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A competência da Justiça do Trabalho brasileira para apreciar causas que envolvam prestação laboral no exterior

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o tema é relevante para significativa parcela de trabalhadores que migram para outros Estados e acabam se sujeitando a condições laborais muito aquém dos patamares mínimos estabelecidos pela legislação nacional. Em certas circunstâncias, esses indivíduos poderiam recorrer à tutela do Poder Judiciário brasileiro.

Sumário: Introdução; 1. Jurisdição versus Competência; 2. Aspectos Destacados da Competência da Justiça do Trabalho após a Emenda Constitucional n.° 45/2004; 3. A competência da Justiça do Trabalho brasileira para apreciar causas que envolvam prestação laboral no exterior; Conclusão; Referência das fontes citadas.


INTRODUÇÃO

O presente estudo tem por objetivo verificar a competência da Justiça brasileira para processar e julgar dissídios trabalhistas ocorridos fora dos limites territoriais do País. Apesar de haver poucas publicações sobre o assunto, o tema é de extrema relevância para significativa parcela de trabalhadores que migram para outros Estados e acabam se sujeitando a condições laborais muito aquém dos patamares mínimos estabelecidos pela legislação nacional. Em certas circunstâncias, esses indivíduos poderiam recorrer à tutela do Poder Judiciário brasileiro, o que denota a importância desta pesquisa.

De acordo com o Ministério das Relações Exteriores, há aproximadamente 4 milhões de brasileiros vivendo no exterior, sendo que a maioria dessas pessoas busca melhores oportunidades de emprego e renda. A partir dos anos de 1990, com o aprofundamento do processo de globalização, acentuou-se a emigração de trabalhadores nacionais, sobretudo em direção aos Estados Unidos, ao Paraguai, ao Japão e a vários países da Europa [01].

É relevante notar que boa parte desses trabalhadores desconhece seus direitos não só em outros países, mas também no Brasil. Por isso, este artigo científico também tem por objetivo divulgar as informações pesquisadas, que poderão ser úteis para parcela desses indivíduos que prestam serviço no exterior tanto para a iniciativa privada quanto para o próprio Governo brasileiro.

No primeiro capítulo, analisa-se a diferença entre os termos jurisdição e competência, a fim de que sejam apresentados os conceitos básicos que permearão todo o estudo. No capítulo seguinte, trata-se de aspectos destacados acerca da competência da Justiça do Trabalho após a Emenda Constitucional n.° 45/2004, o que servirá de base para a compreensão do tema central da pesquisa. No terceiro capítulo, analisam-se não apenas os pressupostos legais e a doutrina tradicional a respeito da competência da Justiça laboral para apreciar dissídios ocorridos no exterior, mas também são propostas outras interpretações da legislação vigente.


1.Jurisdição versus Competência

A compreensão da amplitude da competência da Justiça do Trabalho para apreciar causas que envolvam prestação laboral no exterior pressupõe o conhecimento de dois institutos jurídicos essenciais: a jurisdição e a competência.

Grosso modo, a jurisdição pode ser entendida como o poder estatal de exercer autoridade sobre determinados eventos, pessoas, coisas ou território. O fundamento jurídico-político da jurisdição é a própria soberania do Estado [02]. Portanto, a sua abrangência é pautada não apenas por razões do direito interno, mas também pela necessidade de coexistência com as jurisdições de outros países, motivo pelo qual se pode dizer que a jurisdição possui, igualmente, uma dimensão externa.

A partir da perspectiva do direito interno, a jurisdição pode ser definida como a função estatal de dirimir os conflitos da sociedade, apresentados ao Poder Judiciário, por meio da aplicação de soluções previstas no ordenamento jurídico nacional [03]. Chiovenda a define como "a função do Estado que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei (...)" [04]. De forma sintética, Vicente Greco Filho acredita que seja o poder-dever-função de dizer o direito no caso concreto [05].

Os conceitos acima são acepções da jurisdição em sua dimensão interna, ou seja, levando-se em consideração a eficácia das normas sob a perspectiva exclusiva do Estado brasileiro. Entretanto, cumpre compreender também a sua dimensão externa. Nesse sentido, a jurisdição pode ser definida como o poder do Estado de exercer sua autoridade soberana [06], observada a máxima par in parem non habet judicium [07] em relação a outras nações. É relevante assinalar, porém, que os termos jurisdição e competência são utilizados, por vezes, com o mesmo sentido nos textos de direito internacional [08].

