ao casamento putativo. Lei nº 9.728/96. 1. Mantendo o autor da herança união estável com uma mulher, o posterior relacionamento com outra, sem que se haja desvinculado da primeira, com quem continuou a viver como se fossem marido e mulher, não há como configurar união estável concomitante, incabível a equiparação ao casamento putativo. 2. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 789.293/RJ, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 16.02.2006, DJ 20.03.2006 p. 271)". Cremos, de nossa parte, que este entendimento seja futuramente modificado.

  13. http://www.conjur.com.br/static/text/60967,1, acessado em 13 de julho de 2008.

  14. http://www.conjur.com.br/static/text/40960,1, acessado em 13 de julho de 2008.

  15. http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=85398&tmp.area_anterior=44&tmp.argumento_pesquisa=concubina, acessado em 13 de julho de 2008.

  16. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família e o novo Código Civil. Coord.: Rodrigo da Cunha Pereira e Maria Berenice Dias. Belo Horizonte: Del Rey/IBDFAM, 2002, p. 226-227.

  17. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Direito civil: alguns aspectos da sua evolução. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 170.

  18. Ou a nossa companheira, marido ou companheiro?...

  19. DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, pág. 179.

  20. OLIVEIRA, Guilherme de. Temas de Direito de Família - 1. Coimbra: Coimbra Ed, 2005, pág. 338.

  21. http://conjur.estadao.com.br/static/text/66860?display_mode=print

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Sobre o autor
Pablo Stolze Gagliano

Juiz de Direito. Mestre em Direito Civil pela PUC-SP. Membro da Academia Brasileira de Direito Civil, do Instituto Brasileiro de Direito Contratual e da Academia de Letras Jurídicas da Bahia. Professor da Universidade Federal da Bahia. Co-autor do Manual de Direito Civil e do Novo Curso de Direito Civil (Ed. Saraiva).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GAGLIANO, Pablo Stolze. Direitos da(o) amante.: Na teoria e na prática (dos tribunais). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1841, 16 jul. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11500. Acesso em: 22 dez. 2024.

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