Este ensaio traz algumas considerações sobre uma portaria desconhecida, porém importante no Direito do Trabalho. Trata-se de medida "humanizadora" das relações de trabalho, que, no fundo, positiva o que os Tribunais já têm decidido em julgados isolados.
A Portaria n.º 41/2007 do MTE fixa normas de anotação em Carteira do Trabalho e Previdência Social e dá outras disposições.
No art. 1º - que contempla o propósito central da Portaria – proíbe-se a exigência abusiva ou não prevista em lei para contratação ou manutenção dos vínculos trabalhistas com os empregados.
No art. 8.º, proíbem-se anotações prejudiciais à imagem e boa fama do empregado perante os demais:
O MINISTRO DE ESTADO DO TRABALHO E EMPREGO, no uso da competência que lhe confere o art. 87, parágrafo único, incisos I e II da Constituição, resolve:
Art. 1º Proibir ao empregador que, na contratação ou na manutenção do emprego do trabalhador, faça a exigência de quaisquer documentos discriminatórios ou obstativos para a contratação, especialmente certidão negativa de reclamatória trabalhista, teste, exame, perícia, laudo, atestado ou declaração relativos à esterilização ou a estado de gravidez.
[...]
Art. 8º É vedado ao empregador efetuar anotações que possam causar dano à imagem do trabalhador, especialmente referentes a sexo ou sexualidade, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, idade, condição de autor em reclamações trabalhistas, saúde e desempenho profissional ou comportamento.
São disposições já conhecidas pela jurisprudência e que corroboram o entendimento de que o empregador não pode ultrapassar as exigências estabelecidas em lei, relativas à situação pessoal do empregado.
As relações humanas devem ser regidas pela lealdade e boa-fé. A relação de emprego não se furta a tal exigência, haja vista que o poder de mando do empregador não pode ultrapassar os limites do bom-senso.
Exames médicos (art. 1.º). Os exames médicos previstos na legislação têm o objetivo de proteger, antes de tudo, a saúde do trabalhador. Não podem se tornar, portanto, instrumento investigatório da vida privada do empregado pela Empresa. é exatamente para evitar esses abusos que a rotina destes exames deve seguir o previsto em lei, especialmente na Norma Regulamentar nº 7 do Ministério do Trabalho.
Não se adentrará, aqui, no que afirma a Norma Regulamentar; apenas, enumerar-se-ão algumas medidas práticas recomendáveis à Empresa, baseadas na legislação:
1.Os exames médicos são exigências da lei, e não do empregador; por isso, não cabe ao empregador definir o que será consultado, mas sim ao médico da Empresa ou conveniado, que atuará conforme disposto ou permitido pela lei;
2.O médico deve guardar sigilo em relação ao conteúdo do exame admissional e, mediante relatório simplificado, atestará apenas que o empregado possui ou não aptidão física e mental para o desenvolvimento dos serviços;
3.Para cada exame concluído, o médico fornecerá ao empregado uma cópia do Atestado de Saúde Ocupacional (ASO), comprovando a realização do exame e com as descrições exigidas no item 7.4.4.3 da NR-7. A outra cópia deverá ser arquivada na Empresa por 20 (vinte) anos, contados do término da relação empregatícia.
4.A época dos exames é a seguinte:
- pré-admissional: antes de exercer as funções;
- periódicos: - Anual (para menores de 18 anos e maiores de 45 anos de idade);
- Bienal (para maiores de 18 e menores de 45 anos de idade);
- Conforme disposto na NR-15 (para trabalhadores expostos a condições hiperbáricas);
- demissional: até a data da homologação, desde que exista o intervalo temporal descrito no item 7.4.3.5 da NR-7.
Portanto, as Normas que regulam os exames médicos continuam em pleno vigor: o exame admissional continua com os mesmos elementos de sempre; por outro lado, a Portaria analisada não dá critérios objetivos – nem o poderia fazer, dada à variada gama de situações - sobre o que seria uma exigência abusiva.
Outras recomendações: que quaisquer exames sejam realizados em sala reservada, por um médico do mesmo sexo do candidato/empregado, ou acompanhadas por assistente que o seja; que não haja revistas íntimas nos empregados; que não existam câmeras em locais de higiene e asseio, divulgação do CID das doenças, que os candidatos sejam orientados quando à conduta moral na Empresa, enfim, medidas estas que se espera haver em qualquer ambiente de trabalho.