Para o direito nacional e o internacional, a jurisdição é conceituada sob enfoques diferentes, mas ambos os pontos de vista descrevem o mesmo instituto, um em sentido interno e outro em sentido externo, respectivamente.

A competência, por sua vez, pode ser definida como o conjunto de normas que delimita as áreas de atuação dos diferentes órgãos do Poder Judiciário, conforme a natureza do conflito a ser dirimido [09]. Referidos órgãos, individualmente ou em conjunto, são responsáveis por exercer a jurisdição. Assim como a soberania, a jurisdição é una (indivisível) [10]. Já a competência pode ser segmentada ou distribuída entre os diversos juízos nacionais. Dessa forma, é possível determinar qual órgão judicial será competente para julgar determinada causa.

De acordo com a teoria geral do direito processual, podem-se estabelecer inúmeros critérios de aferição de competência, desde que se levem em consideração a matéria (ratione materiae), a qualidade das partes ou pessoas (ratione personae), a função ou hierarquia do órgão julgador, o lugar ou território (ratione loci) e o valor da causa [11]. O direito positivado regulamenta a competência em inúmeros tipos de normas, como o Código de Processo Civil, a Lei de Falências, a Lei Orgânica da Magistratura, as leis de organização judiciária estadual, a Consolidação das Leis do Trabalho, entre outras. Em razão disso, acredita-se que a maneira mais apropriada de se tratar o tema é, em vez de abordar cada norma especificamente, analisar os critérios gerais de aferição e as conseqüências de eventuais infrações às regras de competência.

Os critérios de matéria, pessoa e função ou hierarquia fixam a competência absoluta do juízo. Já os critérios de território e de valor da causa fixam, em princípio, a competência relativa. A eventual infração às regras de competência absoluta não pode ser convalidada e deve ser decretada de ofício pelo magistrado, em qualquer tempo e grau de jurisdição. Portanto, não se opera a preclusão enquanto não for formada a coisa julgada [12]. Por sua vez, a infração às regras de competência relativa só pode ser decretada se for argüida pelas partes no prazo previsto em lei [13]. Se não for argüida ou se a sua argüição for intempestiva (fora do prazo legal), a então incompetência relativa será considerada automaticamente sanada, ou seja, ocorrerá a prorrogação da competência do juízo, dando-se prosseguimento ao processo [14].

Por fim, é relevante mencionar que há autores que também classificam a competência em nacional e internacional, tendo em vista as disposições dos arts. 88 a 90 do CPC, que se encontram inscritos no Capítulo intitulado "Da Competência Internacional". Entretanto, parte da doutrina entende que referidos dispositivos tratam, na verdade, de jurisdição [15].

A jurisdição ou "competência internacional" pode ser classificada como exclusiva ou concorrente [16]. No primeiro caso, a legislação pátria só reconhece o Poder Judiciário nacional como o único habilitado a processar e julgar determinadas causas, independentemente do que estabeleça a ordem jurídica de outro país. No Brasil, por exemplo, não se reconhece a validade de sentença estrangeira que, eventualmente, tenha versado sobre (a) imóveis localizados no território nacional ou (b) inventário e partilha de bens que estejam no País [17].

No caso da jurisdição ou "competência internacional" concorrente, em contrapartida, não se afasta a possibilidade de que uma mesma questão possa ser julgada por diferentes Estados [18]. Entretanto, nessa hipótese, uma possível sentença estrangeira só teria eficácia local quando fosse homologada pelo Superior Tribunal de Justiça, nos termos do art. 105, I, i, da Constituição da República de 1988 [19].

Como se pode notar, ainda que uma ação já esteja em andamento no exterior, não há impedimento para que ação idêntica seja proposta também no País. O próprio art. 90 do CPC prescreve que não há litispendência internacional, podendo a autoridade judiciária brasileira conhecer da mesma causa e das que Ihe são conexas.


2. Aspectos Destacados da Competência da Justiça do Trabalho após a Emenda Constitucional n.° 45/2004

A competência da Justiça do Trabalho tem por fundamento o disposto no art. 114 da Constituição da República de 1988. Recentemente, com o advento da Emenda Constitucional n.° 45, publicada no D.O.U. em 31 de dezembro de 2004, ampliou-se de modo considerável a extensão de tal competência, como será analisado a seguir.

Provavelmente, a alteração mais significativa implementada pela EC n.° 45/2004 foi a de estabelecer que compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as "ações oriundas da relação de trabalho" [20]. De início, pode-se não se perceber a magnitude de tal modificação constitucional. Entretanto, a expressão "relação de trabalho" causou tremenda transformação na área juslaboral, tendo em vista que a competência da Justiça trabalhista não se restringiria mais as relações de empregado, conforme entendimento anteriormente em voga [21].

Pode-se dizer que a "relação de emprego"é uma das espécies do gênero "relação de trabalho". Enquanto esta última corresponde a todas as relações jurídicas cuja prestação essencial esteja baseada em obrigação de fazer por meio do labor humano, aquela se refere apenas à prestação de trabalho assalariado por pessoa física de modo não-eventual e sob a subordinação a um tomador do serviço [22]. Nessa acepção, o termo "trabalho" engloba diferentes atividades humanas que constituem tipos específicos de relações jurídicas, como a de emprego, a de trabalho autônomo, a de trabalho eventual, a de trabalho avulso, a de estágio, a de trabalho voluntário, entre outras [23]. Assim, a simples noção do significado da expressão "trabalho" parece ser suficiente para se perceber a nova dimensão dada à competência a Justiça trabalhista após a Emenda Constitucional n.° 45/2004.

Estima-se que seja necessária uma década ou mais de debates doutrinários e decisões judiciais para que seja compreendida e delimitada precisamente a extensão dessa nova competência laboral. Atualmente, há discussão sobre a possibilidade da Justiça do Trabalho processar e julgar certas causas oriundas de relações de consumo. Referida tese teria por base o próprio Código de Defesa do Consumidor [24], que prevê que a relação de consumo pode ter por objeto também a prestação pessoal de serviços [25]. A tendência doutrinária e jurisprudencial parece ser no sentido de que a competência juslaboral será definida com base na natureza da prestação de serviço e no tipo de destinatário, conforme o caso concreto. Entretanto, até o momento, há bastante divergência de julgados [26].

Por sua vez, as ações previdenciárias decorrentes de acidente de trabalho não estão no âmbito de competência juslaboral, embora envolvam situações oriundas da relação de trabalho [27]. Entretanto, ações de dano moral ou patrimonial decorrentes de acidente do trabalho são de competência da Justiça trabalhista, nos termos do inciso VI do art. 114 da Carta Magna.

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Ainda, outro fato interessante, e deveras estranho, a ser apontado diz respeito ao imbróglio gerado em torno da redação da parte final do inciso I do art. 114 da Carta Magna, que transcrevo a seguir:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar [28]: I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.; (...) [29](grifei)

Como se pode notar, o texto acima grifado permite inferir que a Justiça do Trabalho seria competente para julgar ações em que figurem como partes todos os servidores públicos, inclusive os ocupantes de cargos criados por lei, regidos por regime próprio. No entanto, em 27 de janeiro de 2005, o então Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Nelson Jobim, suspendeu liminarmente [30] qualquer interpretação do referido dispositivo que entenda ser a Justiça laboral competente para a apreciação de causas entre o Poder Público e seus servidores estatutários ou com vínculo de caráter jurídico-administrativo [31]. Desse modo, apesar das críticas que possam ser feitas ao teor da decisão [32], atualmente apenas os servidores públicos não abrangidos por regime estatutário ou jurídico-administrativo estão legitimados a recorrer à Justiça trabalhista [33].

Ainda em relação ao tema do parágrafo anterior, deve-se observar que os servidores que prestem atividades em empresas públicas e sociedades de economia mista que explorem atividade econômica são submetidos ao regime celetista, próprio das pessoas jurídicas de direito privado. Caso haja mudança de regime, do contratual para o estatutário, a Justiça laboral continuará competente para apreciar os direitos oriundos do período de contratação celetista [34].

Cumpre igualmente destacar que a Justiça laboral tem plena competência para apreciar as causas que envolvam relação de trabalho com entes de direito público externo. O STF já decidiu que os referidos entes não contam com imunidade de jurisdição, mas apenas com imunidade de execução relativa [35]. Recentemente, inclusive, o TST confirmou o entendimento de que a imunidade dos países estrangeiros em relação à execução judicial dos débitos trabalhistas de suas representações diplomáticas no Brasil não é absoluta. Nesse sentido, foi reconhecida a hipótese de penhora judicial sobre bens pertencentes ao Estado estrangeiro, mas que não são destinados às atividades de natureza diplomática [36]. Caso os bens disponíveis para a penhora não sejam suficientes, pode-se recorrer à carta rogatória e aos meios diplomáticos para que a decisão seja efetivada [37].