Além disso, recomenda-se cautela quanto às chamadas "dinâmicas de grupo"; as técnicas de seleção aplicadas durante o processo de admissão deverão estar de acordo com os critérios da Portaria. Formulários contendo perguntas íntimas, divulgação de respostas, fotos, imagens e sons dos candidatos, em qualquer tipo de meio de comunicação, devem ser evitados.
Apenas profissionais habilitados e com boa formação profissional – médicos, psicólogos, gestores de recursos humanos, advogados, relações públicas, etc. – deverão ter acesso e efetuar a análise do resultado dos exames (evitando tal atribuição aos estagiários ou trainees da Empresa).
Não são permitidas fotos ou gravações de sons e imagens sem autorização expressa dos candidatos. Mesmo autorizadas, deverão ser utilizadas com a máxima cautela, como afirmado acima.
Anotações em CTPS (art. 8.º). Mesmo após a contratação, é evidente que anotações pejorativas na Carteira de Trabalho deverão ser abolidas.
São irregulares e geram condenações em danos morais na Justiça Trabalhista as anotações, dentre outras anotações sobre:
- sexo ("é do sexo masculino/feminino", etc.);
- sexualidade ("é homo/bissexual", "possui/possuiu problemas X com pessoas do sexo masculino/feminino", "foi demitido por incontinência sexual", etc.)
- origem ("é da região X", "reside no Bairro X", "nasceu na cidade X");
- raça: ("é da raça X", "os pais são da raça X", etc.);
- cor: ("é da cor X", etc.)
- estado civil: ("é/foi/está em vias de ser separado/casado/divorciado/viúvo/solteiro", "está se casando pela X vez", etc.);
- situação familiar: ("possui X filhos", "pagou-se X reais em salário-família", "a/os pais/esposa/filhos têm/tiveram os problemas X", "recebe/não recebe o benefício X do governo", etc.);
- idade ("profissional com mais/menos de X anos", etc.);
- condição de autor em reclamações trabalhistas: ("já entrou com X reclamações trabalhistas", etc.),
- saúde ("é/foi gestante", "possui/possuiu a doença X", "possui deficiência física/mental Y", "é/foi PPD", "é reabilitado pelo INSS", "é homo/bissexual", "possui o trauma X", etc.);
- desempenho profissional: ("a remuneração diminuiu porque os prêmios de produtividade foram baixos, "não foi efetivado porque não atingiu a meta", "desconto por faltar/chegar atrasado", "é/foi remanejado/despedido porque cometeu o erro X no trabalho", "tirou a nota X nas dinâmicas de grupo" etc.", "não conhece/não sabe utilizar o sistema X", etc.);
- comportamento: ("possui o defeito de personalidade X", "pertence/pertenceu à religião X", "foi advertido por utilizar roupas em desconformidade com o cargo", "não recebeu FGTS/férias, porque foi dispensado por justa causa", etc.)
Essas informações, evidentemente, não devem constar de forma alguma na CTPS, mesmo que conhecidas, ou expressamente declaradas pelo candidato ou empregado.
Não quer dizer, com isso, que a Empresa seja obrigada a concordar com a posição do trabalhador, ou que não possa demitir o profissional que não lhe agrade. O que não se pode, de fato, é declarar, de algum modo (em documento ou verbalmente), as razões que levaram o candidato a não ser aprovado ou o empregado a ser demitido.
Nenhuma demissão, aliás, poderá ser motivada em casos fora das previsões do art. 482 da CLT; em nenhuma hipótese, o motivo de não contratação ou dispensa será escrito, quer na Carteira de trabalho ou qualquer outra declaração.
O que a Portaria apontada buscou foi simplesmente punir os empregadores que – aproveitando-se da onda de desemprego pela qual o País atravessa - extravasem a competência permitida pela lei, a fim de evitar constrangimentos impostos aos candidatos que, de boa fé, acabam revelando dados pessoais e de sua intimidade durante o processo seletivo.
Enfim, o bom senso dita o procedimento: recomenda-se evitar quaisquer referências pejorativas à idade, classe econômica, procedência familiar, raça, sexo etc.; mas tal procedimento somente é verificável na prática.