Como se pode perceber, a ampliação da competência do Poder Judiciário trabalhista para tratar de causas oriundas da "relação de trabalho" trouxe diversos desafios aos estudiosos e aplicadores do direito, que provavelmente só serão superados com a acumulação de experiência, teórica e prática, a ser adquirida nos próximos anos. Frise- se que, além dos casos mencionados, a Justiça laboral também é responsável por apreciar causas relativas ao exercício do direito de greve; à representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores; a mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando envolverem matéria sujeita à jurisdição trabalhista; às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização laboral; entre tantas outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho [38].

Por fim, é interessante observar que, no âmbito trabalhista, as competências em razão da matéria e da pessoa estão previstas no art. 114 da Carta Magna [39]. De outro modo, as competências em razão da função e do território são fixadas pela legislação ordinária, conforme determina o art. 113 da Constituição de 1988 [40].

Após essa breve digressão sobre aspectos destacados da competência da Justiça do Trabalho após a Emenda Constitucional n.° 45/2004, passa-se a analisar o tema principal do presente artigo: a competência internacional da Justiça trabalhista.


3. A competência da Justiça do Trabalho brasileira para apreciar causas que envolvam prestação laboral no exterior

A possibilidade de que a Justiça brasileira aprecie causas que envolvam prestação laboral no exterior suscita duas questões fundamentais a serem respondidas pelo Direito do Trabalho, uma de ordem processual (acerca da competência) e outra de ordem material (a respeito da legislação aplicável). O presente estudo tem por objetivo tratar apenas da competência do Poder Judiciário nacional, tendo em vista que o tema da legislação a ser aplicada ao caso concreto parece ter entendimento sedimentado na doutrina e na jurisprudência [41].

A CLT, enquanto norma de direito interno, refere-se às relações jurídicas ocorridas, em princípio, no Brasil. Nesse sentido, a regra geral de competência ratione loci das Varas do Trabalho é determinada pelo local de prestação de serviços, ainda que o trabalhador tenha sido contratado em outra localidade do território brasileiro ou mesmo fora do País, nos termos do art. 651 celetista, in verbis :

Art. 651 - A competência das Juntas de Conciliação e Julgamento é determinada pela localidade onde o empregado, reclamante ou reclamado, prestar serviços ao empregador, ainda que tenha sido contratado noutro local ou no estrangeiro. 

§ 1º - Quando for parte de dissídio agente ou viajante comercial, a competência será da Junta da localidade em que a empresa tenha agência ou filial e a esta o empregado esteja subordinado e, na falta, será competente a Junta da localização em que o empregado tenha domicílio ou a localidade mais próxima. (Redação dada pela Lei nº 9.851, de 27.10.1999) 

2º - A competência das Juntas de Conciliação e Julgamento, estabelecida neste artigo, estende-se aos dissídios ocorridos em agência ou filial no estrangeiro, desde que o empregado seja brasileiro e não haja convenção internacional dispondo em contrário.

§ 3º - Em se tratando de empregador que promova realização de atividades fora do lugar do contrato de trabalho, é assegurado ao empregado apresentar reclamação no foro da celebração do contrato ou no da prestação dos respectivos serviços.

Como se pode perceber, em contrapartida ao critério territorial previsto no caput do art. 651 da CLT, o texto consolidado prevê regra específica quando o trabalho é prestado no exterior. O § 2° do referido artigo estende a competência da Justiça laboral para apreciar "dissídios ocorridos em agência ou filial no estrangeiro, desde que o empregado seja brasileiro e não haja convenção internacional dispondo em contrário" [42]. Cumpre observar, portanto, que há elementos de conexão ou pressupostos legais para se fixar a competência do Judiciário nacional, devendo estes serem analisados em conjunto e cumulativamente.

Alguns autores acreditam que o § 2° do art. 651 da CLT, ao mencionar "dissídios ocorridos em agência ou filial no estrangeiro", traria implícita a noção de que o empregador teria que ser empresa com sede no Brasil [43]. Entretanto, com base no princípio protetivo do trabalhador, considera-se tal entendimento impreciso. Nesses tipos de contratação, é grande a probabilidade de o empregador ser pessoa jurídica estrangeira. Por isso, nessas hipóteses, acredita-se que a competência da Justiça trabalhista também não deve ser afastada, devendo-se recorrer subsidiariamente ao CPC.

Como se sabe, em caso de omissão da CLT, podem ser utilizadas as normas do processo civil, desde que sejam compatíveis com o processo do trabalho [44]. Nesse sentido, o parágrafo único do art. 88 do CPC reputa domiciliada no Brasil a pessoa jurídica estrangeira que aqui tiver agência, filial ou sucursal. Por sua vez, o inciso I do mesmo dispositivo esclarece que é competente a autoridade judiciária brasileira quando "o réu, qualquer que seja a sua nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil". Sendo assim, seria plenamente possível a citação do empregador estrangeiro [45]. Portanto, ainda que o empregador seja empresa com sede fora do País, o trabalhador que prestar serviço no exterior poderá optar por se submeter à tutela da Justiça nacional quando houver, pelo menos, um estabelecimento do empregador (agência, filial ou sucursal) em território brasileiro.

O jurista Ricardo Aerosa parece corroborar o entendimento acima exposto ao declarar que, em tais situações, a competência trabalhista se resolve pela existência de um estabelecimento no Brasil [46]. Sérgio Pinto Martins, a seu turno, salienta que se a empresa não tiver sede ou filial no País "haverá a impossibilidade da propositura da ação, pois não será possível sujeitá-la à decisão de nossos tribunais" [47].

De outra forma, Bezerra Leite entende não ser necessário que a empresa estrangeira tenha estabelecimento no Brasil para se sujeitar ao nosso Poder Judiciário. Leite assinala que, apesar dos obstáculos operacionais para a propositura da demanda contra empresa do exterior, seria possível a notificação do empregador por carta rogatória, sendo competente a Vara do Trabalho por aplicação analógica do art. 88, I e II, do CPC. Entretanto, ressalta que se o empregador aceitará ou não se submeter à Justiça brasileira é questão alheia à competência [48].

Repare-se que tanto Martins quanto Leite parecem ter se equivocado em relação à possibilidade de o empregador estrangeiro não se sujeitar à jurisdição do Brasil. Na verdade, a legislação vigente não dá essa opção ao empregador (contratante do serviço). Se não houver estabelecimento da empresa no País, a citação terá que ser feita por carta rogatória. Ao final do processo, desde que homologada pelo Estado estrangeiro, a sentença brasileira surtirá plenamente seus efeitos em outro território. Em nenhum momento o empregador poderá escolher se submeter ou não à Justiça nacional [49].

Além disso, note-se que Bezerra Leite está parcialmente correto ao mencionar que não é necessário que o empregador tenha sede ou filial no Brasil para estar sujeito à nossa jurisdição. Desde que o serviço seja prestado no País, não há necessidade de que haja estabelecimento da empresa estrangeira em território nacional, com base no que dispõe o caput do art. 651 da CLT. Se o serviço for prestado no exterior, entretanto, a afirmação de Leite é imprecisa, porque nessa situação não haveria nenhum elemento de conexão da relação laboral com o ordenamento jurídico pátrio. Assim, não haveria amparo legal para sustentar a competência trabalhista brasileira. Quando o serviço for prestado no estrangeiro, somente se houver agência, filial ou sucursal no Brasil será possível a atuação do nosso Poder Judiciário.

Outro pressuposto legal cumulativo para que a Justiça trabalhista possa se considerar competente para apreciar causas que envolvam prestação laboral no exterior é que o trabalhador tenha nacionalidade brasileira, consoante o disposto no § 2º do art. 651 da CLT. Em relação ao serviço prestado no Brasil, não teria importância o trabalhador ser estrangeiro, tendo em vista que o caput do art. 651 da CLT não faz qualquer restrição à nacionalidade [50]. Entretanto, quanto ao serviço no exterior, a regra celetista faz menção apenas às atividades prestadas por brasileiro.

Mais uma vez, agora com base na Constituição da República, acredita-se ser possível questionar a restrição de nacionalidade imposta pela CLT. Com fulcro na norma constitucional do tratamento isonômico entre brasileiros e estrangeiros residentes no País, constante do caput do art. 5º da Carta Magna, alguns juristas entendem que a competência da Justiça trabalhista, nesses casos, deve ser estendida aos estrangeiros que aqui residem [51]. Ainda nessa linha de raciocínio, ampliando-se esse último posicionamento, considera-se inclusive que seja juridicamente plausível estender a tutela do Poder Judiciário local a todos os trabalhadores estrangeiros, mesmo que não residam no Brasil, desde que a empresa empregadora tenha estabelecimento no País (elemento de conexão).

É cediço na doutrina que o caput do art. 5º da Constituição de 1988 trata de direitos fundamentais, como o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Assim, não há razão para se excluírem os "estrangeiros não-residentes" no Brasil da incidência de referida norma. Como se sabe, os direitos fundamentais são garantias consagradas a todas as pessoas, independentemente de origem, raça, cor, credo, sexo ou nacionalidade [52].

Como assinala José Afonso da Silva, a compreensão do caput do art. 5°da Carta Magna não deve ser literal, devendo o intérprete aferir tal dispositivo com outras normas constitucionais, especialmente com as exigências de justiça e ordem social [53]. Nesse sentido, o mesmo jurista lembra que Pontes de Miranda acreditava nos chamados direitos supra-estatais, ou seja, assegurados a qualquer pessoa [54]. O acesso do estrangeiro à Justiça laboral tem fundamento não apenas no direito constitucional de petição, mas também no princípio da proteção da dignidade da pessoa humana [55].

José Francisco Rezek, ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal, ensina que aos estrangeiros no País deve ser assegurado o exercício dos direitos civis inerentes a qualquer cidadão, apesar de não disporem de direitos políticos, nos seguintes termos:

"(...) A qualquer estrangeiro encontrável em seu território – mesmo que na mais fugaz das situações, na zona de trânsito de aeroporto – deve o Estado proporcionar a garantia de certos direitos elementares da pessoa humana: a vida, a integridade física, a prerrogativa eventual de peticionar administrativamente ou requerer em juízo, o tratamento isonômico em relação a pessoas de idêntico estatuto. É possível afirmar, à luz de um quadro comparativo, que na maioria dos países a lei costuma reconhecer aos estrangeiros, mesmo quando temporários, o gozo de direitos civis (...). O estrangeiro não tem direitos políticos, mesmo quando instalado definitivamente no território e entregue à plenitude de suas potencialidades civis, no trabalho e no comércio [56]. (grifei)

Acredita-se, portanto, que seja inadequado interpretar o caput do art. 5° da Constituição de 1988 de modo literal, tendo em vista que excluiria os "estrangeiros não-residentes" no País do âmbito de abrangência dos direitos fundamentais. Tal interpretação violaria preceitos constitucionais básicos. Ademais, lembre-se da cláusula aberta dos direitos fundamentais consubstanciada no § 2º do art. 5º da Carta Magna, que declara: "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte".

Os argumentos transcritos acima levam a crer que todos os estrangeiros, e não apenas os residentes, devem ser abrangidos pela competência da Justiça trabalhista em casos de contratação por empresa estrangeira para prestar serviço no exterior, desde que seu empregador tenha estabelecimento (sede, agência, filial ou sucursal) situado no País. Acredita-se que essa linha de interpretação se coaduna, inclusive, com o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais.

Ainda, outro pressuposto legal para que o Poder Judiciário brasileiro se considere competente para apreciar dissídios trabalhistas ocorridos no exterior é que não haja convenção internacional dispondo em contrário. Essa verificação deverá ser feita caso a caso, com base nos tratados bilaterais ou multilaterais ratificados pelo Brasil [57]. Cumpre observar, porém, que a maioria das convenções internacionais que tratam de relações trabalhistas têm por objetivo a ampliação da cooperação judiciária entre os Estados, em vez de imporem limitações ao poder jurisdicional dos países contratantes.

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Sobre o autor
Rodrigo Meirelles Gaspar Coelho

Diplomata. Mestre em Diplomacia pelo Instituto Rio Branco do Ministério das Relações Exteriores. Autor do livro "Proteção Internacional dos Direitos Humanos: A Corte Interamericana e a Implementação de suas Sentenças no Brasil" (Juruá, Curitiba).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COELHO, Rodrigo Meirelles Gaspar. A competência da Justiça do Trabalho brasileira para apreciar causas que envolvam prestação laboral no exterior. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1845, 20 jul. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11518. Acesso em: 4 nov. 2024.

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